Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
Missão dada, missão cumprida, alma ferida
Não é fácil para o policial militar, que foi educado para ser superior ao tempo, pedir socorro

Não é de hoje que convivo com a sensação de que a sociedade brasileira entende que algumas pessoas podem morrer, principalmente, quando essas mortes estão na conta de uma guerra particular que se trava nas favelas e periferias das nossas cidades.
Nesse processo de naturalização do morrer e do matar, nos acostumamos à percepção social de que uma polícia que supostamente “mata muito”, também seja a que “muito morra”, seja em serviço ou fora do horário habitual de trabalho, em assassinatos que se dão apenas em razão da condição funcional do envolvido ou por “lesões autoprovocadas voluntariamente”, em outras palavras, mortes por suicídio.
No que se refere aos suicídios, se o assunto entre nós ainda é um tabu em relação à população brasileira como um todo, apesar do seu crescimento contínuo, o que se dizer então, com referência ao suicídio de policiais, particularmente de policiais militares, que pouco se conhece e muito menos se discute?
Embora o suicídio entre os profissionais de segurança permaneça quase que invisível aos olhos convenientemente míopes dos gestores públicos e da sociedade, pesquisas internacionais apontam os policiais como um grupo de risco pelo fato de estarem mais sujeitos ao fenômeno do que a população em geral.
Assim, quando na última sexta-feira (27), a Polícia Militar da Bahia lamentou, de forma profunda, o falecimento de mais um dos seus integrantes, encontrado morto, na garagem do prédio em que morava, no bairro de Patamares, em Salvador, com indícios de ter cometido suicídio, mais uma vez, faltaram respostas e, principalmente, as perguntas sobre os porquês desta predisposição.
Nesse contexto, o que mais preocupa não é a ausência de respostas, mas, sobretudo, a não colocação de perguntas que possam nos fazer perceber a diferença entre o ser policial, substantivo, e o ser policial, verbo.
A vida perdeu o caráter sagrado
e o suicídio também foi banalizado
Mesmo que o ser policial sofra os efeitos da exposição de variáveis como a facilidade de acesso às armas de fogo, as jornadas de trabalho intensas e estressantes, as culturas institucionais fortemente hierarquizadas, além de outras questões socioculturais e políticas, não podemos olvidar que o suicídio geralmente aparece associado a doenças mentais, sendo que a mais comum, atualmente, é a depressão.
Apresentar sintomas depressivos não é raro para nenhum ser humano, policial ou não, principalmente após experiências ou mesmo em ocorrências que nos afetam de forma negativa. Porém, se estes perduram por mais de duas semanas sucessivas, deve-se buscar ajuda. O problema é que o policial militar, entretanto, demora a pedir socorro.
Não é fácil para quem foi educado para ser superior ao tempo, tendo em mente que “missão dada é missão cumprida”, pedir socorro. Mas, o ser policial que cumpre as missões é de carne e osso e embora não seja difícil buscar ajuda para tratar uma fratura, o mesmo não pode ser dito em relação ao que lhe fere a alma. Afinal, todo mundo entende que uma pessoa com a perna fraturada não pode se locomover direito. Mas, quando é a alma que está fragmentada, a mente ferida, a situação é bem diferente.
Cumpre ressaltar que, embora a depressão não seja condição suficiente para o comportamento suicida, durante os transtornos depressivos, não raro, falta esperança para com o mundo e isto torna o mais extremo dos atos, tanto real quanto simbolicamente, uma válvula de escape para o sofrimento psíquico.
Uma reflexão mais profunda da contemporaneidade revela que a vida não é mais considerada um valor, pois, diante da moderna sociedade de consumo, perdeu gravemente o caráter sagrado e, por isso, o suicídio também foi banalizado.
Viver é perigoso e para quem escolhe arriscar a vida para socorrer e proteger cidadãos, não há nenhuma garantia de que um dia não seja ele a necessitar de um socorro. Se não há garantia, se não se pode prever ou antecipar o futuro, parece impossível uma ação preventiva em meio a uma rotina marcada pelo alto estresse, pelo risco, pelo afastamento da família e pela convivência com o lado mais sombrio da vida e perdas constantes dos companheiros de trabalho.
O policial contemporâneo, na busca de ser ser-humano, sendo consciente e responsável pela sua existência, é por essência um cuidador. Cuida dos outros como missão e como opção de vida. Mas quem cuida do cuidador que, a cada missão cumprida, sente que a força vital se esvai da sua alma ferida?
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