Publicado em 06/08/2025 às 13h59.

80 anos de Hiroshima: cicatrizes da bomba atômica ainda marcam o mundo

Ataque nuclear dos EUA em 1945 matou milhares e encerrou a Segunda Guerra; impacto ainda ecoa na política, na memória coletiva e na história

João Lucas Dantas
Foto: Wiki Commons/Reprodução

 

Há 80 anos, às 08h15 do dia 6 de agosto de 1945, acontecia uma das maiores tragédias da história moderna. A cidade de Hiroshima, no Japão, era atingida por uma bomba atômica, a Little Boy, lançada pelos Estados Unidos a partir do bombardeiro B-29 Enola Gay, pilotado pelo coronel Paul Warfield Tibbets Jr. A explosão devastaria toda a região atingida.

Alguns analistas afirmam que a medida foi necessária para encerrar a Segunda Guerra Mundial e salvar vidas. Outros argumentam que foi um ato profundamente imoral e desnecessário, que matou dezenas de milhares de pessoas inocentes. O que é indiscutível é o impacto duradouro desses ataques.

O Enola Gay decolou da ilha de Tinian (uma das três Ilhas Marianas) às 2h45. Às 5h52, sobrevoou Iwo Jima, de onde seguiu rumo a Hiroshima. A cidade localizada na ilha de Honshu foi escolhida como alvo por estar relativamente intacta dos bombardeios anteriores da guerra — o que permitiria observar com clareza os efeitos da nova arma. Documentos históricos indicam que a intenção era causar um impacto “espetacular” e demonstrar ao mundo o poderio americano.

Desenvolvimento do poderio atômico

Entre 1942 e 1946, os Estados Unidos, em colaboração com o Reino Unido e o Canadá, desenvolveram o projeto de construção de bombas atômicas, batizado de Projeto Manhattan. A liderança militar ficou a cargo do general Leslie Groves, e a direção científica foi entregue ao físico Julius Robert Oppenheimer — como retratado no filme Oppenheimer (2023), de Christopher Nolan.

Cerca de 130 mil pessoas estiveram envolvidas no projeto, que mudaria para sempre o rumo da ciência e da geopolítica global. Ao todo, 21 prêmios Nobel foram concedidos a cientistas que participaram direta ou indiretamente da iniciativa.

Foto: U.S. Air Force

 

Contexto histórico

No verão de 1945, os Estados Unidos estavam em guerra com o Japão há três anos e meio, desde o ataque surpresa japonês à base naval de Pearl Harbor, no Havaí, em 7 de dezembro de 1941.

O episódio levou Washington a declarar guerra ao Japão e entrar oficialmente na Segunda Guerra Mundial. Com o agravamento do conflito no Pacífico, os EUA decidiram empregar bombas atômicas como forma de forçar a rendição japonesa.

Em 26 de julho de 1945, o então presidente americano, Harry Truman, emitiu o Ultimato de Potsdam, exigindo a “rendição incondicional” do Japão — ou, caso contrário, enfrentaria “destruição total e imediata”. A declaração, embora contundente, não mencionava explicitamente o uso de armas nucleares³.

Efeitos imediatos e destruição

A explosão matou cerca de 140 mil pessoas em Hiroshima até o final de 1945 — número que inclui tanto as mortes imediatas quanto aquelas causadas por queimaduras e radiação nas semanas e meses seguintes. Três dias depois, em 9 de agosto, outra bomba, chamada Fat Man, foi lançada sobre Nagasaki, matando aproximadamente 74 mil pessoas.

Em 15 de agosto de 1945, o Império Japonês anunciou sua rendição incondicional, encerrando a Segunda Guerra Mundial.

A explosão em Hiroshima gerou uma onda de calor de mais de 4.000 °C, atingindo um raio de aproximadamente 4,5 km. Estima-se que entre 50 mil e 100 mil pessoas morreram no momento da explosão. Cerca de dois terços dos edifícios da cidade — aproximadamente 60 mil construções — foram destruídos.

As principais causas das mortes imediatas ou de curto prazo foram:

  1. Ondas de calor: cerca de 20% a 30% das mortes num raio de 1,2 km do hipocentro foram causadas por queimaduras letais;

  2. Ondas de choque: a força da explosão lançou pessoas a vários metros, ferindo ou matando instantaneamente;

  3. Radiação ionizante: a liberação de raios gama e nêutrons, além da exposição prolongada a isótopos radioativos como césio-137 e iodo-131, contaminou a população e o ambiente. Uma “chuva negra” carregada de material radioativo caiu cerca de 20 minutos após a explosão, atingindo uma área de 11 km por 19 km.

 

Foto: US ARMY AIR FORCES OFFICIAL

 

Repercussão atual

O papa Leão XIV expressou em comunicado que, “em nossa era de tensões crescentes e conflitos globais”, Hiroshima e Nagasaki continuam sendo “lembranças vivas dos horrores profundos causados pelas armas nucleares”.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, alertou que “as mesmas armas que causaram tanta devastação em Hiroshima e Nagasaki são novamente tratadas como ferramentas de coerção”.Os bombardeios a Hiroshima e Nagasaki foram o único uso de armas atômicas em tempos de guerra.

Como ferramentas de coerção. Os bombardeios a Hiroshima e Nagasaki foram, até hoje, o único uso de armas atômicas em tempos de guerra.

Foto: Reprodução/ Universal

 

Adaptações cinematográficas 

Após o lançamento do filme Oppenheimer, o diretor James Cameron (Avatar, O Exterminador do Futuro, Titanic) reacendeu o debate sobre a representação dos bombardeios atômicos no cinema ao comentar a abordagem de Christopher Nolan no longa. Segundo Cameron, o filme — apesar do sucesso mundial e do reconhecimento no Oscar — evitou mostrar as consequências diretas das bombas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki em 1945. Para o diretor, a decisão de Nolan de focar exclusivamente na perspectiva do protagonista, J. Robert Oppenheimer, resultou em um “desvio moral”, por não expor o sofrimento das vítimas japonesas.

Em entrevistas recentes, Cameron destacou que, embora admire a qualidade técnica e narrativa do filme, sentiu falta de uma representação mais explícita dos horrores vividos pela população atingida. Ele ressaltou que há apenas uma breve cena em que o personagem principal reage a imagens do pós-bombardeio, mas considerou que o filme “evitou o tema central” ao não mostrar diretamente a devastação causada pelas explosões nucleares.

Com o anúncio do projeto Ghosts of Hiroshima, cresce a expectativa em torno da abordagem que James Cameron dará ao tema. O diretor já sinalizou que pretende mostrar, de forma realista, a experiência dos sobreviventes e o impacto duradouro das bombas atômicas. A proposta é ampliar o olhar sobre um dos episódios mais marcantes do século XX, contribuindo para a reflexão sobre as consequências da guerra e o papel do cinema na preservação da memória coletiva.

O novo filme ainda não tem data de estreia definida, mas promete reacender discussões sobre ética, responsabilidade histórica e representação cinematográfica de tragédias humanas.

João Lucas Dantas

Jornalista com experiência na área cultural, com passagem pelo Caderno 2+ do jornal A Tarde. Atuou como assessor de imprensa na Viva Comunicação Interativa, produzindo conteúdo para Luiz Caldas e Ilê Aiyê, e também na Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Salvador. Foi repórter no portal Bahia Econômica e, atualmente, cobre Política e Cultura no portal bahia.ba. DRT: 7543/BA

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