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Publicado em 05/12/2025 às 17h30.

Cau Gomez lança primeiro livro autoral e revisita décadas de arte e crítica social

Em entrevista, o artista detalha o processo criativo e relembra trajetória rumo ao lançamento na próxima quarta (10), na Casa Rosa

João Lucas Dantas
Foto: Divulgação

 

O cartunista mineiro, naturalizado em Salvador, Cau Gomez lança o seu primeiro livro autoral no Brasil, Sorria, você está sendo… – Cartuns nada cordiais sobre racismo e outros absurdos’, contendo charges e ilustrações autorais que abordam, de forma crítica e sensível, os temas do racismo e da violência na sociedade, na próxima quarta-feira (10), na Casa Rosa, no Rio Vermelho, na data em que é celebrado o Dia Internacional dos Direitos Humanos, em evento aberto ao público.

Com quase quatro décadas de trabalho na bagagem, Cláudio Antônio Gomes já reúne uma série de trabalhos importantes, incluindo 69 prêmios recebidos por sua obra ao longo da carreira.

São anos contribuindo para alguns dos principais veículos de comunicação do país, dentre eles os jornais O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil, Hoje em Dia, além das revistas Bundas, Palavra, Playboy, Gráfica Magazine e outras publicações. Na Bahia, faz história ilustrando charges para o jornal A TARDE há muitos anos.

Com este lançamento, Cau preenche uma lacuna importante no registro do seu trabalho ao finalmente lançar o seu próprio livro. Para celebrar o momento e a carreira deste grande artista visual, o bahia.ba bateu um papo com ele para que nos contasse um pouco mais sobre as emoções vividas até culminar neste ponto alto.

Ilustração de Cau Gomez, capa do livro

 

O 70º prêmio conquistado

Com um extenso trabalho e tantos prêmios ao redor do mundo, com destaque para as recentes vitórias na 1ª Bienal Internacional de Humor Político (Cuba/2024), Porto Cartoon World Festival (Portugal/2021), 31ª Bienal Internacional de Humorismo de Tolentino (Itália/2021), lançar o seu próprio livro está no topo entre os momentos mais importantes.

“Esse livro agora eu estou considerando meu prêmio de número 70. Lançar uma obra enquanto eu tenho essa vida produtiva como cartunista e ilustrador é realmente a realização de um sonho, principalmente aqui em Salvador. Eu já tenho um publicado com meus melhores cartuns, mas foi editado em Portugal, na cidade de Vila Franca de Xira, acompanhado por uma exposição individual, em 2021. Agora sim, esse é o meu primeiro livro feito para os brasileiros, feito de maneira independente”, contextualizou Cau.

Com um trabalho pautado principalmente nos comentários políticos através da arte gráfica, como é, essencialmente, uma charge, o artista afirma que a escolha pelo recorte do retrato do racismo e da violência se deve à sua visão pessoal da sociedade e à própria convivência com a pobreza.

“Eu sofri muito, não sou oriundo de uma família abastada, fui de um berço familiar pobre lá de Belo Horizonte, e eu sei como é cruel essa vivência na pobreza. Essa é uma coisa abrangente no território brasileiro, e essa mazela do racismo, uma condição que julga a pessoa pela cor da pele, e aí vem a violência de gênero, contra as mulheres. Então, a necessidade de abordar esse tema também veio do mês de novembro, em que celebramos Zumbi dos Palmares, a Consciência Negra. Pensei que o desdobramento poderia ser justamente agora, no dia 10 de dezembro”, explicou.

Ilustração de Cau Gomez

 

Reflexão e consciência social

A data marca a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela ONU em 1948, reforçando a importância de garantir dignidade, liberdade e igualdade para todas as pessoas, e lembra que a defesa desses direitos é uma construção diária, que exige vigilância, participação social e compromisso dos Estados e da sociedade.

“Esse livro tem essa pretensão de pontuar e não deixar a reflexão e a consciência ficarem somente em uma coisa de celebração, não cair nessa armadilha, abrindo os olhos das pessoas para as situações de fome, miséria, violência. Esse é o grande motivo dessa publicação, além também do resgate dos meus cartuns”, acrescenta o cartunista.

A escolha da data também reflete o desejo do autor de dialogar com aqueles que têm uma visão de mundo parecida, de abrir os olhos e não fechá-los para que não caiam no esquecimento as atrocidades que assistimos no cotidiano.

