Publicado em 21/10/2021 às 15h37.

O papel da comunicação frente às urgências de vida na crise climática

De que maneira a comunicação pode contribuir, ou não, com a sustentabilidade?

Liliana Peixinho
Foto: Nasa
Foto: Nasa

 

Lideranças planetárias chamam atenção para a necessidade, urgente, de mudanças de comportamentos que impactam o ambiente onde a vida se desenvolve. As agendas sobre cuidados são antigas; os dados sobre os riscos à vida são visibilizados mídias afora; países como a Inglaterra, sede de evento mundial desse debate, em novembro, se mobilizam para chamar atenção sobre as urgências em fazer de fato.

Nesse cenário, de que maneira a comunicação pode contribuir, ou não, com a sustentabilidade? A informação veiculada, acessada, filtrada, pode ajudar na mudança de comportamento? Como isso pode acontecer, de fato?

Se formos verificar o volume de investimentos que governos e empresas realizam, para propagar programas e produtos, podemos constatar que as  contrapartidase em visibilidade, credibilidade e por conseqüência, consumo, apresentam retornos que satisfazem bem mais aos interesses de uma das partes da cadeia, frente às necessidades reais da maior parte da população do planeta.

E o cidadão, o consumidor, como têm se posicionado? E a matriz de produção, quais os compromissos de quem explora, com a preservação? Se a Comunicação é responsável por dar visibilidade – seja no jornalismo, publicidade, relações públicas, assessoria de imprensa, redes sociais e outras- e nesse cenário vemos que o avanço de novas tecnologias tem peso relevante nas demandas diversas do cotidiano- qual o modelo de produção que queremos, precisamos, para pautas permanentes como a defesa e promoção de direitos; manejo sustentável dos recursos naturais; tratamento eficiente de resíduos; incentivo, apoio e promoção ao uso de energias renováveis, limpas; redução do risco de desastres ambientais; preparação e adaptação às mudanças exigidas pela Crise Climática?

Como tem se comportado a comunicação na missão do despertar a atenção sobre forma, velocidade, conteúdos e resultados de comportamentos construídos em redes, na propagação de conteúdos, sob o olhar da sustentabilidade? Mais que respostas, temos perguntas. Pesquisas independentes, construídas através da coleta de depoimentos de especialistas, jornalistas, cientistas, ativistas, educadores, sobre comportamentos cotidianos, planeta afora, mostram quão distante anda o discurso, generalizado, da prática, no dia a dia.

Observamos um cotidiano onde a garantia da Vida se revela frágil, diante do caos em áreas como Infraestrutura, Saúde, Educação, Segurança,Transporte, Moradia, Emprego, garantia de alimentos preventivos às doenças.

Lobby invisível

Quando analisamos dados como o do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), ao revelar que os dois por cento mais ricos dos adultos do mundo possuem mais do que a metade da riqueza familiar global; enquanto que os 50 por cento mais pobres dos adultos possuem apenas um por cento, e constatamos que os ricos foram os que mais se beneficiaram com o crescimento econômico global, vemos que,  em termos gerais, as pessoas pobres não conseguiram se incluir;  ao contrário, pioraram sua qualidade de vida, agravados com a pandemia Covid-19. Grande parte dos danos ambientais causados pelos seres humanos tem relação direta com o desejo de satisfazer consumos, garantidos à quem tem mais condições.

O atual modelo de produção e consumo, distribuição e acesso ao que se produz planeta afora, Brasil Adentro, está em questionamento, e faz tempo! São diversos os recortes sociais que demonstram insatisfação com a desigualdade, o desequílibrio, a concentração de renda, a miséria, a fome, a exploração do trabalho. Fragilidades de um modelo de “desenvolvimento” à qualquer custo, em xeque por setores que propagam novos e necessários sistemas de produção harmoniosas entre produção e consumo.

As classes privilegiadas, as que detém todos os poderes: informação, recursos, acesso,  articulação, mobilização, como tem se posicionado nesse cenário? No Brasil da fartura em produção alimentar, onde cerca de 40% é desperdiçado, e 20 milhões de pessoas passam fome e outros milhões em insegurança alimentar, sem garantia da próxima refeição do dia, que apoio são garantidos aos pequenos agricultores familiares, sem acesso a recursos de investimentos via bancos ou agencias de desenvolvimento para garantir suas micros safras, em prejuízos cíclico?.

