Priscila Almeida é psicóloga clínica especialista em saúde mental, psicanálise e em trânsito. Escritora e editora do Blog Papos de Psico.
Pokémon Go: uma análise psicológica da captura Pokémon
O que de fato impressionou e capturou os adultos, adolescentes e as crianças nesse jogo?

Nas últimas semanas em todas as rodas de conversa dos lugares a que vamos, aqui no Brasil, além dos ecos da recém-encerrada Olimpíada, temos o fenômeno do jogo Pokémon Go, aplicativo para smartphones que chegou incendiando o mercado tecnológico e enfeitiçando crianças, adolescentes e adultos.
Muitos dados circularam na mídia e nas redes sociais com relação ao aplicativo, desde ameaças de perda de privacidade, devido às estreitas ligações da CIA com o criador do jogo, ou mesmo com possíveis ligações místicas pelo jogo ser baseado numa lenda japonesa que fala da criação do mundo e que tem monstros com poderes a adestrar para o bem ou para o mal.
John Hanke, o criador, nos últimos 20 anos tem trabalhado e desenvolvido projetos com o intuito de “mapear o mundo”. Em 2004, ele vendeu o jogo “Keyhole”, que utilizava fotos de satélites, para o Google, que se transformou no tão conhecido Google Earth. Em 2014, Google e Nintendo se juntaram para fazer um movimento diferente no dia da mentira, quando pokémons apareceriam de forma inusitada no Google Street View. A ação teve um sucesso tão grande que John Hanke resolveu trabalhar na ideia para criar um jogo.
Eis que assim surge um jogo de realidade ampliada baseado no antigo desenho animado Pokémon, no qual os participantes capturam e treinam seus monstrinhos de bolso para que possam duelar com outros jogadores, como ocorria no desenho, em 1990, com Ash e seus amigos.
Entre outras particularidades, o jogo permite que as criaturas virtuais sejam capturadas no mundo real, através da câmera e GPS ligados do smartphone. Para isso, é preciso sair caminhando pela cidade e visitar diversos pontos para treinar ou ganhar itens indispensáveis ao aplicativo.
O que de fato impressionou e capturou os adultos, os adolescentes e as crianças nesse jogo?
O manejo da realidade descrita pela psicanálise rompe com a rigidez da divisão entre realidade virtual e factual. Elas não estão tão distantes uma da outra. Psiquicamente dispomos de recursos poderosos para reconhecer a realidade e nela intervir, transformando-a em nosso benefício, como mostram as várias conquistas científicas, porém temos também idêntica capacidade de negá-la. Diante do discurso capitalista e também, científico, o sujeito tem permanecido à mercê dos objetos que lhe prometem felicidade e tem encontrado no âmbito virtual este espaço.
O filósofo e sociólogo Pierre Lévy (1996) alerta que a virtualização tem como uma de suas principais modalidades o desprendimento do aqui e agora. Desse modo, reinventa uma cultura nômade e faz surgir um meio de interações sociais nos quais as relações se reconfiguram de forma desterritorializada. Ocorre um desengate que as separa do espaço físico, ou geográfico, e da temporalidade do relógio e do calendário, embora não sejam totalmente independentes do espaço-tempo de referência. A sincronização substitui a unidade de lugar, e a interconexão, a unidade de tempo. A velocidade é uma propriedade importante da virtualização.
Os smartphones tentam preencher todos os nossos desejos, oferecendo-nos uma diversidade incrível de opções na imensidão das redes sociais
Desta forma, as relações têm sido construídas de forma fugaz, a economia de tempo, espaço e conteúdo são muito importantes. E há um grande apelo ao uso de símbolos figurativos e vídeos rápidos. Assim, o Pokémon Go só nos evidencia esta nova forma de comunicação e de relações entre os sujeitos no mundo contemporâneo.
Alguns pontos já foram colocados sobre o benefício que este jogo tem realizado diante da interação entre pessoas. É preciso ter cuidado com a ideia do que é interagir e de como isso tem sido realizado no mundo de hoje. Não nego a possibilidade da interação de pessoas com este jogo numa reunião para caçar Pokémons ou numa conversa para levantar estratégias para as lutas.
De fato, alguns pacientes com dificuldade de se relacionar já relatam que conseguiram fazer contato com outras pessoas a partir do jogo. Mas não podemos deixar de pensar que também há quem tenha dificuldade de sair da tela para olhar as pessoas ao seu redor.
Nossos smartphones tentam preencher todos os nossos desejos, oferecendo-nos uma diversidade incrível de entretenimento, transporte fácil, acesso à comida e bebida e até mesmo sexo e amor quase instantâneos nesta imensidão das redes sociais. O Pokémon Go, da mesma forma, orienta a possibilidade de que o seu próprio desejo seja mobilizado, capturado por ele.
Os retratos do futuro diante das tecnologias sempre tenderam a uma ideia de isolamento social, aquele sujeito conectado a um computador, através do qual sua vida pode ser vivida. É bem verdade que, mesmo em espaços com centenas de pessoas, o isolamento pode ocorrer. Ou seja, a importância do ambiente físico é reduzida em favor do mundo eletrônico imaginário. Diferente dessas previsões do futuro, vivemos hoje nos movimentando pela cidade mesmo que loucamente e quase sem cessar, em busca de objetos de desejo.
Enfim, todos temos uma realidade virtual singular fantasmática, que atende às especificidades únicas do nosso próprio desejo inconsciente, a tecnologia produz uma realidade virtual padronizada, materializada num programa de computador a ser processado num gadget, e, como exemplo, temos o Pokémon Go.
O importante não é demonizar a virtualização, nem tão pouco o jogo, mas pensarmos nas nossas necessidades diárias de olhar mais para fora do que para dentro. Quanto tempo gasto com aplicativos que fingem tamponar suas dificuldades, mas estas continuarão no mesmo lugar. Qual o lugar do livro e dos bons filmes hoje, que também nos fazem sair das nossas realidades, mas com estes sempre a saída será ligada as suas idiossincrasias. Pois sua percepção do filme ou livro ocorrerá diante da sua experiência de vida, e isso reedita, ressignifica a vida.
Hoje, não há como fugir da conexão, agora temos que reinventar constantemente formas de lidar com ela sem que percamos a nossa subjetividade, singularidade e não nos tornemos robotizados pela padronização massificadora que tem imperado nos dias atuais.
Priscila Almeida é psicóloga clínica especialista em saúde mental, psicanálise e em trânsito. Escritora e editora do Blog Papos de Psico.
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