Voto feminino faz 92 anos; ação de ativista alagoana marca luta
História de Almerinda Farias Gama vai render livro

Homens observam uma mulher diante da urna. Ela, vestida como para uma festa, com a cédula na mão e o sorriso no rosto, está pronta para exercer um direito básico de cidadania. A caminhada da alagoana Almerinda Farias Gama até o voto (para eleição de deputados classistas), em 20 de julho de 1933, é feita de luta com os barulhos da voz e da máquina de escrever. Neste sábado (24/2), quando se completam 92 anos da garantia do voto feminino, os passos que foram invisibilizados dessa sufragista negra, feminista e nordestina refletem a necessidade de reconhecimento e revisão histórica como inspiração para o país.
Foi diante do silêncio e de lacunas que a pesquisadora em história, jornalista e também alagoana Cibele Tenório se deparou quando resolveu saber mais sobre a conterrânea. Não havia registro nem mesmo de data de morte. Depois de dois anos de caminhada, descobriu que Almerinda viveu entre maio de 1899 e 31 de março de 1999. A pesquisa de mestrado (concluída em 2020, pela Universidade de Brasília) vai render livro depois de vencer prêmio literário da editora Todavia. A pesquisa foi orientada pela professora Teresa Marques.
A pesquisadora fez também um documentário sobre Almerinda a partir dos raros documentos disponíveis no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da Fundação Getulio Vargas.
Almerinda, a luta continua
O filme Almerinda, a luta continua! faz um resgate histórico da vida dessa personagem, uma das primeiras militantes feministras brasileiras. Foi realizado na 2ª Oficina de Produção Audiovisual do Núcleo de Audiovisual e Documentário FGV/CPDOC., com direção de Cibele Tenório.
Comprometimento
Cibele, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e que atualmente cursa doutorado em história na UnB, avalia que Almerinda teve participação ativa na Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.
“A federação era uma entidade que reunia, naquele período, entre 80 e 100 mulheres. Ela não era uma pessoa que estava ali e assistia às palestras. Era completamente ativa naquele ambiente e a quem a Bertha Lutz (liderança sufragista que criou a federação) entregou muitas tarefas. E era uma pessoa que se comprometia com as tarefas”, explica.
Poder na máquina
Almerinda atuava em várias frentes e estava empoderada por ser datilógrafa. “Era uma ferramenta que nem todo mundo dominava. Além de datilografar, escrevia e se expressava bem”. Assim, foi assumindo tarefas naquele lugar, incluindo lobby parlamentar, textos com divulgação para a imprensa e até roteiro de programa de rádio.
Almerinda passou a ter outras frentes de atuação. “Na política, inclusive, ela sai candidata, logo após o código eleitoral permitir que mulheres alfabetizadas pudessem votar. É preciso lembrar que Almerinda nasceu pouco mais de uma década depois da abolição da escravidão no Brasil”.
Na eleição de 1934, a professora Antonieta de Barros foi a primeira mulher negra eleita (como deputada estadual de Santa Catarina). Ela e a Almerinda podem ter sido as primeiras mulheres negras a concorrerem a cargos eletivos no Brasil. Além da federação das mulheres, Almerinda ainda atuou, com Bertha Lutz, no sindicato das datilógrafas e taquígrafas.
Para a pesquisadora, as questões de gênero e de classe estão muito intrincadas. “Almerinda nunca escreveu sobre si. Embora tenha sido uma mulher ligada ao ofício textual, o que a gente sabe dela é por meio das fontes da pesquisa, diferentemente de outras sufragistas. Esse apagamento se torna ainda maior pelo fato de ela ser uma mulher negra”. A data de morte foi conhecida depois de um contato com familiares. Cibele lia sobre sufragistas e nunca apareciam muitos dados sobre Almerinda, o que seria a materialidade desse apagamento.
Reconhecimento do legado
Diante de mais pesquisas e informações, como as que chegaram pela conterrânea Cibele Tenório, a administração municipal de Maceió busca jogar luzes na história de Almerinda. A cidade natal da sufragista criou iniciativas em busca de reduzir esse apagamento. A coordenadora de Igualdade Racial da prefeitura, Arísia Barros, diante da inexistência de registros na cidade e em Alagoas, diz que iniciou um movimento para reconhecer e divulgar o legado de Almerinda.
“Foi criada uma praça (no bairro da Jatiúca), que é o Parque da Mulher, onde 100 mulheres referenciais de Alagoas serão homenageadas”. Almerinda está entre elas, no parque que pode ser inaugurado oficialmente no mês que vem. Outra proposta apresentada na Câmara de Vereadores é a criação do “Dia de Almerinda” em 16 de maio, data de nascimento da sufragista.
“Começamos uma mobilização para trazer essa mulher tão importante para Maceió, para os bancos da escola, para os livros escolares e fazer ela caminhar”, diz a representante do município. Ela entende que uma campanha educativa é fundamental para buscar o reconhecimento. “Ela foi apagada. A gente agora quer criar essa luz sobre ela. Essa história de luta e de persistência pelo voto feminino foi fundamental e precisa realmente ser visibilizada. A Almerinda fez revoluções”.
