Do tabuleiro ao e-commerce: maternidade que impulsiona o empreendedorismo baiano
Empreender transforma o jogo. Ser mãe também
Por Gabriela de Paula
Terceira reportagem da série especial sobre os desafios de quem é mãe e empreende trazida pelo Bahia.BA em homenagem ao Dia das Mães. São os desafios de gestar e parir uma criança e uma empresa.
Autoriza o árbitro! Suleima levanta, dribla os brinquedos no chão da sala e avança até a cozinha. Lancheira de Chiara em uma mão, equilibra o café na outra. Recua para quarto da filha e… impedimento! Ela não quer acordar. Mas Suleima insiste, refaz a jogada. O relógio está correndo neste primeiro tempo de partida. Na jogada ensaiada, dá banho, escova os dentes, veste a criança, penteia e parte em velocidade para o ataque.
Trânsito caótico no caminho da escola, mas a centroavante desvia dos adversários, para em frente ao portão e… balança a rede! É GOOOLLLL!! 1X0 para a mãe empreendedora, faltando menos de trinta segundos para o sinal do começo das aulas tocar. No intervalo da partida, planeja o fim de semana, organiza a lista de compras, retoca o batom e volta a campo.
Segundo tempo no estúdio do Donas FC. Ajeita o fone, prepara o conteúdo, posiciona-se diante das câmeras — e começa a gravação do programa! O clima é tenso com o entrevistado, que tenta a falta. Mas jogadora experiente faz a finta, ganha na inteligência e bota o episódio no ar. Golaço! 2X0.
Mas a partida não terminou, o juiz dá os acréscimos. Ela entra no carro e volta para buscar Chiara. É o sprint final. Na raça, na categoria. E marca o terceiro! Com direito a abraço apertado de Chiara na porta da escola. São os momentos finais, em casa. Janta, dever, banho, brincadeira. E com a criança na cama, é fim de jogo. A próxima rodada é no fim de semana. Com time reserva: o papai assume a lateral da rotina, enquanto a craque vai fazer bonito na cobertura do estádio.
Parece final de campeonato. Mas a vida real da mãe de Chiara e CEO do Donas FC, Suleima Sena, bem que merecia uma transmissão televisionada com narrador.
Jornalista esportiva com mais de 20 anos de experiência, referência nacional quando o tema é futebol feminino, as conquistas profissionais que incluem dois livros, cobertura de incontáveis campeonatos, Jogos Olímpicos de Paris, a primeira finalíssima feminina do mundo em Wembley, eventos internacionais e a decisão de empreender com seu próprio canal, foram colocadas em perspectiva com a chegada da filha.
“Eu sou uma outra profissional depois que eu me tornei mãe da Chiara. Inclusive o modo como enxergo a cobertura da vida das atletas”, reflete a jornalista. “Sempre fui muito comprometida em mostrar o lado humano do esporte, mas ser mãe me permitiu ser mais empática. Passei a entender na prática o que é conciliar a expectativa da carreira pressão com a responsabilidade de cuidar de alguém. Ou até ter que adiar sonhos por causa disso”.
Suleima está alinhada com o grupo de 37% de entrevistadas da pesquisa “Maternidade e Negócios: a força das mães empreendedoras baianas” que declararam ter aberto seus negócios para realizar um sonho. Dar uma voz feminina ao esporte, especialmente um dos ambientes mais fortemente dominado por homens dentro e fora de campo: o futebol.
Competição desleal aumenta dificuldade para as mães
Se os gramados estão entre os ambientes dos mais hostis às mães, os negócios também não são muito diferentes. A mulher que vende almoço para comprar a janta ainda é tolerada dentro da lógica de guerreira, sobrevivente. Mas quando ela quer assumir a liderança ou crescer para um empreendimento de maior visibilidade, o jogo muda.
“A mulher não recebe tanto apoio, diferentemente do que acontece com os homens. Como é que você vai conciliar esse empreendimento com o fantasma da culpa materna? A mulher sofre muito quando tem que escolher entre a responsabilidade com as crianças e os compromissos empresariais”, explica a gestora do Sebrae Delas, Rosângela Gonçalves
Há também as barreiras culturais. “Quando a mulher aprende a ganhar dinheiro é cobrada pela ausência em casa, coisa que não vemos com os homens que empreendem. São obstáculos adicionais que não podemos ignorar, não enxergar essa realidade seria até desrespeito”, alerta Rosângela.
