Guillermo Del Toro revive Frankenstein em um triunfo do horror gótico
Nova versão da Netflix traz Oscar Isaac e Jacob Elordi brilhando como o cientista maluco e a sua criatura
João Lucas Dantas
Jacob Elordi como o monstro de Frankenstein. Foto: Ken Woroner/Netflix
Está vivo! Mais uma adaptação do livro Frankenstein, da autora Mary Shelley, escrito originalmente em 1818, chega aos cinemas brasileiros em circuito limitado antes de estrear oficialmente na Netflix, no dia 07 de novembro. Dessa vez, a obra não poderia estar em mãos melhores.
O diretor mexicano Guillermo del Toro resolveu escrever e dirigir a nova versão estrelada por Oscar Isaac (da nova trilogia Star Wars) como o doutor Victor Frankenstein e Jacob Elordi (da série Euphoria) como a criatura. O cineasta, conhecido por obras como O Labirinto do Fauno (2006) e A Forma da Água (2017), sabe trabalhar o terror gótico e a ficção científica como poucos de sua geração.
Del Toro já havia afirmado em algumas oportunidades que Frankensteiné o seu livro favorito e que esse é um projeto dos sonhos. Prometendo ser mais fiel ao material base que moldou a literatura fantástica do século XIX e o cinema de horror posteriormente no século XX, a versão cinematográfica de 2025 é um triunfo do gênero.
Sobre o livro
Considerando a importância do livro para o diretor e a proposta de ser o mais fiel possível, por que não dar um breve contexto sobre o material original? Então lá vai.
Frankenstein; ou o Prometeu Moderno é um romance de Mary Wollstonecraft Shelley. A obra é considerada uma das precursoras da ficção científica e também pertence ao terror gótico. Shelley concebeu a ideia durante um desafio de criar histórias de fantasma, em 1816, enquanto estava na Suíça com seu marido Percy Shelley, Lord Byron e amigos, no período conhecido como “o ano sem verão”.
A narrativa é estruturada em forma de cartas escritas por Robert Walton, explorador do Ártico, que encontra Victor Frankenstein e registra sua história. O protagonista, um jovem apaixonado por ciências, descobre como dar vida a um corpo formado por partes de cadáveres. No entanto, horrorizado com a criatura que cria, ele a abandona.
A criatura, rejeitada por todos, tenta aprender sobre o mundo e buscar afeto, mas se transforma em agente de vingança após sofrer contínua exclusão. Ela mata pessoas próximas a Victor, exigindo que seu criador assuma responsabilidade e lhe dê companhia.
O livro aborda temas como limites éticos da ciência, responsabilidade do criador, solidão e preconceito baseado na aparência. Seu impacto cultural foi enorme, tornou-se um clássico mundial e originou inúmeras adaptações para o cinema, teatro e TV. Mary Shelley hoje é reconhecida como figura central da literatura britânica do século XIX.
Foto: Reprodução/ Netflix
De volta aos cinemas
Dada a contextualização, não é necessária a utilização de uma sinopse oficial, já que o filme segue os tropos da história estabelecidos pela obra-base. E essa não é a primeira vez que del Toro se aventura nas adaptações.
Seu Pinóquio, de 2022, também para a Netflix, foi uma grande reinterpretação de um personagem já visitado de tantas formas diferentes, além, é claro, dos dois Hellboy, que deram vida ao personagem de Mike Mignola nos quadrinhos.
Aqui, o diretor parece nadar de braçada em território que ele já conhece de cor e salteado. Listas apontam que já existem mais de 60 adaptações live-action da história de Frankenstein; porém, del Toro consegue imprimir as características marcantes do seu cinema para dar uma cara única ao projeto.
Primeiro de tudo, é um horror gótico de primeira linha. Os figurinos assinados por Kate Hawley são belíssimos. Superexcêntricos, com cores vibrantes para personagens femininas e extremamente soturnos para a maior parte dos personagens masculinos. Cada tecido parece casar perfeitamente com a proposta de cada ator em cena.
O trabalho de maquiagem para transformar o galã Jacob Elordi no monstro do doutor Frankenstein é de encher os olhos. É grotesco, perfeitamente desenhado, fazendo acreditar que é uma criatura composta por diversas partes de corpos diferentes, unidas em uma costura cirúrgica.
