Publicado em 12/09/2025 às 05h00.

Wish You Were Here: há 50 anos, Pink Floyd mudava o jogo (de novo)

Uma obra-prima musical que uniu introspecção, crítica social e experimentação sonora, além de refletir uma grande tragédia nos bastidores

João Lucas Dantas
Foto: Aubrey Powell/ Abbey Road Records

 

Difícil achar algo que já não tenha sido dito a respeito da extensa obra da banda inglesa Pink Floyd. Podemos contar pelo menos três momentos em que revolucionaram a música, e ainda seria dizer pouco sobre o grupo. Mas The Dark Side of the Moon, em 1973, mais tarde, o The Wall, em 1979, foram dois grandes marcos não só na história fonográfica, mas na cultura popular.

Há exatos 50 anos, em 1975, o incansável quarteto formado por David Gilmour nos vocais, violão e nas guitarras, Roger Waters também nos vocais e no contrabaixo, Richard Wright (1943–2008) nos pianos e órgão, e Nick Mason na bateria, lançava outra grande explosão no mundo da música. No dia 12 de setembro daquele ano, chegava às lojas o antológico álbum Wish You Were Here.

Contexto histórico

Nono álbum de estúdio do grupo, a tarefa da banda não seria fácil: superar o estrondoso fenômeno comercial The Dark Side of the Moon. Com a pressão de criar um novo marco sonoro, o resultado foi um trabalho marcadamente mais introspectivo e conceitual. Em vez das explorações espaciais e lisérgicas do trabalho anterior, este se voltou para a intimidade de suas próprias vivências, críticas à indústria musical e uma ausência cada vez mais latente.

Foto: Reprodução/ Redes sociais

 

É impossível separar as composições e a melancolia de Wish You Were Here da saída trágica do membro fundador da banda e principal compositor dos primeiros discos, Syd Barrett. Guitarrista, vocalista e compositor, ele moldou o som psicodélico da banda e escreveu quase todo o primeiro disco, The Piper at the Gates of Dawn, lançado em 1967. Suas letras misturavam nonsense, humor britânico e imagens infantis, criando uma atmosfera única que colocou o grupo entre os grandes nomes da cena londrina da época.

Mas, enquanto o Pink Floyd crescia, a saúde mental de Syd começava a se deteriorar. O uso intenso de LSD, aliado a uma possível predisposição a doenças psiquiátricas, fez com que seu comportamento se tornasse cada vez mais imprevisível. Nos shows, às vezes ele simplesmente ficava parado, sem tocar, ou repetia a mesma nota por minutos seguidos. No estúdio, podia recusar-se a gravar ou apresentar ideias desconexas, deixando os colegas sem saber como agir.

No início de 1968, na tentativa de salvar a situação, a banda chamou David Gilmour, amigo de infância do cantor, para assumir parte das guitarras nos palcos. A ideia era que o Pink Floyd tivesse dois guitarristas, com Gilmour cobrindo os momentos em que Barrett “travasse”. Porém, rapidamente ficou claro que ele não conseguia mais acompanhar. A ruptura aconteceu quase de forma silenciosa.

Em janeiro daquele ano, quando iam para um show em Southampton, um dos integrantes perguntou se iriam buscar Syd. A resposta foi curta: “Não, deixa ele lá”. Esse episódio marcou, na prática, a saída de Barrett. A decisão foi oficializada em abril de 1968. Roger Waters diria mais tarde que era impossível continuar com ele, porque simplesmente não estava mais presente de verdade. A banda seguiu em frente e, com Gilmour em definitivo, abriu caminho para a fase dos álbuns conceituais que marcariam a história do rock.

Aparição surpresa

Ainda sobre o ex-Pink Floyd, um dos episódios mais marcantes da gravação do nono álbum foi justamente relacionado a sua aparição inesperada nos estúdios Abbey Road, na capital inglesa.

Era 5 de junho de 1975. A banda estava gravando justamente Shine On You Crazy Diamond, uma longa suíte instrumental que prestava homenagem ao ex-colega, cuja ausência ainda pesava sobre todos. Em meio às gravações, um homem entrou no estúdio. Ele estava completamente diferente: havia engordado muito, tinha a cabeça raspada e até as sobrancelhas depiladas. Usava uma sacola plástica com pertences pessoais e parecia alheio a tudo.

