Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
Política: um mundo sem confiança
Parece que os cidadãos não se sentem mais representados e deixaram de acreditar no ente estatal como representação do bem comum
O sistema representativo tem início na Europa, com a Inglaterra colocando-se na vanguarda em relação à imposição de limites à excessiva concentração de poderes e competências na pessoa do Rei, assinalando o processo que poria fim a uma época e um modelo de estado que podem ser muito bem representados pela frase de Luís XIV, historicamente reconhecido como o símbolo máximo do absolutismo: “L’État c’est moi”.
Não por acaso, com o advento das revoluções do Século XVIII, mormente a americana e a francesa, fortalece-se o que se convencionou denominar “Estado de Direito”, entendido como uma forma de limitar os poderes políticos estatais, por meio de prerrogativas e garantias asseguradas na Carta Magna de cada Estado.
Foi a partir do século XIX, com o ideário da democracia representativa se espalhando pelo Ocidente, que os partidos políticos, até então identificados desde a Renascença como facções, passaram a ser vistos como instituições vitais para a representação parlamentar. Mas, é no pós-guerra que se consolidam os canais tradicionais de representação política, com os partidos exercendo um papel fundamental para a estabilidade dos regimes democráticos.
Da “Magna Carta” às cartas magnas foi um longo caminho e, de fato, no decorrer dessa jornada, a relação entre eleitores e partidos políticos sempre se constituiu em um dos aspectos centrais do ideal democrático. Todavia, como nos ensina João Paulo Viana, desde as últimas décadas do século XX, a representação política se encontra diante de uma grave crise.
Como atestam os altos índices de abstenção nos países em que o voto não é obrigatório, parece que os cidadãos não se sentem mais representados e, em consequência, deixaram de acreditar no ente estatal como representação do bem comum e perderam a fé nas decisões de muitos dos seus representantes, ocupados tão somente na preservação de seus interesses, não raro, bem distintos dos interesses da nação.
Embora o fenômeno seja mundial, entre nós, a crise, alimentada por sucessivos escândalos de corrupção envolvendo quase a totalidade de nossas lideranças políticas, se configura com muito mais gravidade pela sua natureza institucional, atingindo a legitimidade e a representatividade dos três poderes da República, embora, inegavelmente, os seus efeitos recaiam mais sobre a classe política e o parlamento.
Cumpre ressaltar que, como consequências da desilusão com os partidos, pode ocorrer a ampliação do antipartidarismo e o surgimento de novos ou o retorno de antigos “salvadores da pátria”, lideranças populistas, de direita ou de esquerda, que, mais uma vez, falarão em nome do povo por fachada e usarão os partidos e/ou a descrença neles, apenas para se beneficiarem.
A maior crise que enfrentamos, hoje,
no país, é a crise da confiança
Em busca de soluções, fala-se muito que necessitamos urgentemente de uma reforma política para conseguir devolver aos cidadãos um mínimo de credibilidade em uma classe que, hoje, se constitui em uma das instituições mais desprestigiadas do país. Todavia, tal reforma, pelo que se delineia no horizonte, terá muito pouco efeito nas mãos dos atuais parlamentares que querem a mudança para voto em lista, onde se escolhe o partido e não um candidato específico, além de possibilitar a não individualização da campanha, algo muito útil em um momento em que as investigações da Lava Jato provocarão um desgaste de imagem a muitos deles que serão candidatos à reeleição em 2018.
Nesse contexto, a verdadeira reforma eleitoral para moralizar a política nacional deve partir dos próprios cidadãos, através da tomada de consciência de que os partidos e os políticos que aí estão não são extraterrestres, nem fruto de uma geração espontânea, eles têm história e são produto do lugar, do país e do tipo de mundo onde se habita.
Fala-se e promove-se muito a crise econômica, mas, lembrando do saudoso Milton Santos, não tenho dúvidas de que a maior crise que enfrentamos, hoje, no país, é a crise da confiança. Assim, o desafio da cidadania brasileira é, portanto, fazer frente a essa crise institucional, encontrar soluções que atendam aos interesses da nação. Ou seja, se a população está insatisfeita com os partidos e com os seus representantes políticos, cabe a ela mesma mudar este quadro. A questão é: por onde começar?
Nessa lógica, em busca de respostas sobre o caminho a seguir para recuperarmos a credibilidade dos homens e das instituições, neste momento em que a nossa “era dos direitos” está sob ameaça, frente às políticas de austeridade tomadas como modelo ou paradigma de enfrentamento da crise econômica que o país atravessa, um bom começo, com certeza, seria ouvir o alerta do professor Michael Sandel, da Universidade de Harvard (EUA), pois: “A não ser que os cidadãos possam ter confiança de que os políticos eleitos buscam fazer o melhor para suas vidas, ainda que de forma imperfeita, a democracia não pode funcionar”.
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