CCJ adia votação da PEC das Praias
Pela proposta, particulares poderão adquirir essas áreas mediante pagamento, enquanto estados e municípios serão contemplados de forma gratuita
Após pedido de vista, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) adiou a votação da proposta de emenda à Constituição (PEC 3/2022) que transfere a propriedade de terrenos de marinha, também chamada de PEC das Praias. Pela proposta, particulares poderão adquirir essas áreas mediante pagamento, enquanto estados e municípios serão contemplados de forma gratuita.
O parecer favorável foi apresentado pelo relator, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Não há uma nova data definida para que a matéria retorne à pauta da comissão.
Segundo matéria da Agência Senado, a proposta foi aprovada pela Câmara dos Deputados após 11 anos de tramitação (era inicialmente identificada como PEC 39/2011) e busca resolver antigos conflitos envolvendo a União e os ocupantes dos terrenos de marinha, assim chamados porque, desde o período colonial, reservam faixas próximas ao litoral e às margens de rios para a proteção territorial. Normalmente, eles ficam perto das praias e podem ser ocupados por prédios, hotéis, bares, vilas de pescadores, etc.
O relator, Flávio Bolsonaro, argumenta que os terrenos de marinha são fonte de insegurança jurídica quanto à propriedade de edificações, especialmente porque muitos terrenos vieram a ser adquiridos por particulares, sem saber que tais imóveis pertenciam à União, que cobra taxas pela ocupação, o laudêmio.
Em maio, a PEC foi tema de audiência pública na CCJ, quando alguns convidados destacaram o que consideram ser os riscos de sua aprovação, especialmente relacionados à degradação do meio ambiente e ao surgimento de conflitos fundiários. Na época, e também nos últimos dias, campanhas nas redes sociais criticaram a proposta por supostamente permitir a privatização das praias.
Durante a leitura do seu voto, Flávio Bolsonaro destacou que o texto contém um dispositivo reforçando que as praias são bens públicos de uso comum do povo, de forma que o acesso ao mar por meio delas continua livre, exceto quando houver restrições por motivo de segurança nacional ou se determinado trecho estiver incluído em área protegida por legislação específica. O parecer afirma que não será permitido o uso do solo de modo a impedir ou dificultar o acesso da população às praias.
Segundo o relator, o objetivo dessa emenda é deixar claro que o uso das praias não deverá ser afetado pela transferência dos terrenos de marinha “e eliminar quaisquer dúvidas e questionamentos nesse sentido, que embora infundados, possam vir a se sobrepor ao texto”. O relator reforçou que a PEC não muda o regime jurídico e o tratamento das praias pela Constituição.
“Eu peguei o que diz a legislação federal hoje sobre praia e estou colocando na PEC. As praias são bens públicos, de uso comum do povo, sendo assegurado sempre livre e franco acesso à elas e ao mar, em qualquer direção e sentido. Ressalvados os trechos reservados à segurança nacional ou protegidas em áreas protegidas por legislação específica, não sendo permitida qualquer forma de utilização do solo que impeça ou que dificulte o acesso das populações às praias nos termos dos planos diretores dos respectivos municípios.”
No entanto, um dos autores do pedido de vista, senador Rogério Carvalho (PT-SE), afirmou que o dispositivo “piora ” o texto já que, segundo ele, deixaria sob responsabilidade dos municípios quando da elaboração dos seus planos diretores, o acesso ou não à praia.
“[O projeto] condiciona ao plano diretor o que pode ser ou que não pode ser de livre acesso. Portanto, ele piora o projeto de lei dele. Segundo, os ricos, que mais têm terreno de Marinha, guardando e fazendo especulação imobiliária, ficam livres de pagar o laudêmio e ficam livres de indenizar a União. Porque aqueles que têm um imóvel, aqueles que moram em cidades costeiras e que têm o imóvel, nós somos favoráveis a que sejam isentos e que receba este imóvel. Agora o setor empresarial que têm milhares de metros quadrados à beira mar, sem contar o momento em que vivemos de crise climática, ampliando a possibilidade de ocupação das áreas costeiras sem nenhum tipo de estudo.”