Esse apagamento, de acordo com a coordenadora, tem relação com o racismo estrutural. “É necessário levar a Almerinda para a escola, dar nome a uma escola e a uma praça, por exemplo”. Arísia também tem pedido a parlamentares apoio para inclusão do nome da sufragista no livro de Heróis e Heroínas da Pátria.
“Lutava pela igualdade”, diz neta
Neta de Almerinda, Juliana Leite Nunes, de 52 anos, diz que tem ficado feliz com mais pesquisas e reconhecimento sobre o papel da avó para o Brasil.
“Ela lutava pela igualdade de salário, de direitos trabalhistas, pelo direito ao voto. A gente sabia da importância porque tinha fotos na parede da sala de voto, mas não tinha essa noção que tem hoje”. A neta lembra que mesmo depois dos 90 anos fazia questão de estar muito bem informada sobre o que ocorria no Brasil em leitura diária do noticiário.
Hostilidade e violência
Evidentemente, a invisibilização e violência contra a mulher no espaço político não são fenômenos restritos ao século passado. Pesquisadora em direitos humanos, Leonor Costa entende que existe maior discussão sobre o tema. “A partir de muita luta, está sendo possível trazer as demandas das mulheres negras. O mundo da política é hostil com a mulher em geral e muito mais com as mulheres negras”.
Leonor, que no mestrado da UnB estudou o legado de Marielle Franco para mulheres negras na política institucional, considera que o assassinato da vereadora chamou atenção para o problema. “A gente já tem a violência contra as mulheres na política muito forte desde sempre. Não à toa que temos poucas mulheres que trilharam um caminho de sucesso, que estão aí há muito tempo. Marielle foi assassinada e seu assassinato escancarou o nível a que pode chegar a violência contra as mulheres”.
Para a pesquisadora, o crime possibilitou mais atenção para a violência e as hostilidades em relação às mulheres que se colocam no mundo da política, sobretudo as mulheres negras e também as trans. “Eu acho que mais de 90 anos depois do direito ao voto feminino, obviamente muita coisa melhorou. Hoje, a gente tem cada vez mais mulheres se colocando nos espaços, participando dos partidos, das organizações políticas, das entidades sindicais, com muita luta, nunca por concessão dos homens. Mas é preciso avançar muito mais”.
Esses avanços incluem o não cerceamento da liberdade de expressão no espaço público, nem ameaças de qualquer tipo. “Há muito caminho para construir e luta a empenhar para que, finalmente, a gente consiga estar nos espaços sem ter a presença questionada ou aviltada”.
Mais notícias
-
Brasil
20h40 de 02/07/2025
Câmara aprova lei que garante traslado gratuito de corpos de brasileiros mortos no exterior
Projeto agora segue para análise nas demais comissões da Casa antes de ser votado em plenário
-
Brasil
21h00 de 01/07/2025
ONS aciona termelétricas e alerta para risco de déficit de energia nos próximos meses
Preocupação do órgão com a segurança energética tem crescido diante da combinação de aumento no consumo e restrições na oferta
-
Brasil
20h40 de 01/07/2025
Brasil tem 241 barragens com riscos de segurança, segundo relatório da ANA
País conta atualmente com cerca de 28 mil barragens cadastradas, sendo 97% delas destinadas ao acúmulo de água
-
Brasil
18h45 de 01/07/2025
Novas regras de segurança para chaves Pix entram em vigor nesta terça-feira
Medida, anunciada em março pelo Banco Central, tem como principal objetivo coibir fraudes
-
Brasil
14h25 de 01/07/2025
Queda de avião deixa dois mortos no interior de São Paulo
Ainda de acordo com os Bombeiros, o avião decolou do aeroporto de São José do Rio Preto
-
Brasil
13h55 de 01/07/2025
Lula critica privilégios e reforça tensão com o Congresso após derrota sobre IOF
Durante lançamento do Plano Safra, presidente menciona pressão de lobbies e defende mudanças estruturais no país
-
Brasil
12h01 de 01/07/2025
Ministério da Saúde abre concurso com salários de até R$ 13,4 mil
Seleção oferece 28 vagas para cargos de nível intermediário e superior no Centro Nacional de Primatas; inscrições vão de 2 a 20 de julho
-
Brasil
08h52 de 01/07/2025
Corpo de Juliana Marins desembarca no Brasil nesta terça-feira
Turista brasileira chegará em São Paulo e no dia seguinte será transferido para o Rio de Janeiro
-
Brasil
08h12 de 01/07/2025
PF assume controle de armas de colecionadores, atiradores e caçadores nesta terça (1º)
Transição das atribuições será feita de forma gradual pelas superintendências regionais
-
Brasil
07h54 de 01/07/2025
Correios atendem 1,3 milhão de aposentados sobre débitos indevidos do INSS
Cerca de 5 mil agências da estatal prestam atendimento presencial