Fala sério: você leria o livro de Hitler?…
Reedição de “Mein Kampf” (“Minha Luta”), espécie de bíblia do nazismo, gera polêmica no mercado editorial e divide baianos
Uma polêmica que remete o leitor ao símbolo da suástica e à barbárie do nazismo divide o mercado editorial de vários países, inclusive o Brasil e, principalmente, a Alemanha: vale a pena reeditar o livro Mein Kampf (Minha Luta), de Adolf Hitler, misto de autobiografia e panfleto antissemita, considerado a “Bíblia do Nazismo”? Em 2016, 70 anos após a morre do Führer, o livro cai em domínio público e poderá ser relançado por qualquer editora do mundo, sem necessidade de pagamento de direitos autorais. No Brasil, a Geração Editorial decidiu que irá publicar o livro no próximo ano.
A questão está posta: é lícito proibir a publicação de uma obra por mais nefasta que possa parecer? Em busca da resposta, o bahia.ba ouviu escritores e editores baianos. Membro da Academia de Letras da Bahia (ALB), o escritor Ruy Espinheira Filho diz que tem o livro em casa, começou a ler e deixou de lado. “Nos anos 80, eu queria ler tudo, mesmo a estupidez nazista. Enfim, apesar da disposição, não suportei. Ele não é um “clássico maldito”, porque não é clássico, é apenas um vasto panfleto medíocre de um palhaço insano. Mas vai vender, tudo que não presta vende bem neste país”, prevê o autor de Estação infinita e outras estações (Bertrand Brasil, 2012), dentre outros mais de 30 livros de poesia, romance, contos e ensaio.
Escritor e editor, Mayrant Gallo ( O inédito de Kafka, Cosac 7 Naify, 2003), afirma que não compraria o livro, mas defende o direito de a obra ser reeditada: “Que o julgue o leitor. Como, aliás, acontece com qualquer livro. Além do mais, proibi-lo seria incentivar sua leitura. Se alguém mata depois da leitura de um livro, o problema está em quem leu, não no livro. Caso contrário teríamos que proibir O estrangeiro, de Camus, O cobrador, de Rubem Fonseca, e até Crime e castigo, de Dostoiévski. Os livros devem ser livres para existir, e as pessoas livres para ler”
Publicar ou não publicar? – O escritor e professor universitário Aleilton Fonseca (Nhô Guimarães, Bertrand Brasil,2006), também da ALB, se editor, não publicaria o livro de Hitler, embora reconheça que “num mundo livre, qualquer livro pode ser publicado, pois cabe aos leitores a visão crítica e o discernimento diante das terríveis e absurdas ideias do livro.”. No entanto, por sua vontade, o deixaria “encarcerado nos arquivos da história”.
Combatente contra a ditadura militar, Paulo Martins (Glória partida ao meio, 7 Letras, 2009), não vê razão para se deixar de publicar a autobiografia panfletária de Adolf Hitler: “Historiadores e pesquisadores vão agradecer. Além disso, podemos estabelecer limites para a liberdade de expressão? Qual é ele? As publicações do Charlie Hebdo reabriram esta discussão e me parece que a tese da liberdade plena prevaleceu. Não tenho interesse em ler este lixo, mas, quem sabe, precise consultá-lo para algum artigo ou tese? Afinal o fascismo está em ascensão por aqui”, diz Martins.
O editor Rosel Soares, da Casarão do Verbo, diz que não só compraria o livro como também o reeditaria, pelo seu valor histórico e, se não estivesse com outros títulos no forno, poderia se lançar na empreitada. “Esta obra é o produto do que o homem é capaz de fazer. O ser humano é isso: capaz dos mais lindos e singelos gestos de amor, mas também de atrocidades inimagináveis. É necessário compreender como pensa a besta que habita o humano”, aponta Soares.
Polêmica à parte, a edição em português de Minha Luta, que já foi vendida tranquilamente nas livrarias de Salvador, nos anos 1980, até cair no “índex dos malditos”, pode ser adquirida facilmente pela internet, a preços que variam de R$ 65,00 a R$ 300. E até é bem possível ser encontrada em sebos da cidade.
E, para encerrar a polêmica (ou pôr mais lenha na fogueira), se alguém entrar numa livraria, comprar e ler o livro maldito, não quer dizer que sairá por aí, com o braço direito erguido a gritar: “Heil Hitler!”.
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