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Publicado em 09/12/2025 às 14h00.

Do acústico ao show beneficente: relembre potência do violão de Gilberto Gil

Revisite a história do clássico Unplugged (Ao Vivo) de 1994 após anúncio de apresentação intimista em Salvador

João Lucas Dantas
Capa do disco

 

Para celebrar o show beneficente de Gilberto Gil no Teatro Gamboa em Salvador, no dia 22 de dezembro (saiba mais aqui), que foi recém-anunciado como apresentação intimista à voz e violão, em prol de arrecadar dinheiro para salvar o tradicional palco, vamos relembrar o disco em que o cantor baiano fez um dos mais importantes Acústicos MTV, em 1994.

O Unplugged (Ao Vivo) de Gil, que recém completou 30 anos, é um dos discos acústicos mais sofisticados da música brasileira justamente pelo cuidado na escolha dos instrumentos e na construção dos arranjos. Embora faça parte de um formato televisivo, o álbum soa como um trabalho de estúdio extremamente refinado.

Vale lembrar que o cantor também segue com as apresentações da sua última turnê, Tempo Rei, e irá se apresentar na Arena Fonte Nova, também em Salvador, dois dias antes, no dia 20 de dezembro.

O “vazio” como escolha estética

A espinha dorsal do som é justamente o violão, com batidas rítmicas muito marcadas, misturando levadas de baião, samba, ijexá e balada. O violão funciona tanto como instrumento harmônico quanto percussivo, principalmente em faixas como Parabolicamará e Expresso 2222, onde o ritmo nasce mais da mão direita do instrumento do que da bateria.

Um dos pontos mais interessantes desse disco é como o silêncio e o espaço são tratados como parte dos arranjos. Diferente de outros acústicos cheios de participações, o de Gil aposta numa formação enxuta e em melodias que deixam buracos propositais na música.

As canções não são reconstruídas de forma radical, mas desmontadas até a essência. Em Drão, por exemplo, o peso emocional ganha muita força nas pausas e no jeito como os instrumentos entram e saem de grandes crescendos. Vale a revisita, considerando o peso que a canção ganhou nos seus shows recentes, em que sempre dedica à sua filha Preta Gil.

Foto: Reprodução/ Redes Sociais

 

Contexto da gravação

O álbum, produzido pela WEA/Warner Music, foi originalmente lançado em LP, CD, fita cassete e VHS. Ganhou uma edição em DVD somente em 2001, rebatizada simplesmente como Acústico MTV – Gilberto Gil.

Gil gravou este especial em 18 de janeiro de 1994, no Estúdio Cia. de Áudio em São Paulo, para o programa Acústico MTV. A produção executiva ficou a cargo de Beth Araújo e Pedro Bueno, da própria MTV Brasil, mas a crucial produção musical foi assinada por Liminha, que buscavam explorar o formato unplugged dentro da música brasileira.

Este foi um dos primeiros acústicos nacionais, antecedidos pelos trabalhos de Marcelo Nova em 1990, o Barão Vermelho em 1991, e por João Bosco e Legião Urbana, ambos em 1992.

À época, Gil resumiu o projeto como um reencontro com suas raízes sonoras. “Esse acústico foi montado com a intensidade sonora da quietude, que ressalta os timbres mais doces da tradição brasileira do choro e da canção”.

Faixas icônicas

O álbum reúne 16 faixas (nas versões oficiais) que funcionam como um panorama da obra do artista e de suas parcerias mais importantes. O repertório abre com A Novidade, composição de Gil ao lado de Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone, integrantes dos Paralamas do Sucesso, já indicando o espírito de diálogo entre gerações e estilos que marca o disco.

O álbum também valoriza o cancioneiro nordestino com Tenho Sede, de Dominguinhos e Anastácia, além de destacar clássicos autorais de Gil, como Refazenda, Realce e Esotérico, que aparecem em versões mais intimistas e orgânicas. Um dos momentos mais emocionais do disco é Drão, uma canção autobiográfica em que ele reduz o arranjo ao essencial para valorizar a letra e a interpretação.

A presença de parceiros históricos segue com A Paz, escrita com João Donato, e com duas faixas ligadas à obra de Caetano Veloso, com Beira-Mar (parceria entre eles) e Sampa, composição solo de Caetano, reinterpretada por Gil com forte carga afetiva.

Faixas como Parabolicamará e Tempo Rei evidenciam o lado mais filosófico e espiritual do compositor, enquanto Expresso 2222 resgata suas raízes rítmicas com baião e levada marcada. O clima festivo ganha força em Aquele Abraço, uma de suas músicas mais emblemáticas, e em Toda Menina Baiana, que reafirma sua ligação com a cultura afro-baiana.

Um dos pontos altos também é Sítio do Picapau Amarelo, composição que ficou marcada anos depois ao se tornar tema da novela homônima da Rede Globo, funcionando como um bônus que conecta o disco à memória afetiva de várias gerações.

Os músicos que estiveram ao lado do cantor incluem Arthur Maia (contrabaixo), Jorginho Gomes (bateria e bandolim), Celso Fonseca (violão), Marcos Suzano (percussão e flauta) e Lucas Santtana (guitarra e backing vocal). Todos os arranjos foram feitos com esse grupo, sem uso de orquestra ou vocais externos.

Foto: Reprodução/ Redes Sociais

 

 Repercussão crítica

O álbum foi amplamente elogiado. A imprensa brasileira destacou o trabalho de Gil. A revista Vice o elegeu como o melhor Acústico MTV do país, e a Rolling Stone Brasil o incluiu entre os 11 melhores acústicos nacionais de todos os tempos.

Em geral, a crítica nacional viu em Unplugged um trabalho conciso e sofisticado, ressaltando arranjos acústicos e a potente presença vocal. Em âmbito internacional, portais especializados também destacam o álbum (por exemplo, em estatísticas de vendas online ele figura como um dos mais vendidos de sua carreira).

Impacto na carreira de Gilberto Gil

Unplugged fortaleceu ainda mais a posição de Gil no cenário musical. Já reconhecido como um dos maiores artistas brasileiros, ele encontrou no formato acústico uma maneira eficaz de conectar-se com o público jovem dos anos 1990, ampliando sua trajetória consagrada.

O sucesso e a qualidade do álbum renovaram o interesse pelo trabalho de Gil, garantindo-lhe visibilidade em novas mídias (MTV) e reafirmando sua versatilidade. Até hoje, muitas das interpretações apresentadas nesse disco fazem parte de shows posteriores, atestando seu legado duradouro.

O Unplugged de 1994, com sua intensidade de silêncio e sua formação despojada, não é apenas um registro de canções, mas um reencontro de Gilberto Gil com o fio ancestral de sua arte.

Naquele palco simplificado, a alma do violão baiano ressoou como um portal, conectando a sabedoria da Refazenda com a urgência rítmica do Expresso 2222. O que se ouve, em essência, é a voz de um poeta que sabe que a força não está no excesso, mas na pausa. Um testamento atemporal de que a música, quando destilada à sua essência mais pura, pode se transformar em oração, atravessando décadas para nos lembrar do tempo que é Rei e da eterna beleza do abraço.

João Lucas Dantas
Jornalista com experiência na área cultural, com passagem pelo Caderno 2+ do jornal A Tarde. Atuou como assessor de imprensa na Viva Comunicação Interativa, produzindo conteúdo para Luiz Caldas e Ilê Aiyê, e também na Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Salvador. Foi repórter no portal Bahia Econômica e, atualmente, cobre Cultura e Cidade no portal bahia.ba. DRT: 7543/BA

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