Publicado em 30/05/2025 às 19h30.

Encerramento do FIB 15 destaca papel dos fóruns locais e regionais na governança da Internet

No último dia do evento, em Salvador, lideranças de diferentes iniciativas de governança ao redor do mundo se reuniram para debater os desafios e as perspectivas do modelo multissetorial

Redação
Foto: Robson Faria/NIC.br

 

No último dia do 15º Fórum da Internet no Brasil, realizado em Salvador, na capital baiana, o painel “30 Anos CGI.br – Governança da Internet: conexões entre o local, regional e o global” reuniu lideranças de diferentes iniciativas de governança da Internet ao redor do mundo para debater os desafios e as perspectivas do modelo multissetorial. O encontro refletiu sobre como os fóruns nacionais e regionais têm contribuído para o fortalecimento dessa abordagem, destacando a importância do trabalho intersecional e da escuta ativa das comunidades sub-representadas.

Mediado por Renata Mielli, coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), o painel permitiu espaço para troca de experiências entre representantes da sociedade civil, governos e instituições acadêmicas de diferentes países. “Estamos aqui para ampliar a comunidade que discute os temas digitais e as trocas de experiências. Ela é essencial para o fortalecimento mútuo dessas redes de debate. Essas trocas não acontecem só nos eventos, mas nas várias listas, grupos e iniciativas nas quais a gente consegue construir num trabalho interseccional contínuo”, destacou. A necessidade de ampliar o acesso à Internet e garantir que ele seja significativo e de qualidade foi amplamente destacada pela mesa.

Para Anriette Esterhuysen, o continente africano ainda enfrenta graves problemas estruturais. “A penetração da Internet na África está reduzindo. Não temos infraestrutura suficiente e dispositivos que sejam acessíveis. Essas relações entre sociedade e governos não são fáceis, mas a ideia é criar espaços onde relacionamentos podem ser desenvolvidos”, pontuou. Esterhuysen é ex-presidente do Comitê Consultivo Multissetorial do Fórum de Governança da Internet das Nações Unidas (IGF) e atua nos órgãos dirigentes da Associação de Apoio do IGF e da Rede Sul-Africana de Educação Superior.

Já Jennifer Chung, do FGI Regional da Ásia-Pacífico (APrIGF), chamou atenção para o papel da equidade como princípio fundamental da governança digital: “Equidade é a palavra que temos que ter como alvo para trazer vozes sub-representadas. Precisamos usar nossa força e como cada um de nós promovemos essa abordagem descentralizada e cada vez mais inclusiva para superar obstáculos.”

Na América Central, desafios políticos e estruturais também se impõem. Lia Hernandez, representante dos IGF Panamá e IGF Centro-América, relatou como a região costuma ser invisibilizada nos debates sobre Internet. “Muitas vezes, as coisas acontecem e o impacto da Internet vai para México e Colômbia, e esquecem a região que tem problemas de garantias fundamentais.” Ela destacou o caso de El Salvador, onde leis autoritárias ameaçam a liberdade de expressão, e chamou atenção para as desigualdades internas no Panamá.

A experiência brasileira também foi ressaltada por Renata Mielli, ao lembrar que o acesso de qualidade continua sendo um desafio nacional. “Não basta estar conectado, tem que ser de qualidade e ter impacto na vida das pessoas”, destacou a mediadora.

Anja Gengo, especialista em programas e ponto focal para iniciativas nacionais, regionais e juvenis do Secretariado das Nações Unidas para o Fórum de Governança da Internet (IGF), compartilhou o processo de crescimento dos fóruns a partir da perspectiva histórica. “É impressionante como as comunidades conseguiram fazer isso, e triplicamos os eventos. Quando a gente faz a revisão dos 20 anos da Cúpula da Informação, a gente tem que pensar o valor do IGF como estrutura de comunidade, com a emergência dos diferentes. É quantidade com qualidade”, enfatizou. Segundo ela, os programas e reuniões anuais são muito bem estruturadas e conseguem atingir o mundo na totalidade.

Suzete Centeio, do IGF Cabo Verde, destacou a experiência brasileira como fonte de inspiração para a criação do Fórum de Governança da Internet de Cabo Verde, que nasceu em 2020. “O Fórum de Cabo Verde é constituído por um grupo organizador, formado por governo, setor privado (operadoras de telecomunicações), sociedade civil e universidades”, disse. De acordo com Centeio, cinco fóruns locais já foram realizados, inclusive na Ilha de São Vicente. Antes dessa experiência, os demais tinham sido feitos na Ilha de Santiago, capital do país. “É bem complicado ir para outras ilhas, porque às vezes não tem infraestrutura”, lamentou.

