Publicado em 13/08/2025 às 15h35.

Especialista em direito eleitoral comenta obstrução no Congresso Nacional

O advogado Rafael Cezar afirmou que, politicamente, a medida é um instrumento legítimo e historicamente reconhecido como parte do jogo democrático

Neison Cerqueira

Foto: Divulgação

 

A obstrução do Congresso Nacional promovida pela oposição e em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), tomou conta dos noticiários na última semana. Durante a manifestação e com gritos de “prisão injusta” e “censura não”, parlamentares transformaram a chamada ‘casa do povo’ em palco de protesto político, durante protesto em favor da anistia e pelo fim do foro privilegiado. O ditado ‘Brasília tá pegando fogo’ nunca fez tanto sentido.

O motim em prol ao ex-chefe do Executivo ocorreu por duas razões: os pedidos de anistia aos envolvidos no suposto golpe de Estado, que tem Bolsonaro e aliados como réus, e inflamou ainda mais com a prisão domiciliar do ex-presidente, decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

O bahia.ba entrevistou o especialista em direito eleitoral, o advogado Rafael Cezar, para entender as consequências eleitorais dessa obstrução, já que projetos importantes, como a isenção do Imposto de Renda dos trabalhadores que ganham até dois salários mínimos, estava em pauta, sendo prioridade para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Perguntado sobre a legalidade da obstrução no Congresso Nacional, Rafael afirmou que politicamente a medida é um instrumento legítimo e historicamente reconhecido como parte do jogo democrático. Explicou que a CF (Constituição Federal), no artigo 53, garante a imunidade material dos parlamentares por suas opiniões, palavras e votos, o que inclui o uso de estratégias regimentais para atrasar ou impedir temporariamente a votação de matérias.

“Os regimentos internos da Câmara e do Senado expressamente preveem mecanismos como requerimentos, verificação de quórum e uso ampliado da palavra, permitindo que a minoria se manifeste e pressione a maioria. Essa legalidade, porém, não é absoluta. O direito de obstruir deve ser exercido dentro das regras regimentais e com respeito aos princípios constitucionais, como o da separação de poderes e o do devido funcionamento das instituições. Quando a obstrução se converte em bloqueio sistemático e permanente das atividades legislativas, a prática deixa de ser uma estratégia política legítima e passa a configurar abuso de prerrogativas parlamentares, podendo gerar consequências no campo político, regimental e, em casos extremos, até judicial”, alertou.

O advogado exemplificou ainda que o precedente do STF (Supremo Tribunal Federal) na ADPF 983/MG (atuação da jurisdição constitucional no controle da omissão legislativa) ilustra o limite da obstrução. A Suprema Corte reconheceu que, diante de um bloqueio institucional capaz de inviabilizar o cumprimento de competências constitucionais e prejudicar direitos fundamentais, é admissível uma intervenção excepcional para garantir a continuidade da atividade legislativa. “Ou seja, politicamente a obstrução é válida, mas sua legalidade depende do uso equilibrado e proporcional, sem comprometer a essência do processo democrático”, afirmou Rafael.

No campo jurídico, o advogado sinalizou que a obstrução pode ser um problema quando ela deixa de ser um recurso tático e passa a ser utilizada de forma sistemática para impedir, por tempo indefinido, o funcionamento regular da Casa Legislativa e a deliberação sobre temas essenciais ao país. “Foi exatamente essa a discussão enfrentada pelo STF na ADPF 983, que tratou da omissão da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em apreciar um projeto indispensável para a adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal. O STF reconheceu que havia um bloqueio institucional e, de forma excepcional, interveio para viabilizar a continuidade do processo, sempre com o cuidado de respeitar a separação e a cooperação entre os Poderes”, dissertou Rafael.

E completou: “O limite jurídico da obstrução é claro: ela pode ser exercida como direito político, mas não pode inviabilizar, de maneira absoluta e reiterada, a atividade legislativa e o cumprimento de deveres constitucionais. Quando isso acontece, e há risco concreto a direitos fundamentais ou à ordem constitucional, abre-se espaço para a atuação do Poder Judiciário, de forma subsidiária e prudente. Em uma democracia sólida, a obstrução não pode ser usada como ferramenta de paralisia permanente, mas sim como um mecanismo de debate e contraponto político”.

Deputados e senadores não podem ser penalizados por promoverem a obstrução, desde que ela seja realizada dentro dos parâmetros regimentais, ela não gera penalidade, pois constitui exercício legítimo do mandato parlamentar, conforme o artigo 53 da Constituição Federal (CF) e expressamente disciplinado nos regimentos internos da Câmara e do Senado.

Essa penalidade, no entanto, pode ser aplicada se extrapolar o que é permitido — seja inviabilizando permanentemente o funcionamento da Casa, seja descumprindo ordens da Mesa Diretora. Segundo Rafael Cézar, “ela passa a configurar abuso de prerrogativas parlamentares. No campo político-legislativo, essa extrapolação pode acarretar sanções regimentais, como advertência, censura, perda temporária da palavra, impedimento de participar de deliberações ou destituição de cargos de liderança e funções em comissões”, pontuou.