Demorou alguns minutos para que os membros do Pink Floyd percebessem quem era. Foi Richard Wright quem primeiro o reconheceu: era Syd Barrett, o “diamante louco” a quem dedicavam a música. O choque foi tão grande que alguns chegaram a se emocionar. David Gilmour ficou especialmente abalado; Roger Waters chegou a chorar.

Syd se comportava de maneira estranha, distante. Quando perguntaram o que achava da música, respondeu apenas que soava “um pouco antiquada”. Em certo momento, disse que queria voltar para a banda. Pouco depois, partiu sem se despedir.

A visita foi a última vez que os integrantes do Pink Floyd o viram em vida. O episódio reforçou ainda mais o peso emocional de Wish You Were Here e, sobretudo, de Shine On You Crazy Diamond, que se tornou não apenas uma homenagem, mas um retrato vivo da perda de Syd para a doença e para o isolamento.

Foto: Reprodução/ Redes sociais

 

Syd Barrett morreu em 7 de julho de 2006, aos 60 anos, na sua casa em Cambridge, Inglaterra. Ele vivia recluso desde os anos 1970, dedicado à pintura e à jardinagem, após abandonar a carreira musical. A causa oficial foi complicações decorrentes de diabetes.

“Se lembra de quando você era jovem? (Remember when you were young?)
Você brilhava como o Sol (You shone like the Sun)
Brilhe, seu diamante louco (Shine on, you crazy diamond)
Agora há um olhar em seus olhos (Now there’s a look in your eyes)
Como buracos negros no céu (Like black holes in the sky)
Você foi pego no fogo cruzado (You were caught in the crossfire)
Entre a infância e o estrelato (Of childhood and stardom)”
, escreveram Gilmour, Wright e Waters.

Gravações do álbum

As sessões ocorreram de janeiro a julho de 1975 no Abbey Road Studios, mesmo local de trabalhos anteriores. A gravação utilizou sintetizadores (como EMS VCS 3 e Synthi AKS) e múltiplos efeitos de fita, seguindo experiências sonoras do álbum anterior. Segundo a banda, eles inicialmente consideraram até um projeto conceitual experimental (“Household Objects”) antes de definir o tema final. O engenheiro Brian Humphries foi responsável pela maior parte da captação de áudio.

A banda encontrou dificuldades iniciais para compor novos materiais, sobretudo porque o enorme sucesso de The Dark Side of the Moon havia deixado todos física e emocionalmente exaustos. Richard Wright descreveu as primeiras sessões como “um período difícil”, enquanto Roger Waters as considerou “tortuosas”.

Nick Mason, por sua vez, achava o processo de gravação em múltiplas faixas tedioso, e David Gilmour demonstrava maior interesse em aperfeiçoar o que já estava pronto do que em criar algo novo. Gilmour também se mostrava frustrado com o comportamento de Mason, cuja separação conjugal havia provocado desânimo e apatia, refletindo em sua performance.

O próprio baterista admitiu que uma crítica publicada por Nick Kent na NME pode ter influenciado esse cenário, ainda que a banda tenha conseguido se manter unida.

Foto: Reprodução/ Redes sociais

 

Faixas marcantes

Com cinco faixas que somam 44 minutos de duração, clássicos eternizados, mesmo após 50 anos: Shine On You Crazy Diamond (Pts. I–V); Welcome to the Machine; Have a Cigar; a música-título Wish You Were Here; e, por fim, Shine On You Crazy Diamond (Pts. VI–IX).

Este é um álbum muito conceitual, dividido entre peças longas. A primeira e última canção é uma grande epopeia, majoritariamente instrumental, dedicada especialmente a Syd Barrett. Por outro lado, Welcome to the Machine e Have a Cigar são ácidas críticas à indústria fonográfica, que eles conheciam de perto após o sucesso estrondoso do disco anterior.

Essas duas músicas, juntas, denunciam o desencanto do Pink Floyd com a fama e a pressão comercial. São uma crítica tanto ao mercado quanto ao vazio que o próprio status de celebridade trouxe para o grupo. Em Have a Cigar (com vocal de Roy Harper), ironiza-se o executivo desconectado (“By the way, which one’s Pink?”), um retrato sarcástico da ganância e superficialidade que a banda vinha enfrentando.

