Publicado em 20/11/2018 às 12h04.

Novembro sempre será um mês de luta por igualdade; precisamos subverter ao capital

Artigo de Luiz Carlos Suíca

Redação
Foto: Max Haack/ Ag. Haack/ bahia.ba
Foto: Max Haack/ Ag. Haack/ bahia.ba

 

Por Luiz Carlos Suíca*

Independente de governos, de partidos ou de iniciativas financeiras públicas ou privadas, o mês de novembro deve seguir como um período de luta por igualdade racial. E não só no mês de novembro, mas durante todo o ano. Temos as armas, só precisamos ter atitude e mudar a realidade para que não fiquemos estagnados e dependentes, ou subservientes ao modelo perverso do capital. Zumbi, Dandara, Luísa Mahin, Ganga Zumba, Mestre Moa do Katendê, Mãe Hilda Jitolú, Maria Felipa e tantos outros foram protagonistas de seus tempos e não meros espectadores. Precisamos retomar nosso trabalho de base e deixar de sermos dependentes de governantes brancos seja de direta ou se esquerda.

Ser independente tem um custo. E as vezes é importante ouvir quem os criticam do que dar ouvidos àqueles que os bajulam. Então, o movimento negro no país e, principalmente na Bahia, não deve esperar nada para ter suas ações afirmativas com a temática sobre Consciência Negra. Eu espero apenas que Zumbi não seja esquecido diante das dificuldades, que nós sabemos que são muitas. Mas nenhuma pode impedir de celebrarmos com poder o 20 de novembro. A população negra e quem luta por igualdade chegaram até este momento da história pela própria conta, com muito suor e sangue derramados.

Se a gente reparar bem, assistindo produções com temáticas negras, como ‘A Escrava Branca’ e ‘Escrava Anastácia’, por exemplo, e que envolvem diretamente o movimento, é claro que vamos identificar pessoas brancas que se solidarizaram com a nossa luta. As vezes não entendiam, ou até usufruíam da condição do nosso povo, mas se sentiam solidários, se união à luta. Mas a solidariedade é muito simbólica. Assim como tinham algumas poucas pessoas brancas que participaram diretamente dos conflitos, foram presas e mortas defendendo negros.

Mas nós construímos um caminho de luta, de batalhas, e que nos faz estar neste posto atual. A nossa e a próxima geração, depois dos governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), encontrarão um caminho adubado. Vão encontrar pavimento, nossas filhas e netas terão um caminho de conhecimento que nós buscamos às duras penas. Cito como exemplo o Ilê Aiyê – que conseguiu ser mais que um bloco de carnaval. Conseguiu colorir a cidade de Salvador. Quando vestia o dorso na cabeça, era empregada doméstica. Quando vestia vermelho era a cor para chamar mais a atenção. Isso deu identidade!

Nós somos escravizados, ainda somos os mesmos, mas nós construímos nossa resistência. E depois desse caminho, agora a marcha se dividiu entre Curuzu (Liberdade) e Campo Grande. A marcha acontecia há 39 anos e com a divisão criaram um fórum. Então há 20 anos a marcha do Curuzu leva muito mais gente, porque acabam levando os melhores e maiores blocos afros para lá. E no Campo Grande acontece outra marcha que é a da Conen – Coordenação Nacional de Entidades Negras. Que passou a ser chamada de ‘Convergência Negra’. Mas infelizmente não existe ‘convergência’ e sim divergência. A partir do momento que os interesses individuais são colocados em pauta e não exista união e apoio mútuo é divergência. Acho um absurdo dizer que determinados eventos não vão acontecer porque o governo do estado ou qualquer outro não entende ou deixou de apoiar a atividade que faz parte do calendário cultural do ano.

Até entendo que esses eventos devam sim fazer parte do calendário, mas de luta. Blocos como Olodum e Ilê Aiyê são tradicionais, possuem respaldo para que tenham seus eventos no calendário anual. Mas isso não tem de ser bancado de forma sistemática pelo governo, até porque as nossas lutas, elas não só fizeram blocos de carnaval. E elas não criaram esses blocos como ferramentas. Elas fizeram também outras figuras: cantores negros, advogados negros, empresários negros, artistas negros. Vários outros negros que tiveram recursos para continuar a lutar por igualdade.