Laudêmio
O Decreto-Lei 9.760, de 1946, considera terrenos de marinha aqueles localizados na faixa de terra que começa 33 metros depois da linha média da maré alta demarcada em 1831, ano em que os foros e laudêmios começaram a ser incluídos no Orçamento. Tais terrenos podem ser concedidos para a ocupação de particulares de forma vitalícia ou temporária, mediante pagamento de taxas que variam conforme o regime de concessão e que são denominadas foro ou taxa de ocupação, conforme o caso. Ha ainda uma taxa cobrada quando ocorre a transferência de domínio de um particular para outro. Os tributos serão extintas a partir da promulgação da emenda constitucional oriunda da PEC.
De acordo com o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, existem aproximadamente 565 mil terrenos de marinha utilizados por terceiros.
Conforme a PEC 3/2022, a União transferirá todas as terras de marinha, exceto aquelas usadas para serviço público federal, como as que contêm instalação portuárias, as abrangidas por unidades ambientais federais e as que não estiverem ocupadas.
O instituto de terreno de marinha também é extinto pela PEC com a revogação do inciso VII do artigo 20 da Constituição, que enumera os bens da União. Por meio de emenda, Flávio Bolsonaro estende o prazo previsto no projeto original para que o governo efetue as transferências de dois anos para cinco anos.
Estados e municípios receberão gratuitamente os terrenos de marinha onde estiverem instalados serviços públicos estaduais e municipais sob concessão ou permissão. Também será gratuita a transferência onde houver habitações de interesse social, como vilas de pescadores.
Fundo de preservação
Já os ocupantes particulares deverão pagar pela transferência. Aqueles que estiverem regularmente inscritos junto ao órgão de gestão do patrimônio da União poderão deduzir do valor a pagar aquilo que já tiver sido pago a título de taxa de ocupação ou de foro nos últimos cinco anos, atualizado pela taxa Selic. Os recursos provenientes do pagamento das transferências constituirão um fundo a ser usado pelo governo em saneamento básico e preservação nas regiões de praias marítimas e fluviais de todo o país.
O ocupante que não estiver inscrito poderá comprar o terreno se estiver ocupando o local há pelo menos cinco anos antes da publicação da emenda e comprovar boa-fé.
“Há uma expectativa de R$ 200 bilhões para este fundo, que, no meu ponto de vista, é o maior fundo de preservação de praias já criado na história do nosso país. Portanto, aquelas pessoas que estavam preocupadas com a preservação desses locais, ou com o acesso a esses locais, estão plenamente atendidas com esse relatório.”
Outra emenda incluída pelo relator prevê a possibilidade de, caso um ocupante de terreno de marinha não tenha interesse em adquirir o título de propriedade, o imóvel continue pertencendo à União.
As áreas não ocupadas poderão vir a ser transferidas para os municípios se forem requisitadas para expansão do perímetro urbano, desde que atendidos os requisitos exigidos pelo Estatuto da Cidade e demais normas sobre planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.
Segundo o relator, as regras estabelecidas pelo projeto vão transformar não apenas todo o litoral marítimo brasileiro, mas também o território de propriedades que se encontram sob influência da maré dos rios.
“E aqui eu estou falando de cidades importantes como Macapá, Fortaleza, Salvador, Vitória, Florianópolis, Rio de Janeiro, Aracaju, Recife. Todas as cidades que possuem hoje essa insegurança jurídica com relação aos terrenos de marinha e que poderia ser resolvido aqui com essa PEC.”
Sem atropelo
O presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (União-AP), rechaçou afirmações que, segundo ele, foram publicadas em matérias jornalísticas nos últimos dias dizendo que ele teria “atropelado” o prazo de discussão ao colocar a matéria na pauta do colegiado desta quarta-feira.
Ele informou que a matéria tramita na CCJ há mais de um ano, período em que foi realizada audiência pública sobre o tema, pautando o projeto 37 semanas após a realização do debate. Para ele, houve respeito aos procedimentos legislativos e tempo suficiente para busca de entendimentos e ajustes no texto
“O que acontece? É muito mais cômodo agredir a presidência da comissão e dizer que a presidência da comissão atropelou. Eu atropelei o quê? Se eu estou há um ano e cinco meses esperando reuniões entre o governo, entre a liderança do governo, audiência pública.”
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