A faixa-título Wish You Were Here é uma balada acústica nostálgica, que faz a ponte entre o pessoal e o universal. Aborda diretamente a ausência de Syd, com versos sobre almas perdidas e amizade. Seu refrão (“We’re just two lost souls swimming in a fish bowl…”) tornou-se um dos momentos mais emblemáticos da banda, expressando solidão e a busca por autenticidade.

Capa icônica

Os homens de terno apertando as mãos (um deles em chamas) ilustram o conceito de negócio frio e brutal. A agência de design Hipgnosis, com Storm Thorgerson, concebeu a ideia de “ausência” (de humanidade e honestidade) e a concretizou em fotografia real, sem efeitos especiais.

O ensaio fotográfico ocorreu em Los Angeles com homens caracterizados, sendo um deles encapuzado e pegando fogo (disfarçado por uma roupa especial), protagonizado pelo dublê Ronnie Rondell Jr., e obra do fotógrafo Aubrey “Po” Powell. As primeiras edições vinham embrulhadas em plástico preto fosco, ocultando a arte até que o comprador retirasse o selo, reforçando o tema de algo “escondido” até ser revelado.

Na última quarta-feira (10), todos os capas de discos do Pink Floyd foram removidas das plataformas digitais, que aparentemente fazem alusão ao trabalho de marketing realizado à época. O ocorrido levantou dúvidas na internet sobre o que se trata a ação digital, porém, até o momento do fechamento da matéria, a banda ainda não revelou os motivos. Fãs especulam que possa ser um relançamento especial do disco em vinil ou até um possível show de reunião.

Desempenho comercial e recepção crítica

Wish You Were Here foi certificado com disco de prata e ouro no Reino Unido no início de agosto de 1975. Nos Estados Unidos, recebeu disco de ouro em 17 de setembro do mesmo ano e, até maio de 1997, foi certificado como seis vezes platina. Em 2004, o álbum já havia vendido cerca de 13 milhões de cópias em todo o mundo. Também atingiu o número um na Billboard 200 nos Estados Unidos.

Na época do lançamento, as críticas foram inicialmente mistas (alguns consideraram o álbum “inferior” a Dark Side). Contudo, com o tempo, o disco foi reavaliado como um clássico do rock. Atualmente, aparece em listas dos maiores álbuns de todos os tempos e de rock progressivo. O tecladista Richard Wright chegou a chamá-lo de único álbum dos Floyd que ele “podia ouvir só por prazer”.

Impacto Cultural e Legado

Este é considerado um dos álbuns mais influentes do rock progressivo. Consolidou a reputação da banda além da psicodelia, mostrando maturidade lírica e sonora. Pulou em listas de “melhores álbuns” e “prog rock” (Rolling Stone, entre outras). Tornou-se parte do cânone cultural do gênero, sendo referência em documentários e livros sobre a banda.

Na própria discografia do Pink Floyd, situa-se como o último álbum pleno do grupo original antes de tensões que culminariam em The Wall (1979), e é citado por Gilmour e Wright como um dos favoritos pessoais. A cada nova geração de fãs, mantém seu status de obra-prima – testemunhado por reedições comemorativas (como a caixa “Immersion” de 2011) e tributos em shows ao vivo.

Em resumo, o disco deixou legado duradouro ao refletir, através de suas músicas e sua capa icônica, questões universais de alienação, solidão e autenticidade no rock e na arte em geral.

João Lucas Dantas

Jornalista com experiência na área cultural, com passagem pelo Caderno 2+ do jornal A Tarde. Atuou como assessor de imprensa na Viva Comunicação Interativa, produzindo conteúdo para Luiz Caldas e Ilê Aiyê, e também na Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Salvador. Foi repórter no portal Bahia Econômica e, atualmente, cobre Cultura e Cidade no portal bahia.ba. DRT: 7543/BA

Mais notícias

Este site armazena cookies para coletar informações e melhorar sua experiência de navegação. Gerencie seus cookies ou consulte nossa política.