O Movimento AMA – Amigos do Meio Ambiente  https://www.facebook.com/groups/amigosdomeioambiente/?ref=share_group_link que faz Imersões Jornalísticas Sertão Afora, Nordeste e Brasil Adentro, observa, há 21 anos, que trabalhadores rurais viajam léguas de suas comunidades para ir até as feirinhas de cidade próximas para vender, aliás, entregar quase de graça, produtos que consumiram suor e sangue, meses a fio, sem água, sem energia, a preços que não cobrem as mínimas necessidades de uma cesta básica.

Eles transportam, em condições precárias de armazenamento e deslocamento: frutas, hortaliças, legumes, ovos, galinhas vivas, por exemplo, para vender e comprar bolachas quimicamente coloridas, biscoitos recheados, alimentos processados, pão, óleo, arroz, onde qualquer lógica para a autosustentação Comunitária se esvai.

A cadeia produtiva e de escoamento “sustentável ” é quebrada com a exploração de uma mão de obra que “dá duro”, “pega forte no batente”,  esquenta os miolos no sol quente “ durante a “lida” nas roças do Norte, Nordeste, Brasil afora!

As classes privilegiadas provavelmente continuarão com o seu alto consumo; enquanto as classes carentes continuarão a trabalhar duro para alimentar populações com o que há de melhor, seja em qualidade de alimentos,  artesanato,  paradisíacos roteiros turísticos e exemplos de cuidado com o ambiente.

Riquezas biodiversas que a comunidade cuida como pode, e o turista chega pra sujar, degradar explorar, invadir, sob o discurso da  propagada “geração de emprego e renda”, justificada historicamente, pelo lobby invisível entre governo e empresas.

Vida frágil

Entre especialistas em Comunicação circulam informações sobre a velocidade da propagação do conceito sustentabilidade, e a necessidade de entender melhor o sentido profundo da expressão, usada massivamente sem a devida interseção harmônica nas escalas de produção.

Mais do que significado, a expressão parece ter validade por seu efeito estético, moderno, linkado à uma realidade que insiste resistir aos desafios de mudanças de comportamento para a sustentação de sistemas fragilizados pela ganância, lucro fácil e rápido, desperdício de tempo e recursos, em nome da Vida que se revela, frágil, sem proteção.

Mesmo depois que a Ciência propagou ao mundo os problemas da Crise Climática – e dados, alertas, são divulgados desde os anos 70-  a preocupação com as conseqüências geradas por essas bruscas transformações na Vida não revela mudanças de  comportamento para as adaptações necessárias, discutidas entre os cientistas e pela mídia, como uma questão de importância global, urgente, entre empresários, bancos, instituições de ensino, agronegócio, Governo, em âmbito nacional e internacional.

Comunicação desconexa

Observa- se uma desconexão, paradoxal, onde discurso se distancia da realidade. Apesar dos apelos difundidos massivamente, com reforço diário no discurso da sustentabilidade, o conceito parece estar longe de práticas, ações, gestões, comportamentos que gerem equilíbrio, harmonia, entre o quê, o como, o quanto, se produz, na cadeia das atividades econômicas.

Nesse contexto, como a Comunicação, o jornalismo, a publicidade, as redes sociais, as listas de discussões, os grupos virtuais, blogs, sites, entre outros, podem contribuir com informações transversalizadas, contextualizadas historicosocialmente, para a construção de uma nova mentalidade, um novo jeito de pensar, fazer, se comportar, agir, mudar, no que tem se mostrado, demandado, como necessário e urgente?

De um lado, vemos que os avanços da Ciência no prolongamento da Vida humana estão desconectados com a mesma fragilidade que essa vida se mostra em ambientes criminosamente impactados por essa mesma ação humana. Esse paradoxo entre as descobertas científicas e a preservação da Vida, num planeta que ainda estamos a conhecer, parece desconsiderar o tempo como o grande protagonista da História, que é determinada por ele.