Estes relatos aparecem nas estatísticas, como é o caso do estudo Estatísticas de Gênero – Indicadores sociais das mulheres no Brasil – IBGE 3ª Edição. Baseado na PNAD, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2022, mostra que 84,9% dos homens da Bahia com idades entre 25 e 54 anos que vivem em lares com crianças menores de seis anos estão trabalhando contra 77,6% daqueles que não têm pequenos.
Com as mulheres, a presença da criança tem efeito inverso: enquanto 45,7% em lares com crianças têm uma ocupação, 56,8% das mulheres nordestinas que não convivem com menores de seis anos declararam trabalhar. E quando olhamos as horas dedicadas ao invisível trabalho doméstico, as mulheres seguem com o maior peso: na Bahia, a média semanal é de 19 horas para elas e de 10,3 horas para pessoas do sexo masculino.
Com menos disponibilidade e apoio, a renda geral por gênero torna-se um espelho dessas dificuldades adicionais. Em média, para cada cem reais ganhos por um homem, a mulher consegue 78,86. Analisando por faixa etária, é possível ver que os rendimentos da mulher em relação aos dos homens vai caindo com o passar do tempo e com a menor disponibilidade para investir na carreira. A proporção é 87,8 dos 14 aos 29 anos, cai para 78,5 dos 30 aos 49 anos, vai para 76,3 dos 50 aos 59 anos e as mulheres finalizam a carreira ganhando 65,8 reais para cada 100 embolsados pelos homens.
Cartão vermelho para as mães
A experiência de ser mãe está entre as vivências mais valiosas de uma vida. Mas não podemos dizer que não tenha seu preço. “Nesse caso, há uma conta a ser pago. Porque tempo é dinheiro. Então quanto menos elas têm para dedicar ao negócio, menos oportunidade a mãe empreendedora tem para evoluir a empresa e ganhar mais dinheiro. Essa conta acaba sendo invisível para a sociedade”, analisa Rosângela do Sebrae Delas.
Esse movimento mais difícil de ser mensurado nos negócios liderados por mães é mais visível nas relações onde há contrato de trabalho. Após o retorno da licença-maternidade, muitas mulheres enfrentam situações de desvalorização profissional, como a exclusão de projetos, a negação de promoções e a imposição de metas inatingíveis. Esse fenômeno é conhecido como “assédio materno” e contribui significativamente para o esgotamento físico e emocional dessas profissionais.
“São fatores que, quando combinados, criam um ambiente hostil que empurra muitas mulheres a abandonar suas carreiras profissionais para se dedicarem integralmente aos filhos, perpetuando a desigualdade de gênero no mercado de trabalho”, lamenta a advogada Carla Borba. Mesmo havendo jurisprudência crescente na seara trabalhista reconhecendo o assédio moral e a discriminação contra mães no retorno da licença, a advogada que atua sob a ótica de gênero vê a aplicação efetiva da lei permanecendo como um desafio, especialmente quando falta sensibilidade e capacitação de operadores do Direito.
Conciliar maternidade e carreira
“Basta a mulher ser mãe e estar presente no jogo para a pergunta vir: a criança ficou com quem?”, relata Suleima que conta que o outro lado da moeda ela nunca viu. Pais atletas, jornalistas, dirigentes nunca são confrontados sobre como dão conta de exercer a paternidade e a profissão. E todo mundo sabe por quê.
Mesmo entre empresárias, o gênero é fator de pressão. Na pesquisa sobre maternidade e negócios do Sebrae, 54% relatam já terem sofrido algum tipo de preconceito por serem mulheres e empreendedoras. Das entrevistadas, 34% dizem ter aprendido a gerir seus negócios pela experiência acumulada na jornada e 20% já procuraram alguma instituição de apoio. Cursos profissionalizantes ou de nível superior somados foram citados por apenas 13%.
