Publicado em 23/07/2024 às 10h59.

Prefeito de Mariana, em MG, diz que municípios afetados estão de fora de negociações com a Vale

Conversas avançam após a justiça britânica confirmar que vai investigar a BHP

Redação
Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

 

O prefeito de Mariana, Celso Cota (MDB), reclama da falta de participação dos municípios nas negociações entre União, governos de Minas Gerais e Espírito Santo e Vale. Segundo matéria da Folha de São Paulo, ele disse que o município foi excluído das negociações recentes e precisa ser contemplado de forma diferenciada no acordo para reparação dos danos do desastre.

“Mariana é o epicentro do acontecimento; se toda a bacia do [rio] Doce foi impactada, imagina aqui na região onde tudo aconteceu. A Samarco só existe porque ela minera no território de Mariana, a barragem é aqui em Mariana, as comunidades que foram 100% devastadas são de Mariana, a economia que foi impactada de forma imediata é a de Mariana e a cidade que continuou sendo impactada socialmente, de forma mais contundente, foi Mariana”, diz.

Cota assumiu a Prefeitura de Mariana em agosto de 2023, depois de quase três anos afastado pela Justiça eleitoral; nesse período, a cidade teve outros três prefeitos. Ele não é pré-candidato à reeleição. Segundo a prefeitura da cidade, que divulgou este ano um relatório de gastos, serão necessários R$ 20 bilhões para que a cidade se recupere dos impactos da tragédia e US$ 7,5 bilhões (R$ 41,6 bilhões) para criar um ambiente de diversidade econômica na cidade –hoje com ainda 80% da receita atrelada à mineração. Da sua parte no acordo, o municipio espera receber cerca de R$ 3 bilhões, número muito acima do que o inicialmente especulado nas conversas.

Na Inglaterra

Segundo pessoas envolvidas nas conversas intermediadas pelo Ministério Público e Justiça Federal, a mudança de cenário na Inglaterra, que anunciou que em outubro dará, por meio da Justiça britânica, inicio a análise sobre a responsabilidade da BHP na tragédia, acelerou as discussões no Brasil.

Em um mês, por exemplo, tanto governo federal quanto mineradoras já anunciaram publicamente propostas e contrapropostas. A última oficial veio das empresas, que querem pagar R$ 82 bilhões em 12 anos aos governos e municípios afetados. Outros R$ 20 bilhões seriam destinados em obrigações (valor que considera obras de reparações feitas pelas empresas, como a retirada de rejeitos do rio Doce). As negociações agora avançam para um possível aumento. A União propõe R$ 109 bilhões em novos repasses, com o argumento de que não é possível auditar o que as mineradoras já desembolsaram com a reparação. Uma das exigencias do governo é a de que as empresas se comprometam a monitorar os reparos feitos ao longo da bacia do rio Doce até que seja constatado que não são mais reversíveis, ponto que estaria sendo contestado por elas. A Vale não quis comentar.

A celeridade na Inglaterra, aliás, fez com o que o Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração) entrasse com uma ação no STF questionando eventual inconstitucionalidade na participação de municípios brasileiros em processos judiciais no exterior. O movimento não foi bem-visto pelo governo federal, segundo interlocutores. Em contrapartida, o escritório Pogust Goodhead, que representa os municípios, acusou em Londres o instituto de fazer lobby pró-BHP e divulgou uma série de encontros recentes entre representantes do Ibram e da mineradora com autoridades brasileiras, como o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. A acusação deve ser analisada na semana que vem pela Justiça britânica.

A expectativa agora é a de que se chegue a uma cifra comum no Brasil até, pelo menos, agosto deste ano, quando o conselho de administração da Vale deve se reunir para discutir o tema. A partir daí, cada município terá 120 dias para analisar se adere ou não ao acordo –os prefeitos querem ampliar o prazo para 180 dias, para contemplar a próxima administração municipal. O Coridoce (Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce), que reúne as cidades afetadas pela tragédia, por exemplo, reivindica que 11% do total acordado vá para os municípios –a conta foi feita ainda em 2016, quando o Ministério Público Federal entrou com uma ação contra as mineradoras destacando serem necessários R$ 155 bilhões para a reparação.

Ainda que o valor proposto pela União no inicio de junho seja aceito pelas empresas, cada município recebera apenas R$ 12 bilhões, considerando o valor total proposto de R$ 109 bilhões em dinheiro novo, isso caso o valor reivindicado pelo Coridoce for acatado. Portanto, para ter os R$ 3 bilhões, Mariana precisaria ser contemplada com um quarto da parcela dos municípios –número improvável, segundo quem acompanha as discussões.

“A gente tem acompanhado as negociações com muita atenção, mas essa discussão tem ficado muito fechada entre os governos federal, estadual, Justiça Federal e Ministério Público; os municípios estão com pouca participação. O impacto foi no nosso território e somos nós que vemos o impacto social crescer no dia a dia por falta de investimentos”, diz Cota.

De acordo com o prefeito, desde a tragédia, a população de Mariana cresceu de forma desproporcional devido à contratação de funcionários para as obras de reparação administradas pela fundação Renova. Do rompimento até hoje, por exemplo, o número de atendimentos diários na saúde básica da cidade triplicou, saltando de 400 para 1.200, segundo a gestão municipal. Além disso, a prefeitura calcula que a cidade tenha hoje uma população flutuante de 35 mil habitantes (fixa é de 61 mil, segundo o IBGE).

“Essas pessoas vieram e não vão mais embora porque aqui ficou a expectativa de novas oportunidades, e hoje elas ocupam espaços irregulares. Há hoje mais ou menos 5.000 famílias morando em áreas irregulares”, diz.

Em nota, o Governo de Minas Gerais disse que vem defendendo os interesses dos municípios nas negociações e que, para melhorar a organização dos trabalhos, as cidades afetadas são representadas pelo Coridoce nas negociações. “Dentre os 39 municípios atingidos em Minas Gerais e 11 atingidos no Espírito Santo, Mariana é o que mais receberá recursos de livre utilização”, afirmou. O presidente do Coridoce, José Roberto Gariff, confirmou que os municípios não têm participado das últimas conversas, mas descartou que tenham sido excluídos. “Isso não quer dizer que não estamos participando; fomos ouvidos em mais de dez reuniões.”

Em 5 de novembro de 2015, o rompimento de uma barragem da empresa Samarco, pertencente à Vale e à britânica BHP Billiton, gerou uma enxurrada de lama que engoliu um dos distritos da cidade mineira —Bento Rodrigues— e percorreu a bacia do rio Doce até chegar ao mar, no Espírito Santo. Dezenove pessoas morreram.

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