O homem pode viver 100, 110 ou mais anos. Ao mesmo tempo e no mesmo lugar, crianças continuam nascendo sem prevenção à saúde para garantir o início da vida.Faltam direitos simples, mínimos, como o de poder dar o primeiro suspiro numa maternidade com as mínimas condições profiláticas para isso.

Estamos bombardeados de propagandas sobre produtos que causam obesidade, problemas cardíacos, diabetes, câncer e um sem número de doenças, diretas ou indiretamente, relacionadas ao que consumimos.

E não temos proteção para atendimentos médico, psicológico, jurídico, cidadão necessários, decorrentes de comportamentos construídos por uma mídia que parece focar apenas na sedução para a compra, ignorando os resultados gerados pelas mensagens que produziu no cérebro do espectador, leitor, internauta, ouvinte, dentro ou fora de casa.

A televisão, por exemplo, entrou no mercado, nas lares, com força e poder para ditar comportamentos desproporcionais ao poder aquisitivo dessas famílias que se sentam, absortas, em frente à telinha. Vemos agora esse poder sendo dividido, compartilhado, distribuído para as redes sociais, onde esse mesmo poder da mídia veio ainda com mais força, velocidade ainda maior, para transpor o tempo, agora imediato, real.

A mesma competência que dá poder ao discurso da Mídia Verde deve ser buscada com a inteligência exigida pela urgência que estar a querer a Vida, harmoniosa e sem pressa, como merecemos para o Ser, de forma digna, humana,

Essa mídia veloz em estimular o consumo, pelo consumo, vem empurrando a Vida para uma correria estressante onde, por exemplo, comprar carro, para ficar preso em engarrafamentos, nas rodovias e centros urbanos,; pagar caro por estacionamento, e correr todos os riscos por falta de segurança, parece ser mais importante do que se alimentar bem, como cultura de prevenção e saúde.

Acordar cedo para trabalhar fora de casa, para pagar uma babá, que também deixou o filho em casa para ir trabalhar, alimenta cadeias de vida insustentáveis, famílias desestruturadas, ambientes de risco tosco. Se formos analisar o ciclo perverso sobre o trabalho das mães babás dos filhos dos outros, por exemplo, o custo social desse comportamento pode ser exemplo de diversos outros ciclos da vida em via crucis.

Jornalismo e investigação

É dever da Comunicação estar atenta às condições sociais para garantia da Vida? Se sabemos que é, então não podemos fazer de conta que não vemos empresas propagando-se sustentável, sem ser, de fato. Ao usar trabalho escravo, impactar o ambiente e não ter compromisso em cuidar, preservar, garantir condições para futuras gerações, não é  sustentável.

E, como me disse, certa vez, o colega jornalista e ambientalista André Trigueiro, nós jornalistas, “temos obrigação em dizer e mostrar porquê projetos ditos sustentáveis, não o são, de fato!”. Claro que isso dá trabalho, precisa de investigação, coragem, e uma dose de ética que o mercado publicitário, e mesmo jornalístico, não parece estar interessado. Ter jornalistas que façam essa diferença nas redações e agora, em blogs, mídias e redes sociais, parece ser o caminho para aqueles que querem e acreditam no fazer  jornalismo de forma independente, como missão e compromisso social.

Apesar da visibilidade midiática e da evolução do conceito: desenvolvimento sustentável, a realidade cotidiana demonstra, nos faz ver, perceber, sentir, registrar, que ações, de fato, sustentáveis, são difíceis de comprovar, diante de realidades diárias sobre a natureza humana e ambiental. Essas faces do ambiente estão degradadas, violentadas, exploradas, impactadas.

A expressão sustentabilidade”  tem tido ênfase nos discursos, peças publicitárias, propagandas, falas de governo, empresas e ONGs. De forma competente e criativa percebemos o apoderamento do termo para surfarem a onda do marketing verde vazio.Quando alguém, um governante, um empresário, um representante de um instituto, ONGs, associação, diz que faz um programa dessa ou daquela maneira e não o faz,  de fato, como anuncia, qual deve ser o comportamento da mídia?.