O ponto principal dessa questão é a quebra de decoro. Se grave, o advogado cita o artigo 55, inciso II e § 1º, da CF (Constituição Federal), que permite a cassação do mandato. Além disso, se a obstrução estiver atrelada a finalidades ilícitas de natureza eleitoral — como abuso de poder político (art. 22 da LC nº 64/1990) ou prática de conduta vedada a agente público (art. 73 da Lei nº 9.504/1997) —, poderá haver repercussões na Justiça Eleitoral, com risco de cassação de registro ou diploma e declaração de inelegibilidade.

“Assim, a consequência dependerá diretamente da forma e da intenção com que a obstrução é conduzida: usada legitimamente, é uma ferramenta política válida; usada de forma abusiva, pode gerar consequências severas no campo político, regimental, eleitoral e até jurídico”, explicou Rafael Cezar.

O que diz o código eleitoral no campo partidário?

Os artigos 2º a 17º, do Código Eleitoral, dizem que a disciplina, a organização e o funcionamento dos partidos políticos, reconhecem os partidos como pessoas jurídicas de direito privado com autonomia para definir seus programas, estatutos e diretrizes, observados os princípios constitucionais. “Essa autonomia, prevista também no artigo 17 da Constituição Federal, alcança a possibilidade de orientar a atuação de seus parlamentares, inclusive determinando estratégias como a obstrução de votações”, declarou.

O advogado explicou que a Resolução TSE nº 22.610/2007 impõe que o parlamentar siga a orientação da legenda, sob pena de perda do mandato em caso de desfiliação sem justa causa. Disse também que quando a obstrução é deliberada pela liderança partidária, trata-se de ato político coletivo e legítimo, amparado pela autonomia partidária e pelo sistema representativo.

“No que se refere à repercussão eleitoral, o entendimento do TSE é firme: ela só ocorre no ano eleitoral ou quando demonstrada de forma inequívoca a finalidade eleitoral do ato, mesmo que praticado antes desse período. Fora dessas hipóteses, a atuação partidária, ainda que por meio de obstrução, permanece no âmbito da política interna e da disciplina regimental, sem reflexos no processo eleitoral. Eventuais irregularidades serão apuradas na esfera política ou constitucional, e não na Justiça Eleitoral”, completou.

Presidentes da Câmara e do Senado

Segundo Rafael, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), respectivamente, exercem o chamado poder de polícia sobre os trabalhos legislativos, atribuição prevista nos regimentos internos de cada Casa e respaldada pela Constituição Federal. “Cabe a eles garantir o funcionamento regular das sessões, a observância das normas regimentais e o equilíbrio entre o direito das minorias parlamentares de se manifestar e o dever institucional de deliberar sobre as matérias em pauta”, contou.

Motta e Alcolumbre podem adotar medidas como: indeferir requerimentos manifestamente protelatórios, encerrar discussões quando esgotados os argumentos, convocar sessões extraordinárias e, se necessário, aplicar sanções regimentais, como advertência ou cassação temporária da palavra. “Em situações extremas, podem encaminhar a questão ao Conselho de Ética para apuração de eventual quebra de decoro parlamentar, nos termos do artigo 55, II, da Constituição. É importante destacar que tais medidas são de natureza política e regimental, não eleitoral”, explicou o especialista ao bahia.ba.

“Assim, a responsabilidade dos presidentes das Casas Legislativas é assegurar que o direito de obstrução não se converta em bloqueio institucional capaz de paralisar indefinidamente a atividade legislativa, preservando ao mesmo tempo o debate democrático e a ordem dos trabalhos”, reforçou o advogado.

Deputados baianos repercutiram obstrução

Em entrevista ao bahia.ba na última terça-feira (5), o deputado federal e vice-líder da oposição na Câmara Federal, Capitão Alden (PL-BA), afirmou que o Congresso Nacional – também composto pelo Senado estava mobilizado para denunciar os abusos e restabelecer os limites constitucionais entre os Poderes.

Ontem (12), também em entrevista ao bahia.ba, o deputado federal Márcio Marinho classificou como ‘vergonhoso e desrespeitoso’ a postura de alguns congressistas que participaram do motim.

Câmara pediu suspensão de parlamentares

Após desocupação de deputados da oposição na Câmara, a Mesa Diretora protocolou nesta sexta-feira (8) uma representação contra os parlamentares Marcel van Hattem (Novo), Julia Zanatta (PL), Marcos Pollon (PL), Camila Jara (PT) e Zé Trovão (PL), que pode resultar em suspensão por até seis meses.

Motta pediu o afastamento de 15 parlamentares

O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), encaminhou à Corregedoria da Casa o pedido de afastamento de 15 parlamentares por conduta inadequada durante os episódios de tumulto ocorridos nos dias 5 e 6 de agosto.

Entre os nomes estão 14 deputados da oposição — majoritariamente do PL e do Novo — que participaram da ocupação da Mesa Diretora, impedindo o andamento dos trabalhos legislativos. Também foi incluída a deputada Camila Jara (PT-MS), acusada de agredir o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG).

Neison Cerqueira

Jornalista. Apaixonado por futebol e política. Foi coordenador de conteúdo no site Radar da Bahia, repórter no portal Primeiro Segundo e colunista nos dois veículos. Atuou como repórter na Superintendência de Comunicação da Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas e atualmente é repórter de política no portal bahia.ba.

Mais notícias

Este site armazena cookies para coletar informações e melhorar sua experiência de navegação. Gerencie seus cookies ou consulte nossa política.