Publicado em 17/11/2025 às 15h06.

O carismático Glen Powell se esforça para salvar ação genérica de ‘O Sobrevivente’

Nova adaptação de Stephen King entrega filme irregular e incapaz de sustentar a identidade do diretor Edgar Wright

João Lucas Dantas
Glen Powell como Ben Richards
Foto: Divulgação

 

O Sobrevivente (The Running Man) é a nova empreitada cinematográfica do diretor britânico Edgar Wright, que havia causado ótima impressão mundo afora com os comentados Todo Mundo Quase Morto (2004), Scott Pilgrim Contra o Mundo (2010) e Baby Driver – Em Ritmo de Fuga (2017).

Pecando pelos excessos, a nova adaptação do livro homônimo de Stephen King, de 1982, acaba se tornando um filme de ação genérico, discutindo temas já amplamente debatidos e que soam como provocações que chegaram pelo menos 20 anos atrasadas em relevância.

A obra literária já havia sido adaptada anteriormente, em 1987, estrelada por Arnold Schwarzenegger e dirigida por Paul Michael Glaser, versão que, convenhamos, nunca esteve entre as mais lembradas da carreira do brucutu mais querido do cinema.

Foto: Divulgação

 

Sobrevivendo mais uma vez

A nova versão tem seus méritos, mas se torna, desde o início, uma experiência extremamente esquecível. Wright parece ter deixado de lado as marcas que o consagraram nas telonas, como o ritmo acelerado, as edições inventivas e os temperos visuais, explorados com tanta habilidade ao longo de sua filmografia.

O ‘terrir’ Todo Mundo Quase Morto foi uma lufada criativa para filmes de apocalipse zumbi; Chumbo Grosso (2007) revitalizou a comédia policial; e Scott Pilgrim mostrou como uma adaptação de quadrinhos pode ser inovadora e cativante no cinema.

Estrelado pelo astro em ascensão Glen Powell (Top Gun: Maverick), no papel do raivoso Ben Richards, acompanhamos a história de um homem que entra no mortal reality show The Running Man para tentar salvar a filha doente. Caçado por assassinos profissionais em um mundo distópico onde tudo é televisionado, ele se torna inesperadamente o favorito do público. À medida que sobrevive, expõe a manipulação e a crueldade por trás do programa.

A trama é simples, e sempre foi, desde o livro. Mas, entre 1982 e 1987, discutir o poder social da televisão e os extremos dos reality shows fazia muito mais sentido do que em 2025, quando vivemos num mundo dominado por pequenas telas que cabem na palma da mão.

Não que realities como Big Brother tenham perdido influência, mas a discussão parece batida diante de debates contemporâneos muito mais urgentes, como a ascensão da inteligência artificial e o vício em telas.

Isso se mencionarmos também que já havia sido lançada neste ano uma adaptação de Stephen King sobre um reality show mortal, em que só um homem pode sobreviver ao fim, em A Longa Marcha (nossa crítica aqui).

Colman Domingo como apresentador sádico
Foto: Divulgação

 

Ação que não empolga

Antes da moral da história, temos aqui um filme de ação que diverte em alguns lampejos criativos, revelando o potencial de Wright, embora longe de seu melhor momento.

O filme é carregado principalmente pelo carisma do protagonista, que vem se destacando cada vez mais no cenário hollywoodiano e conta com as bênçãos do amigo Tom Cruise, seu colega em Top Gun. Ainda assim, Powell enfrenta momentos de canastrice, muito por culpa do texto irregular que recebeu para interpretar.

O roteiro, escrito pelo próprio Wright ao lado de Michael Bacall, parece não saber como atualizar personagens tão estereotipados, ao mesmo tempo em que tenta reproduzir o espírito oitentista das versões anteriores. O resultado é uma mistura de tons confusa, que em vários momentos recai para um sentimentalismo piegas ao tratar da relação do protagonista com sua família.

O restante do elenco, com exceção de Powell, parece desempenhar seus papéis de forma estritamente protocolar, à exceção do excelente Colman Domingo (Euphoria), que claramente se diverte no papel do apresentador do reality show sádico.

O maior desperdício do longa é Josh Brolin (Vingadores: Guerra Infinita), interpretando o bilionário que controla o monopólio de empresas nesse mundo distópico. Um veterano de enorme talento, mas que aqui parece ter gravado suas cenas em um único dia e sem entusiasmo algum além de justificar o cheque recebido.

Fora o trio principal, há participações pontuais de nomes como Michael Cera (Scott Pilgrim), William H. Macy (Fargo) e Lee Pace (Fundação), em papéis tão simples que poderiam ter sido entregues a qualquer ator genérico.

Edgar Wright (esquerda) dirige Michael Cera (direita)
Foto: Divulgação

 

Diversão esquecível

O longa tem boas sequências e um humor bem encaixado em alguns momentos, capazes de arrancar risadas pela coreografia absurda das cenas de ação ou pelas piadas pontuais. Ainda assim, tudo poderia ter sido muito melhor trabalhado, considerando o histórico de Wright e seu humor britânico ácido, aqui bastante diluído.

Algumas cenas, como a invasão ao hotel e à casa do personagem de Michael Cera, funcionam, mas perdem impacto por terem sido amplamente utilizadas nos trailers. Evitar esse material promocional melhora a experiência geral.

O carisma de Powell ajuda as duas horas de projeção a passarem relativamente rápido, mas o tom acinzentado e a arquitetura brutalista dão ao filme uma aparência desinteressante, destoando do espírito aventuresco que a trama tenta sustentar.

A direção de fotografia do sul-coreano Chung Chung-hoon carece de inspiração, assim como a própria direção e o roteiro, que não aproveitam o potencial do elenco, incluindo um momento constrangedor em que o filme literalmente interrompe a narrativa para uma propaganda de energético, reforçando o caráter industrial que parece dominar a fase atual de Edgar Wright.

No fim das contas, O Sobrevivente (2025) não chega a comprometer, mas tampouco justifica sua existência para além da roda industrial que precisa sempre de uma nova engrenagem para girar.

Há lampejos do potencial de Edgar Wright, mas sufocados por escolhas pouco inspiradas, um roteiro genérico e uma tentativa de atualizar um debate que já perdeu parte de sua força.

Funciona como entretenimento rápido, impulsionado pelo carisma de Glen Powell e por alguns momentos de humor pontual, porém carece da identidade marcante que fez do diretor um nome tão celebrado. Um filme que diverte enquanto dura e some rapidamente da memória quando termina.

João Lucas Dantas
Jornalista com experiência na área cultural, com passagem pelo Caderno 2+ do jornal A Tarde. Atuou como assessor de imprensa na Viva Comunicação Interativa, produzindo conteúdo para Luiz Caldas e Ilê Aiyê, e também na Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Salvador. Foi repórter no portal Bahia Econômica e, atualmente, cobre Cultura e Cidade no portal bahia.ba. DRT: 7543/BA

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