Outra dor é o crédito. No Brasil, existem mais de 10 milhões de mulheres donas de negócio. Porém, somente 2,57 milhões já acessaram crédito no sistema financeiro, representando cerca de um terço do total. Apenas 6% das empreendedoras brasileiras contaram com auxílio de instituições financeiras para abrir seus negócios, e a maioria, o equivalente a 78%, começou a empreender com recursos próprios, segundo o Sebrae.
Do total de empreendedoras, 54,9% conciliam as tarefas domésticas e do negócio, sendo um dos fatores apontados por elas que afetam o seu desempenho. Mais de 70% das empreendedoras têm dívidas, sendo que 43% estão com parcelas atrasadas. As mulheres que se enquadram nessa estatística são predominantemente negras, das classes D e E, com faturamento de até R$ 2,5 mil e que empreendem por necessidade.
Aos poucos, surgem iniciativas de apoio às mães. Lançado este ano, o programa Acredita Delas, com crédito voltado a negócios liderados por mulheres, ou o ProCred 360, que reservou R$ 1 bilhão com taxas de juros até 50% menores que as praticadas pelo mercado tradicional. Empresas lideradas por mulheres podem obter crédito de até 50% do faturamento do ano anterior, enquanto os demais negócios têm acesso a até 30%, ambos com um teto de R$ 150 mil.
Empatia materna vira o jogo
Com desafios diferentes de outros empreendedores, as mães que têm negócios precisam de um olhar que considere suas necessidades. Eventos de capacitação com áreas de acolhimento às crianças, como o VCA Cakes que tem Arena Kids para os filhos de confeiteiras, ainda são raros. A pesquisa do Sebrae mostra que 41% das mães deixa de participar dos eventos da instituição por incompatibilidade de horários. Ser mãe solo e não ter com quem deixar os filhos, a falta de espaços infantis e as atividades acontecerem fora do horário escolar também foram citadas.
Iniciativas conduzidas por mulheres, sobretudo por mães, mexe com a estrutura de diversas formas. “O Sebrae Delas nasceu justamente para acolher essas nuances. Oferecemos horários flexíveis, módulos on-line curtos, uso de WhatsApp, espaços para crianças e conteúdos sobre tecnologia para otimizar tempo”, conta Rosângela. Além do impacto direto na vida destas empreendedoras, ter mais mulheres em campo muda também a visão de gênero na sociedade.
Ser mãe e profissional é jogo de ida e volta — sem intervalo, sem VAR, mas com muita entrega. “Eu não tenho dúvidas que ter o meu próprio negócio muda o jogo. Hoje tenho muito mais flexibilidade, consigo priorizar as coisas que realmente importam”, conta. Isso move também o próprio conteúdo do canal. “Me envolvo com aquilo que eu acredito. Sempre foi uma briga muito grande na época que eu trabalhei em veículos tradicionais porque eu queria muito falar sobre futebol feminino. E era uma pauta que nunca era aceita, porque, enfim, já não tinha visibilidade, ninguém valorizava, não dava audiência, tinha sempre uma desculpa, e era uma coisa que me incomodava muito”, lembra Suleima.
E completa com um recado. “Conciliar maternidade e empreendedorismo não é fácil, mas é revolucionário. Porque toda vez que uma mãe decide empreender, ela não está apenas criando um negócio. Ela está criando um novo futuro — para si, para os seus filhos e para outras mulheres que virão depois. A gente não apenas joga o jogo. A gente muda as regras.”
Amanhã, para encerrar a série, vamos contar como as redes femininas têm papel fundamental para tornar a vida das mães mais leve. (O título da reportagem de hoje veio de uma resposta de Suleima Sena)
—
*Gabriela de Paula é jornalista com duas décadas entre redação e comunicação estratégica. Hoje editora-chefe da Ayoo e criadora do “Bom Dia, Futuro” é especialista em tecnologia, inovação e empreendedorismo. Esteve à frente dos microfones na Band News FM, Band TV e Metrópole FM, além de palestrar em TEDx e grandes conferências internacionais. Nerd e bailarina de coração, a mãe de Francisco equilibra pauta e afeto todos os dias.
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