Publicado em 26/05/2022 às 11h31.

Todo dia o mesmo dia na Petrobras

Redação

Tiago Paiva

Em um movimento típico da política brasileira em ano de eleições, o presidente Jair Bolsonaro (PL) busca evitar o aumento dos preços dos combustíveis, fator que poderá ser determinante para o pleito de outubro, especialmente devido à volatilidade desatinada do petróleo no mercado internacional.

Sua jogada para “estancar a sangria” foi dividida em duas frentes: a primeira deu-se por uma troca no Ministério de Minas e Energia, substituindo Bento Albuquerque por Adolfo Sachsida. A inesperada segunda ação foi a indicação de Caio Paes de Andrade para o lugar de José Mauro Ferreira na presidência da Petrobras. Se confirmada, a mudança será a quarta troca de comando em apenas um ano.

Por aqui, não entraremos nos pormenores políticos-eleitorais da substituição que lembra bastante a estratégia utilizada pelo governo de Dilma Rousseff (PT), cujo resultado foi um rombo de US$ 40 bilhões no caixa da empresa e a maior dívida de uma empresa no planeta.

Também não iremos focar nos efeitos colaterais da ação, como o possível risco de desabastecimento — afinal, que importadora e/ou distribuidora vai vender um produto comprado por um preço mais alto do que os do mercado brasileiro? É necessário frisar que, com a quebra do monopólio da estatal nos processos de refino e distribuição de combustíveis, cerca de 27% do diesel e 15% da gasolina vêm de fora do país.

Guardadas as ironias, o foco deste artigo é ressaltar a conflituosa relação entre o mercado e o governo brasileiro — independentemente de chefe de estado — especialmente quando este segundo player é o maior acionista e controlador da empresa.

Em um país onde até o passado é incerto e o futuro é duvidoso, beira a irracionalidade se expor de forma ampla aos quereres e pretensões de políticos que só pensam em quantos votos terão nas próximas eleições. É algo como entrar em um octógono contra Francis Ngannou (campeão peso-pesado do UFC) portando uma singela faca para manteiga.

É seguro concluir que, hoje, estamos em um vale-tudo, aos modos das antigas rinhas humanas. Governança, compliance, lucro e geração de riqueza e prosperidade pouco importam, sendo sobrepujadas por algumas poucas pessoas armadas com canetas Bic e diários oficiais. Nessa briga, há apenas dois perdedores: os acionistas minoritários e os cidadãos.

No entanto, ainda há esperança: escaldada de medo por conta do Petrolão, a governança da Petrobras sobrevive e atua de forma — pelo menos — paliativa. Nesta quarta-feira (26), o  Conselho de Administração da empresa decidiu frear a troca brusca anunciada, fazendo com que o nome de Caio Paes de Andrade seja submetido ao processo de governança interna antes da convocação da assembleia geral de acionistas.

Inclusive, vale também recordar que o indicado não preenche os critérios estabelecidos pela Lei das Estatais para ocupar a presidência da empresa, visto que Caio não tem pelo menos dez anos de experiência em empresas públicas ou de economia mista na área de atuação da Petrobras, tampouco experiência de quatro anos como diretor da companhia que irá comandar, em cargos comissionados de hierarquia alta no Executivo federal ou em cargos de docência ou pesquisa em setores correlatos à estatal.

O governo pode, ainda assim, tentar levar o nome de Caio à assembleia geral de acionistas, no entanto, há a possibilidade de constrangimento — que, convenhamos, a atual gestão do país não parece muito se importar — ou de embargos judiciais por parte dos acionistas minoritários da Petrobras.

Tudo isso é apenas a pequena ponta de um iceberg problemático que poderá impactar todo o mercado financeiro nacional, desde a pessoa que investe apenas em small caps de alto risco ao investidor conservador que preza por títulos governamentais baseados na capacidade de solvência do Estado. Este impacto gigante, de trilhões de reais, advém de formas simples como uma canetada e busca um mero objetivo: o voto. Que tenhamos a competência (e sorte) de atravessarmos o rastro de destruição causado pelo rabisco.

Tiago Paiva é jornalista de economia e investimentos, tendo atuações na Arazul Capital e ACT Ápice Investimentos.

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