Publicado em 27/11/2019 às 13h22.

À beira do centenário, Riachão volta ao estúdio para registrar sambas inéditos

Contemplado com edital da Natura Musical, sambista baiano de 98 anos se prepara para gravar quarto álbum de sua carreira em 2020

André Carvalho
Foto: Antonio Brasiliano
Foto: Antonio Brasiliano

 

Considerado o “último dos malandros” do samba, Clementino Rodrigues – o popular Riachão – é um dos grandes patrimônios da cultura popular brasileira e, fosse o Brasil um país que valorizasse sua memória musical, teria um tapete vermelho estendido permanentemente em frente à sua casa, no Garcia, onde vive desde que nasceu.

O sambista baiano, que recentemente recebeu em seu lar amigos e familiares para celebrar a chegada de sua 98ª primavera, ainda esbanja lucidez e a felicidade que sempre o acompanhou em sua trajetória artística (“Minha vida é alegria, pra tristeza não dou bola”).

Nesta ocasião, em que a reportagem do bahia.ba esteve presente, cantou por horas a fio suas composições, muitas delas jamais gravadas. Sambas compostos há décadas, guardados “em seu juízo”, como costuma afirmar, e que serão gravados no álbum “Se Deus quiser vou chegar aos 100”, a ser lançado em 2020.

A alegria do velho malandro em uma roda de samba, de fato, impressiona. E contagia. Para ele, “Deus é a música” e não há nada mais prazeroso do que cantar suas criações com os amigos. Prática que será mais rotineira quando entrar no estúdio para imortalizar sambas que jamais haviam sido gravados – o projeto é fruto do programa de fomento cultural da Natural Musical.

“Eu estou me sentindo feliz, felicíssimo mesmo. Porque minha vida é Deus e a música. Então, meu sentimento é esse, de alegria. Estou me sentindo bastante feliz com essa notícia”, afirmou Riachão ao bahia.ba.

“Já estou procurando em minha mente algumas músicas para gravar. Ainda não sei quantas vão querer gravar, mas eu vou procurando”, disse o autor de clássicos como “Cada macaco no seu galho” e “Vá morar com o diabo”, que iniciou a carreira musical nos anos 40, cantando músicas sertanejas nas Rádio Sociedade da Bahia.

A expectativa do decano do samba baiano não poderia ser melhor. “O que eu espero é que o público fique satisfeito com essas músicas que eu vou gravar”, afirmou.

Riachão também fez um agradecimento especial à Natura Musical pelo fomento cultural que vem fazendo nos últimos anos. “Fico muito feliz com essa grande organização, a Natura, que está se interessando pela vida musical do Brasil e que vem criando esse ambiente de alegria musical no meu país, em especial na minha Bahia”.

Flores em vida

Para o idealizador do projeto, Paulinho Timor, “é importantíssimo registrar músicas que foram compostas há mais 50 anos e que jamais foram gravadas”.

Ele destaca que a maior parte da obra musical de Riachão ainda não foi registrada” e que é fundamental que isso seja feito pelo próprio artista, “ofertando ao mestre as flores em vida”. O diretor musical do álbum também lembra que o projeto contemplado pela Natura Musical prevê a produção de um site com o acervo da trajetória musical de Riachão.

Enquanto o bamba baiano “procura em sua mente” antigas composições, Timor já vai separando alguns sambas que foi conhecendo nos últimos anos. Um deles é uma homenagem à cantora Claudete Macedo e ao restaurante Cantina da Lua, ponto de encontro de artistas baianos comandado por seu amigo do peito Clarindo Silva.

A música foi lembrada por Riachão na roda de samba de seu aniversário. E levantou poeira: “Vá no Terreiro/ Pra ver a Cantina da Lua sambando/ Vá, seja o primeiro/ Pra ver a sambista Claudete cantando”.

A alegria de viver é uma marca registrada do velho sambista, mas há uma composição, atípica na temática de sua obra, que é uma crônica impactante sobre a pobreza da Velha Cidade da Bahia e também integrará o álbum.

Eis a letra: “Pobre do pobre carregado de filhos/ Eu posso afirmar/ Ele, se não trabalha, é um louco/ Mas o ordenado é tão pouco/ Não pode se alimentar/ Por causa da carestia, sente a barriga vazia/ É só o que se vê/ Pega no trabalho às 6 horas/ Larga às 18 horas/ Sem comer, sem beber/ Daí é que chegam suas lágrimas/ Ele não pode conter/ Foge a alegria do homem/ Vendo seus filhos com fome/ Pede a Deus pra morrer”.

“Riachão está aí, com uma vitalidade impressionante para uma pessoa de 98 anos de idade. Lembrando de samba, cantando samba, fazendo samba”, afirma Timor.

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