Desigualdade de gênero impede desenvolvimento sustentável, diz Cepal
Mulheres estão sub-representadas na América Latina e no Caribe
Por Marieta Cazarré
O relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) divulgado hoje (28) em Santiago, no Chile, afirma que as desigualdades de gênero são obstáculo ao desenvolvimento sustentável na região e que as mudanças no cenário são manifestação de urgência em avançar na direção de modelos que dêem maior autonomia às mulheres.
“As mulheres ainda estão sub-representadas nos campos da ciência, tecnologia, engenharia e matemática, o que limita suas possibilidades de melhor inserção econômica”, diz o estudo, apresentado na 14ª Conferência Regional sobre Mulheres na América Latina e no Caribe, que começou hoje na sede da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), na capital chilena.
O encontro, organizado pela comissão com apoio da ONU Mulheres, tem como tema central a autonomia das mulheres em cenários econômicos em mudança.
Tecnologia
A automação do trabalho, com máquinas substituindo o trabalho de pessoas, trará mudanças na organização do trabalho remunerado. O estudo que 50,1% das mulheres da região desempenham trabalhos ou serviços não qualificados, ocupações com alta probabilidade de automação.
“São menores as possibilidades para as pessoas que ainda encontram dificuldades no acesso a serviços tecnológicos ou para os setores da população em que persistem problemas de conectividade. Isso ameaçaria especialmente as pessoas que estão na pobreza, entre as quais há maior concentração de mulheres, assim como a população rural ou indígena, grupos ainda com deficiências no acesso a serviços tecnológicos ou que enfrentam problemas de conectividade e até dificuldades no acesso à eletricidade.”
Segundo o relatório, intitulado A autonomia das mulheres na mudança de cenários econômicos, o desafio é impedir que o emprego seja ainda mais polarizado e as disparidades socioeconômicas e de gênero aumentem à medida que gera novas elites “digitais”, bem como um grupo de “excluídos digitais”.
O estudo também traz um capítulo dedicado à reflexão da violência nos meios digitais. Apesar de não existirem muitos estudos nessa área, estima-se que, no mundo, cerca de 73% das mulheres já se sentiram expostas ou experimentaram algum tipo de violência online.
Brasil
Ao referir-se à situação brasileira, o texto diz que “no Brasil, uma pesquisa sobre violência contra mulheres realizada em 2019 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que 27,4% das brasileiras com 16 anos ou mais sofreram algum tipo de violência nos últimos 12 meses. Entre elas, quase uma em cada dez (8,2%) relatou que o episódio mais grave ocorreu pela internet. Os dados são significativamente superiores aos registrados na pesquisa realizada em 2017, quando apenas 1,2% das mulheres afirmou que sofreu algum tipo de violência na internet”.
O informe reconhece que houve avanços na implementação de políticas públicas nas três dimensões da autonomia das mulheres: física, econômica e tomada de decisão. Mas ressalta que ainda existem desafios a serem superados.
Desafios
Um dos maiores desafios da desigualdade de gênero na região é a divisão sexual do trabalho e a injusta organização social do cuidado, diz o informe. As mulheres passam três vezes mais tempo dedicadas ao trabalho doméstico e aos cuidados não remunerados do que os homens e são as principais responsáveis pelo cuidado dos idosos.
No relatório, o Brasil foi citado como um exemplo positivo nessa área.
“No Brasil, há um reconhecimento institucional da atividade assistencial como um trabalho profissional. Em 2002, a atividade de cuidadores profissionais foi incorporada no marco da nova Classificação Ocupacional Brasileira (COB). Esta atividade inclui aqueles que cuidam de bebês, crianças, jovens, adultos e idosos, com base em objetivos estabelecidos por instituições especializadas ou diretamente responsáveis, garantindo bem-estar, saúde, alimentação, higiene pessoal, educação, cultura, recreação e lazer da pessoa assistida”.
Feminização
Na América Latina e no Caribe, observa-se a chamada “feminização” da velhice: para cada 100 homens com 60 anos ou mais, existem 123 mulheres na mesma faixa etária, enquanto, no caso da população de 80 anos ou mais, o número chega a 159 mulheres para cada 100 homens.
Segundo a Cepal, é necessário redobrar esforços para elaborar políticas públicas de igualdade que reconheçam a contribuição das mulheres para a economia por meio do trabalho doméstico e de cuidados não remunerados, e que promovam uma distribuição mais justa das cargas de trabalho.
“Se os estados não fornecerem serviços e benefícios públicos adequados, as famílias e, em particular, as mulheres, terão que responder individualmente, cada vez mais, às demandas de atendimento aos idosos, muitas vezes à custa de sua participação no mercado de trabalho, bem-estar e realização pessoal”, afirma a Comissão.
Renda
O número de mulheres sem renda própria diminuiu de 41,0% em 2002 para 27,5% em 2018; no entanto, esse último percentual ainda é maior que o de homens na mesma situação (13,1%).
Isso implica que cerca de um terço das mulheres na região depende inteiramente de outros para sua subsistência, o que se soma ao fato de serem maioria da população em situação de pobreza. A situação de pobreza (que inclui 18 países) aumentou de 105 mulheres para cada 100 homens em 2002 para 113 mulheres para cada 100 homens, em 2018, segundo os dados da Cepal.
Em um contexto global de crescente expansão e volatilidade dos mercados financeiros, impõe condições desfavoráveis de acesso ao crédito para as mulheres. Os montantes de crédito em vigor para elas é equivalente a 57% do montante recebido por homens no Chile; 67% no caso da Costa Rica; e 59% no caso da Guatemala.
A conferência, organizada pela Cepal com apoio das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres), contará com a presença de Isabel Plá, ministra da Mulher e Igualdade de Gênero do Chile; Alicia Bárcena, secretária executiva da CEPAL; Carolina Valdivia, subsecretária de Relações Exteriores do Chile; Mariella Mazzotti, diretora do Instituto Nacional da Mulher (Inmujeres) do Uruguai; Åsa Regnér, vice-diretora executiva da ONU-Mulheres, e Silvia Rucks, coordenadora residente do sistema das Nações Unidas no Chile. Devem participar também representantes de organizações da sociedade civil, do setor acadêmico e de organizações intergovernamentais.
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