Por fim, Lilian Chamorro Rojas, do Foro de Governo de Internet da América Latina e do Caribe LACIGF, elegeu em sua fala o mecanismo de horizontalidade, pois, em geral, “não é o que muitos grupos fazem”. “Temos trabalhos que são muito mais hierárquicos, então precisamos reconhecer que não é tão fácil trabalhar nesses meios. Em relação à inclusão de outras comunidades, principalmente indígenas e afrodescendentes, essas comunidades têm processos de governança local em seus territórios, apesar de não darem esse nome. O desafio é fazer com que essas comunidades se integrem nessas discussões”, completou.

30 anos tecendo a Internet no Brasil: histórias do CGI.br

O último dia da programação do FIB15 também foi marcado pelo compartilhamento de relatos sobre os 30 anos de existência do Comitê Gestor da Internet no Brasil. As histórias foram contadas no painel “30 anos tecendo a Internet no Brasil: histórias do CGI.br”, realizado na tarde desta sexta-feira (30), e reuniu conselheiros do órgão. Veja alguns relatos:

Renata Mielli, coordenadora do CGI.br, primeira mulher no posto em 30 anos de existência do comitê

“Para quem não sabe, tenho uma história de vida de militância na sociedade civil e, acidentalmente, parei aqui, representante do governo federal. Eu já acompanhava o CGI.br há muitos e muitos anos. Em 2015, eu era coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. A gente tinha uma campanha pela regulação democrática dos meios de comunicação no Brasil, e estávamos lá no evento internacional, o Fórum Global da Internet (IGF), acontecendo em João Pessoa. A presidenta Dilma iria participar do IGF. Como toda boa sociedade civil, construímos uma ação, uma intervenção política dentro do IGF. Abrir cartazes e fazer a reivindicação que, na verdade, não tinha diretamente relação com a pauta do IGF, mas era nossa campanha pela regulação.

‘Regula já, Dilma’. A gente abriu cartaz lá, no auditório da ONU, no evento da ONU. E a polícia da ONU, que a gente nem sabia que existia, veio para cima da gente, tirou os cartazes e nos expulsou do IGF, porque era proibido fazer manifestações políticas em território da ONU. Eu nem sabia o que era o território da ONU, como a gente conversa. Para mim, a gente estava na Paraíba. Eis que foi uma confusão. Quem que foi nos salvar? O Comitê Gestor da Internet no Brasil. E o professor Blaser fez toda a intermediação junto ao secretário-geral do IGF para que nós pudéssemos nos manter participando.”

Hartmut Glaser, secretário executivo do CGI.br

“Em 1996, um ano depois da criação do Comitê Gestor e da Norma 4, eu fui para a FAPESP, que foi o embrião de toda a estrutura que hoje é o Comitê Gestor, mas tinha uma história que começou antes com a Internet, e o DM era responsável. O Demi Getschko resolveu tirar umas férias, e o novo presidente da FAPESP — eu já tinha sido assessor dele na universidade — me levou junto para a diretoria. E, sinceramente, eu não sabia de nada. Eu era usuário da Internet. Eu já usava na universidade, mas estrutura nem da criação do CGI eu tinha tomado conhecimento, porque isso era administração. O professor Lange, o diretor da FAPESP, falou: ‘Você está dentro da Rede Acadêmica do Estado de São Paulo’. Foi o primeiro rascunho de pensar no registro BR, um pouco da segurança. Nos ajudou bastante que a rede acadêmica já tinha algumas atividades que eram exatamente essas que hoje o Brasil todo está usando. Então, eu me sinto um pouquinho responsável por rascunhar algumas coisas que evoluíram, felizmente, muito melhor do que estava naquele papel. Trinta anos tem muita coisa para contar. O grande sucesso é que a semente brotou.”

O painel também contou com a participação de: Ana Cristina Neves, Anja Gengo, Anriette Esterhuysen, Carlos Alberto Afonso, Cristina De Luca, Demi Getschko, Eduardo Parajo, Ernesto Majó, Everton Lucero, Flávia Lefévre, Flavio Wagner, Janyel Leite, José Carlos Vaz, Leonilde Tatiana Santos, Luanna Roncaratti, Luisa Ribeiro Lopes, Oscar Robles, Paulo Rená, Priscila Costa Schreiner, Raúl Echeberría, Rodrigo Assumpção, Rodrigo De La Parra, Sérgio Amadeu, Silvana Bahia, Veridiana Alimonti e Wolfgang Kleinwächter.

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