A direção de fotografia de Dan Laustsen contribui para imergir os espectadores em um espetáculo de luzes nos sets maravilhosamente bem construídos. Castelos enormes, laboratórios de cientista maluco, subsolos assustadores, navios no Ártico. É um design de produção invejável. A parte técnica do filme deve figurar muito bem entre as mais cotadas ao Oscar no próximo ano.
Elenco estrelado
Se o filme fosse apenas uma troca constante de diálogos entre Jacob Elordi e Oscar Isaac, já sairíamos ganhando. Os dois atores estão fantásticos. A fisicalidade de Elordi e as expressões corporais da criatura são um show à parte. Já a crescente loucura de Victor Frankenstein, vivida por Isaac, é conduzida com maestria.
Para a alegria das plateias, ainda vemos o austríaco e ganhador do Oscar Christoph Waltz (Bastardos Inglórios) em uma generosa participação como Herr Harlander, e a nova musa do terror, Mia Goth (Pearl), como uma das forças emocionais que guiam o longa nas suas 2h30 de jornada.
Charles Dance (Game of Thrones) e David Bradley (Harry Potter) também fazem participações menores que acrescentam bastante à narrativa e abrilhantam ainda mais o projeto.
O elenco parece trabalhar em grande sintonia, com o cuidado da direção na adoção de um inglês mais rebuscado, compatível com o período histórico retratado. Mia Goth, aqui menos histérica do que em papéis anteriores, apresenta uma faceta mais contida e delicada, que, ao mesmo tempo, não parece dizer tanto a que veio.
Oscar Isaac como Victor Frankestein Foto: Reprodução/ Netflix
Volta às origens
Frankenstein já foi exaustivamente trabalhado. Seja nos filmes de terror da década de 1930 com Boris Karloff, seja em sátiras comoO Jovem Frankenstein, de Mel Brooks. Uma volta às origens literárias faz total sentido dentro da proposta de horror gótico com pitadas de ficção científica de del Toro.
Uma tentativa que muito se assemelha ao feito realizado por Francis Ford Coppola, ao lançar o seu Drácula de Bram Stoker, em 1992. Sem comparar os dois filmes, mas esta nova empreitada se assemelha no sentido de um cineasta autoral retrabalhando um clássico adaptado tantas vezes.
O diretor abraça os clichês que envolvem o personagem da maneira mais séria e imaginativa possível — laboratórios, relâmpagos dando vida à criatura, cientista obcecado, o ódio popular ao desconhecido. E tudo funciona muito bem, de forma violenta e estilizada, no universo que propõe.
É um filme que lembra a veia de horror que o formou, como o já citado O Labirinto do Fauno e A Colina Escarlate (2015). Quem é fã do diretor encontrará aqui ecos das deturpações do gênero que ele tanto ama.
O que pode afastar parte do público é a escolha por tornar a narrativa extremamente literária, com capítulos dividindo pontos de vista e personagens se expressando de forma rebuscada, dando a sensação de que vemos as páginas ganhar vida.
É um filme de terror muito espirituoso. Colorido, porém soturno, violento e grandioso, como se vê poucas vezes hoje em dia. Entendemos as motivações da loucura do cientista e nos compadecemos do sofrimento da criatura, que, como canta Lulu Santos, “não pediu pra nascer”.
Outro detalhe que pode ser notável aos olhos mais atentos, são alguns efeitos especiais menos polidos, possivelmente por falta de tempo em produção, já que o longa investe bastante em efeitos práticos, cenários reais e próteses. Porém, nada que tire a atenção do momento na tela.
É louvável que a Netflix esteja investindo em filmes assim, que talvez não fossem feitos em outro modelo de indústria. E que del Toro possa continuar realizando seus sonhos de infância e nos presenteando com mais filmes de terror que também abordam o amor — sem medo de abraçar a cafonice de ambos, da melhor forma possível.
É o cinemão pipoca de qualidade. Um blockbuster como vemos poucos sendo feitos hoje em dia. Se encontrar em um cinema próximo a você, vale a ida para prestigiar na maior tela possível. Se não, logo estará no catálogo da Netflix, para que todos possam se deliciar com uma história que todos já conhecemos, mas que ganha aqui um novo fôlego.
Jornalista com experiência na área cultural, com passagem pelo Caderno 2+ do jornal A Tarde. Atuou como assessor de imprensa na Viva Comunicação Interativa, produzindo conteúdo para Luiz Caldas e Ilê Aiyê, e também na Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Salvador. Foi repórter no portal Bahia Econômica e, atualmente, cobre Cultura e Cidade no portal bahia.ba.
DRT: 7543/BA