Marcos Sampaio é advogado, procurador do Estado da Bahia, professor da Faculdade Bahiana de Direito e da Faculdade de Direito da Unifacs.
#NÃOSEESQUEÇA – Este país tem gente, então tem jeito
Segundo a OMS, até o ano de 2050, poderemos chegar a 115 milhões de pessoas convivendo com a doença de Alzheimer; não será possível esquecer tanta gente
Em 21 de setembro somaram-se 22 anos desde a instituição do Dia Mundial do Alzheimer pela Organização Mundial de Saúde (OMS), e, por isso, ao longo do mês há uma intensa divulgação sobre a doença e seus comprometimentos com o objetivo de orientar a população sobre a prevenção, causas e tratamentos. Segundo a OMS, até o ano de 2050, poderemos chegar a 115 milhões de pessoas convivendo com a doença. Não será possível esquecer tanta gente.
Quem já conviveu com pacientes de Alzheimer sabe que a doença golpeia o cérebro do enfermo e o coração dos familiares. Perder aos poucos um ente querido; vê-lo esquecer-se de detalhes simples ou importantes; e vivenciar uma doença que “borra a memoria, no los sentimentos” faz aflorar sensibilidades raras.
Na literatura, o teclado de Lisa Genova, no livro Still Alice, apresentou a luta de Alice Howland, uma professora de linguística de sucesso, diagnosticada com Alzheimer aos 50 anos, que começa a esquecer de certas palavras e se perder pelas ruas de Manhattan-NY. Com enredo quase poético, vê-se um mundo desmoronando, pouco a pouco, na medida em que as lembranças vão se esvaindo. Alice começa a ficar apavorada ao pensar que anda esquecendo sem sequer perceber e, com a evolução da doença, põe à prova a força de sua família, seu marido e suas filhas.
A história comovente foi transportada ao cinema, em 2014, no filme Para Sempre Alice, protagonizado por Julianne Moore que chegou a ganhar mais de trinta prêmios pela sua atuação, incluindo o Oscar, o Globo de Ouro, o Spirit Award, BAFTA, o SAG e o Hollywood Award.
Às vezes nos esquecemos de quanta
gente de bem está ao nosso redor
Neste setembro de 2016, a Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz) lançou campanha para alertar sobre a doença, divulgando um curta-metragem que conta a história de uma senhora que, no centro frenético da cidade de São Paulo, simula estar perdida, sem saber ao certo seu nome ou destino. Nos quatro minutos do filme, a passarela Prof. Dr. Emílio Athie encontra diversos homens e mulheres, de todas as idades, que, mesmo na pressa do dia a dia, param por alguns instantes para ouvir o desassossego da mulher e, de algum modo, lhe prestar algum auxílio ou conforto.
Às vezes nos esquecemos de quanta gente de bem está ao nosso redor. O que o curta relembra, mais uma vez, é a enorme disposição do brasileiro comum que jamais esqueceu a solidariedade e que está sempre disposto a estender uma mão para ajudar o próximo. Jamais nos esquecemos de cuidar de nós mesmos. Enquanto muitos se perdem na disputa por interesses próprios ou insistem numa concorrência de lados maniqueístas, o brasileiro se encontra. Talvez a lição apresentada não seja apenas a advertência para a necessidade de cuidar da doença, mas sobretudo a demonstração de que esse país tem gente, então tem jeito.
Não à maneira anestésica por que passa o país em volta das disputas políticas ainda não cicatrizadas que permeiam uma eleição vazia de conteúdo e que se esqueceu de apresentar futuro, soluções e projeto para nossa nação. O alzheimer social não poderá nos fazer prisioneiros desse fenômeno politico atordoado que acaba aniquilando o futuro. Diante dela se encontra uma sociedade brasileira que não se esqueceu da sua missão de construir uma nação para todos e que tem como valor fundamental o compromisso mútuo de solidariedade. Isso hoje tem toda importância.
Numa inesquecível passagem do livro, Alice profere seu último discurso público em uma conferência (pouco antes de perder quase totalmente sua memória) e registra: “Eu não tenho nenhum controle sobre os ‘ontens’ que conservo e os que são apagados. Não há como negociar com esta doença. Não posso oferecer a ela os nomes dos presidentes dos Estados Unidos em troca dos nomes dos meus filhos. Não posso lhe dar os nomes das capitais dos estados e conservar as lembranças de meu marido (…) Meus ‘ontens’ estão desaparecendo e meus amanhãs são incertos. Então, para que eu vivo? Vivo para cada dia. Vivo o presente. Num amanhã próximo, esquecerei que estive aqui diante de vocês e que fiz este discurso. Mas o simples fato de eu vir a esquecê-lo num amanhã qualquer não significa que hoje eu não tenha vivido cada segundo dele. Esquecerei o hoje, mas isso não significa que o hoje não tem importância”.
Para hoje, #nãoseesqueça, juntos somos mais.
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