Publicado em 04/07/2024 às 13h29.

Basileia de dados: Gustavo Franco prevê convenção global para economia digital

Ex-presidente do Banco Central traça paralelas entre economia dos dados; sistema financeiro tradicional

Redação
Foto: Dado Galdieri/Bloomberg

 

A captação e o uso de dados como análogos à forma como ocorre com o dinheiro no sistema financeiro, além da remuneração aos usuários pelo valor que geram às companhias, têm sido tema de estudos de Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central (BC), de acordo com informações do portal Bloomberg Línea.

Franco um dos “pais” do Plano Real, que completou 30 anos nesta semana – traçou paralelos entre o sistema financeiro tradicional e a economia emergente dos dados, com o argumento que, assim como os bancos contam com o dinheiro dos depositantes para criar valor, as empresas de tecnologia utilizam dados de usuários para gerar riqueza. E isso vai acabar sendo remunerado.

“Há séculos existe a dinâmica do banco que recebe dinheiro e cria valor, que fica com essa Mais Valia e remunera o depositante. O que se tem agora com dados parece a mesma coisa”, disse, citando o exemplo do YouTube, que remunera criadores de conteúdo pela captação de dados (visualizações e interações).

No entanto, ele apontou que a regulamentação dos dados ainda está em seus estágios iniciais. E comparou com a regulamentação bancária internacional, como o Acordo da Basileia, para prever que convenções internacionais sobre dados, com foco em privacidade e titularidade, podem emergir.

“Essa economia de dados tem as similaridades com o sistema financeiro. Foi nesse contexto que surgiu essa conversa de que existem dispositivos internacionais de regulação bancária que são em geral concedidos na Basileia, são padrões, boas práticas”, disse o ex-presidente do Banco Central.

Franco afirmou que, se um banco quebrar, o dinheiro pode não ser recuperado acima de determinados valores. Com dados, a dinâmica é diferente: mesmo que uma empresa vá à falência, os dados não deixam de existir ou de pertencer ao usuário na sua integralidade. Eles são um recurso cujo uso não diminui sua quantidade, comparável com o uso de um parque, que não reduz sua oferta.

“Assim como dados, a utilização de um parque não reduz a sua quantidade. É um pouco diferente porque dinheiro não é a mesma coisa que dados nesse aspecto”, disse.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) brasileira já estabelece direitos de titularidade dos dados pessoais, o que implica responsabilidades para as empresas. Franco disse acreditar que o próximo passo lógico será a remuneração desses direitos.

Ele sugere que, assim como a propriedade de um bem físico confere ao proprietário o direito de cobrar pelo seu uso, a titularidade dos dados pessoais poderia permitir aos indivíduos serem remunerados pelo seu uso.

“Dados de terceiros não podem ser expostos se não houver consentimento expresso do titular. Veja que já está implícita uma estrutura de titularidade. Claro que o próximo passo é a remuneração da titularidade […] Isso pode vir em diferentes países de diferentes maneiras e em algum momento alcançar uma convenção internacional. Está muito no começo, mas tem muita coisa nova acontecendo”, disse.

Nubank e Drumwave

Franco contou que passou a se dedicar a estudos dos temas de dados e sua remuneração quando começou a trabalhar com o Nubank (NU) em 2017 como consultor estratégico e regulatório.

“(O Nubank) foi uma experiência particularmente rica de instituição de pagamento e banco digital. Talvez seja o maior dos aproveitamentos da lei dos arranjos de pagamento do Brasil de 2013, nenhuma outra instituição aproveitou tanto a nova regra”, disse.

Franco já vê estudiosos de orientação marxista falando de um “tecno-feudalismo”, em que grandes companhias captam dados como antigamente, como senhores feudais que exploravam uma mão-de-obra cativa.

“Em algum momento vem uma revolução que acaba com o feudalismo e cuja base foi o estabelecimento de direitos de propriedade sobre o direito da terra comum. A partir daí começa o capitalismo, tal qual como o conhecemos. É como se isso fosse acontecer novamente nos próximos anos em torno dessa economia de dados”, ressaltou Franco em uma análise à luz da história.

O valor do Pix e sua privatização

Franco também ressaltou novas fronteiras tecnológicas e financeiras, como a moeda digital do Banco Central (CBDC) e sistemas de pagamento instantâneo como o Pix, que colocam o Brasil na vanguarda da inovação financeira. Para ele, o Banco Central brasileiro teve um papel de um “empresário” ao lançar o Pix, evitando um duopólio privado nos sistemas de pagamento, como ocorreu na China.

“Coincidiu que estamos em um momento de relações muito boas entre o Banco Central e o Cade (autoridade de defesa da concorrência) e essa preocupação de concorrência junto com concentração bancária contribuiu para o Banco Central ser particularmente agressivo e aberto em fazer acontecer o Pix”, disse.

Franco disse acredita que em breve o Brasil discutirá a privatização do Pix. “A gratuidade ajudou muito a disseminação do método. Mas alguém em algum momento vai fazer a conta de quanto vale o Pix e que não pode ser grátis por toda a vida. Vai perceber que é uma empresa que vale um ‘dinheirão’.”

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