O corporativismo, com certeza, é outro elemento dificultador. O medo de perder emprego, contrariar interesses, mais forte ainda. O compromisso com os efeitos da informação não parece ser prioridade em agendas controladas pela política financeira. E, mesmo nas bancas acadêmicas o tempo é sempre pouco para aprofundar o debate.

A Carta da Terra diz que “devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de paz. E que para chegar a esse propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações”. Nesse contexto, é imperativo reforçarmos o saber como instrumento de construção, impulsão, para qualquer modelo, jeito de viver, que reforce a condição humana como frágil, limitada, diante do poder da Natureza, cujas facetas, climáticas, por exemplo, a própria Ciência ainda ignora, desconhece.

Ciência e Sustentação

Qual o modelo de gestão da Ciência para problemas revelados pela própria Ciência sobre a necessidade humana de adaptar-se?Conforme a própria Ciência, para se realizar ações de adaptação é necessário financiamento e transferência de tecnologia para ajudar as comunidades pobres a se adaptarem aos impactos inevitáveis das Mudanças e Crises Climáticas.

No âmbito local, isto pode consistir em ajudar as pessoas com poder na comunidade,  como funcionários ou agências locais, a se conscientizarem sobre o que está acontecendo e incentivá-las a agir, de maneira que as comunidades possam se adaptar às mudanças climáticas; muitas chuvas, secas prolongadas, incêndios florestais, entre outras, para se desenvolver de maneira harmoniosa com o ambiente.

No âmbito nacional, o trabalho de defesa e promoção de direitos poderia consistir em assegurar que governos facilitem o acesso ao financiamento e à transferência de tecnologia, ou apoiar, influenciar os Planos de Ação Nacionais de Adaptação (NAPAs). Isso até é acionado, mas o recurso não chega na ponta da cadeia de produção. Fica no meio do caminho ou na ponta inicial.

Outra ação seria a mitigação, ou seja, feito o estrago, vamos agora mitigar, reduzir as emissões de gases de efeito estufa para um nível global “seguro”. Os países ricos são os que devem fazer a maior parte das reduções, enquanto que os países pobres devem obter acesso a financiamento e tecnologia para se desenvolverem de maneira sustentável, através de incentivos para proteger florestas.

Há quem defenda, por exemplo, que na comunidade, em âmbito local, o trabalho de defesa e promoção de direitos poderia consistir em informar autoridades locais sobre como colaborar com os processos nacionais e educá-las sobre possíveis opções de mitigação, como a utilização de energia renovável. Em âmbito nacional, o trabalho de defesa e promoção de direitos necessita de acesso a financiamentos e tecnologias para ajudar as comunidades a produzir e preservar matrizes importantes como rios, florestas, animais, plantas.

O jornalismo investigativo, comprometido, ativista, ambiental, vai a campo, observa, constata que isso não acontece, de fato. O que se registra é muita penúria em trabalhos exaustivos.

A ” sustentabilidade” aparece bem bonita nas publicações esteticamente sedutoras, nas propagandas com imagens belas da natureza, nos relatórios contábeis com gráficos bem elaborados, em falas de voz mansa e verbos bem planejados, nos discursos, seminários, congressos, workshops. São diversas as peças da Comunicação para práticas institucionais que fortalecem a insustentação da vida em ambientes pobres, carentes de atenção, de seriedade com os recursos captados e não alocados.

E, como a vida continua pautada no consumo, seja de idéias, fazeres e experiências, necessário e sensato, parece ser adotar políticas, práticas, comportamentos, que alimentem a construção de cadeias de suprimentos onde, fornecedores, distribuidores, varejistas e consumidor final, estejam em harmonia, em sintonia, com as adaptações que o planeta, o ambiente rural ou urbano, estar a nos exigir, para a garantia da Vida, em suas diversas formas.

Liliana Peixinho

Liliana Peixinho é jornalista, ativista social, integrante de diversos grupos de luta e defesa de direitos humanos. Fundadora e coordenadora de mídias livres como: Reaja – Rede Ativista de Jornalismo e Ambiente, Mídia Orgânica, O Outro no Eu, Catadora de Sonhos, Movimento AMA – Amigos do Meio Ambiente, RAMA -Rede de Articulação e Mobilização em Comunicação.

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