“Quando você acessa a internet ou assiste a um noticiário, a tendência é tentar esquecer isso, porque é muito traumático. Vários relatos de violência gratuita contra mulheres, principalmente. O destrato com a pessoa em situação de vulnerabilidade social, vivendo nas ruas… que país é esse que se conforma com crianças dormindo na calçada sem amparo?”, provoca Cau.

“É como diz a música dos Titãs: ‘A morte não causa mais espanto‘ (Miséria). É a condição humana que está em jogo e o futuro das gerações”, acrescenta.

Ilustração de Cau Gomez

 

Equilíbrio entre a dor da realidade e o humor gráfico

Com um trabalho muito sério voltado aos temas debatidos acima, é necessário um equilíbrio delicado para que realidades dolorosas como as citadas sejam transformadas em um trabalho visual provocativo, com tons de ironia.

“Todos esses temas, que não são fáceis de lidar, são como espelhos distorcidos que eu faço para que possamos identificar aquela situação, porque a tendência é a gente querer esquecer. E eu quero expor essas situações, quero narrar essas imagens. A ideia é que eles utilizem a linguagem do humor, mas não necessariamente para rir”, respondeu Cau.

No trabalho de Cau, os absurdos são tratados através do próprio absurdo para que a arte possa desmascarar os caminhos das atrocidades que vemos cotidianamente no Brasil.

“A minha ideia não é fazer ninguém dar risada quando tratamos de feminicídio, pobreza ou racismo, mas a charge nos condiciona a reagir a isso de uma maneira mais próxima de descortinar as situações. A minha pretensão é que os desenhos narrem uma reação da violência à violência, abordando e apresentando possíveis soluções. O humor gráfico apenas denuncia algumas imagens; são cartuns nada cordiais, como está no título do livro”, expressou.

Porém, por outro lado, o livro também resgata raízes e homenageia figuras importantes da luta pelos direitos humanos, como o Mestre Môa do Katendê, morto em 2018 em um ato de violência política, e o Vovô do Ilê, grande símbolo do bloco afro Ilê Aiyê.

“O livro é uma extensão da minha indignação como cidadão daqui de Salvador, do mundo. Acho que eu estou apenas reagindo aos acontecimentos ao meu redor. Eu não quis deixar a obra só com caráter de denúncia; também quis propor coisas novas”, acrescentou.

Ilustração de Cau Gomez

 

Convivência com a juventude artística

Na Casa Rosa, o evento de lançamento terá bate-papo com o autor e participação do também artista visual William Silva Souza, conhecido artisticamente como Urbano.

Sua trajetória de mais de 10 anos na arte atravessa a tatuagem, o graffiti, a pintura e o caligraffiti, marcada pela autenticidade e pela busca consciente por identidade e autoconhecimento. Ambos falarão de suas trajetórias transversalizadas pela luta igualitária e pelo combate às opressões.

“Estarei com o Urbano, artista muito jovem, para que possamos tentar um diálogo com a nova geração e para que eu possa deixar algum conhecimento, algum ensinamento que eu aprendi ao longo dos anos.”

O ilustrador também tomou a decisão de voltar a estudar recentemente, sendo aluno do Curso de Licenciatura em Desenho e Plástica da Escola de Belas Artes (EBA/UFBA).

“Algo completamente novo na minha vida. Eu sempre fui muito autodidata e foi uma decisão que revi e voltei para a faculdade. Estou aprendendo ainda mais sobre a história da arte, desenhos geométricos, e também estou convivendo com colegas de 18, 19 anos com potenciais criativos gigantes e ávidos para aprender mais com profissionais da área. Tem sido uma experiência maravilhosa”, celebrou.

Em 2024, ilustrou e fez a concept art do álbum O Mundo dá Voltas, da banda BaianaSystem, reconhecido internacionalmente com o Grammy Latino 2025 de Melhor Álbum de Rock ou Música Alternativa em Língua Portuguesa, momento que também dialoga com o ciclo atual que tem vivido, já que pôde compartilhar na EBA um pouco da sua experiência produzindo esse trabalho.

“É muito bom poder estar e contar tudo para esses jovens. O livro vem agora para complementar e me dar uma satisfação no aspecto profissional e existencial como cidadão da cidade de Salvador”, concluiu Cau Gomez.

João Lucas Dantas
Jornalista com experiência na área cultural, com passagem pelo Caderno 2+ do jornal A Tarde. Atuou como assessor de imprensa na Viva Comunicação Interativa, produzindo conteúdo para Luiz Caldas e Ilê Aiyê, e também na Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Salvador. Foi repórter no portal Bahia Econômica e, atualmente, cobre Cultura e Cidade no portal bahia.ba. DRT: 7543/BA

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