Publicado em 27/12/2015 às 10h20.

 ‘Gororoba’ de Carlos Navarro Filho é prato palatável

Com 18 ingredientes, livro de contos leva o tempero do jornalismo boêmio e da ficção sóbria.

Elieser Cesar

Gororoba é uma comida que não tem nenhum sabor, um papa mal feita para matar a fome. Mas nas mãos do jornalista Carlos Navarro Filho, o termo se torna palatável e ganha o tempero de histórias contadas com o condimento da boêmia jornalística e da sobriedade da literatura. Gororoba é o nome do primeiro livro de ficção do jornalista rigoroso com a veracidade dos fatos, mas, que depois de muitos anos de labuta nas redações de jornais se consentiu inventar umas histórias. Dezoito no total.

Invenção, mas nem tanto, porque alguns contos de Gororoba são autobiográficos, a começar por aquele que dá título à coletânea. Nos contos de Carlos Navarro Filho, Navarrinho nos meios jornalísticos, a antiga Cidade de São Salvador da Bahia,  como um personagem do naturalismo, aparece por inteira, de corpo e alma, com suas ruas e tipos humanos que parecem sugados e impulsionados pela urbe.  Nas 124 páginas do livro vemos desfilar um cortejo de jornalistas, boêmios, notívagos, putas, policiais, donos de bares, o povo de uma Bahia que, hoje, só existe na memória da saudade.

Também tem lugar nos relatos, o interior do estado, com o conformismo atávico da  gente da roça, o mandonismo dos coronéis, a subserviência dos jagunços e a submissão (e também a revolta, como no conto “João da Roça Velha”)  dos fracos e oprimidos.  Assim como a lembrança da infância, como a matriarca da família, Mariazinha do Boqueirão, viúva antes dos 30 ano, a se desdobrar para cuidar da prole numerosa; a mudança para capital, os estudos e os primeiros anos na inglória profissão de jornalista, para cuja boêmia o contista encontra um álibi escapista:

– Para conseguir a façanha de pagar as contas e viver com dignidade, o jornalista precisa de dois, às vezes, até três empregos. Não tem jeito, meu irmão, tem que mordem uma cachaça no botequim mais próximo, rebatida com cerveja gelada, enquanto faz plano de pagamento do fim do mês e sai deixando a conta no prego.

Celebração da amizade –  Em Gororoba Navarrinho celebra a amizade. Nas redações e nos bares da vida aparecem colegas de ofício, legítimos representantes da velha guarda do jornalismo baiano,como  Pedro Formigli, Jorge Ramos, Biaggio Talento, José Carlos Teixeira, Paolo Marconi , Fernando Escariz, Adilson Borges, Jadson Oliveira e os fotojornalistas Agliberto Lima e Oldemar Vítor, companheiros de profissão e de tertúlias etílicas devidamente constadas em atas. Alguns já mortos, outros resistentes nas redações e assessorias de comunicação.

Porém, a celebração maior é a fraterna homenagem ao irmão Gogoroba, morto precocemente, anarquista e bom vivant, aos 14 anos protético reconhecido, caçador de certeira pontaria e aos 16, escolado em mulheres da vida e, anos mais tarde, fundador do Buraco da Vovó, uma espécie de garconiere da mais alta putaria, na cidade de Valente.

Num dos melhores contos do livro, “Dr. Pereira, o barnabé”, Navarrinho cria um personagem que lembra, em sua obsessão cartorial por atas, portarias, boletins, circulares, ofícios, memorandos e leituras igualmente amenas, ilustrativas e edificantes, o Pantaleão  do romance Pantaleão e as visitadoras, do escritor peruano e Nobel de Literatura de 2010, Mário Vargas Llosa. É a história de “um típico funcionário público à moda antiga” que não deixa passar por sua mesa nenhum papel sem assinatura e carimbo.

Seu esmero burocrático é patológico. Quando o ministro corrupto para quem trabalha, pede que avise à secretária (e também amante) que irá acontecer, na casa dela, uma reunião com um empresário para tratar de aditamento para uma obra, o Dr. Pereira  escreve o recado  em memorando, assinado e carimbado.  Em “Boquira e o padre sabido”, numa epifania argentária, um sacerdote engana o povo pobre e ignorante de um lugarejo do sertão sem fim para se apossar e explorar uma mina de ouro.

Já Roído, “pivete na casa dos 16 anos, baixinho, cara de safado, com aquele sorriso apenas esboçado” que “vivia pelas ruas do centro de Salvador, remete aos personagens à margem da sociedade de João Antônio, contista dos ladrões, dos malandros, dos moleques de rua, jogadores de sinuca, das putas e deserdados do mundo, autor do visceral Malagueta, Perus e Bacanaço.

E então, leitor de paladar exigente, vai provar a Goroba de Carlos Navarro Filho?

 

 

 

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