O que não precisamos é de migalhas, de esmolas. Se juntasse todos os negros que são políticos ou exercem um cargo de poder na Bahia, com certeza as duas marchas teriam mais recursos que um apelo dos governos brancos, que todos os governos são brancos, seja ele de direita ou de esquerda. No dia que se lembra a morte de Martin Luther King, nos Estados Unidos, é festa. Porque lá, o povo tem consciência de que ele foi um marco e um herói. Isso foi estabelecido nas escolas, foi ensinado ao povo. Aqui, Zumbi não é porque para a gente ele era um fantasma, metia medo. E isso foi o que os brancos nos contaram ao longa da história.

Não entendo quando tem essa questão de que a marcha ou um evento não vai acontecer porque o governo não quer financiar. Mas o governo dá dinheiro para outros artistas brancos para tocar no carnaval. E faz e acontece com outros artistas brancos quando querem realizar um evento. Mas se a gente não se revolta com isso, as vezes até vai para os shows patrocinados pelo governo, e somos os maiores consumidores deste estado temos, estamos apenas reforçando. É preciso parar de consumir o que o governo nos dá. Por quê nos Estados Unidos a ‘Coca-Cola’ banca diferentes eventos? E em outros país bancam também? Se nosso povo negro é o maior consumidor desses produtos na Bahia, por qual razão não ter patrocínios deles também?

Ainda nos Estados Unidos, os Panteras Negras se organizaram em partido. Foram para a luta e deram base para outros movimentos.
Foi fundado em 1966, e o grupo prometia patrulhar os guetos (bairros negros) para proteger seus moradores contra a violência policial.

Ao final, tiveram de renunciar às ações violentas e dedicar-se a serviços de assistência social nas comunidades negras pobres. E precisamos cuidar dos nossos e entender como funciona na prática o fato de sermos maioria.

Mas se o povo parar de consumir tais produtos, as empresas vão procurar saber o que tem acontecido e vai querer mudar a estratégia, ou correr o risco de falir. Para vender terá de também apoiar o projeto em curso. E tem mais, como é que o governo vai bancar uma resistência contra ele? No processo político é do mesmo jeito. Alguns fazem apologia para votar em negro, mas faz campanha para os brancos. Se o movimento negro ou um grupo não apresentar um candidato negro para a prefeitura de Salvador, o governo do estado vai apresentar dois brancos e vão aceitar naturalmente.

Não aceito ser subalterno! Tem inúmeras relações e precisamos cuidar mais dos nossos semelhantes. E tem vários casos atuais que são contra o nosso povo. Por exemplo, a redução de investimentos em cultura, o congelamento de gastos em educação e saúde, e quem vai sofrer com a retirada dos médicos cubanos do Brasil? O povo pobre e negro, que é a maioria. Como é que um cantor de bloco afro ganha somente R$ 200 para cantar no carnaval? E temos tantos outros casos.

Uma caminhada do 20 de novembro tem de ser construída por militantes, por ativistas negros. Músico é um ser revolucionário neste processo. Músico é artista em um show, mas ali ele deve lutar. É uma marcha de protesto! E nós que vamos para as ruas somos militantes. Não tem como pedir um valor alto para o governo e pagar R$ 200 reais para um cantor, e o restante ninguém viu. Discordo disso. Em relação ao governo, seja ele de direta ou de esquerda, vai nos ajudar de acordo com sua conveniência.

Nos governos de Lula, por exemplo, foram tempos de glória. Secretaria especial com status de ministério, cotas, acesso à educação e saúde. Combate à pobreza e tantas outras políticas públicas que nos armaram para que pudéssemos continuar lutando. Esses governos a gente precisa reconhecer. Quem não reconheceu isso de verdade, acha que o governo precisa é dar dinheiro. Se acomodou e agora só pensam em grana. E agora, entendo eu, Lula está nos chamando de novo para a luta. Com as armas que durante o seu governo ele nos deu.

Precisamos reconhecer que Lula nos deu as armas para que continuássemos lutando. Intelectuais negros nas universidades, a força dos governos locais e dos tambores regionais. Não podemos ser silenciados por nós mesmos. E agora precisamos reconhecer que nós precisamos ir para a luta nas ruas sem precisar do governo, seja ele federal, estadual ou municipal. Independente de qual governo seja ou de qual mês seja, sempre devemos nos manter na luta. O novembro negro deve ser um movimento de luta.

*Suíca é historiador e vereador de Salvador pelo PT

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