Lula é ovacionado em conferência no Parlamento Europeu; veja vídeo
Ex-presidente participou de evento em Bruxelas, onde defendeu que "o Brasil tem jeito" e disse que pretende construir "economia justa", sem destruir o meio ambiente
Em viagem pela Europa, o ex-presidente Lula (PT) foi aplaudido de pé no Parlamento Europeu após discursar durante a Conferência de Alto Nível da América Latina, em Bruxelas, na segunda-feira (15).
Na ocasião, ao fazer a palestra principal do evento, Lula defendeu que “o Brasil tem jeito” e disse que pretende construir “economia justa”, sem destruir o meio ambiente.
“Quem vive hoje no Brasil, ou acompanha o noticiário sobre o país, tem todos os motivos para estar pessimista. Mas aonde quer que eu vá, faço questão de dizer: o Brasil tem jeito – apesar do projeto de destruição colocado em prática por um bando de extremistas de direita sem a menor noção do que seja cuidar de um país e de seu povo”, declarou.
O evento contou com a participação da presidente da bancada socialista europeia, Iratxe García, que aproveitou a oportunidade para atacar o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (sem partido). “Representa uma peção importante da extrema direita fascista e nazista mundial”, disse, segundo o El País.
Após discursar durante a conferência, Lula foi aplaudido de pé pelos presentes por alguns minutos. Veja o vídeo abaixo:
Parlamento Europeu, 15/11/2021.
O Brasil pode voltar a ser respeitado.pic.twitter.com/rncxx4IliU
— Daniel A. Dourado (@dadourado) November 15, 2021
Discurso de Lula na íntegra:
“Eu quero começar falando não da América Latina, nem da União Europeia, nem de algum país, continente ou bloco econômico em particular, e sim do vasto mundo em que vivemos todos nós – latino-americanos, europeus, africanos, asiáticos, seres humanos das mais diferentes origens.
Vivemos em um planeta que tenta a todo momento nos alertar de que precisamos de novas atitudes e de uns dos outros para sobreviver. Que sozinhos estamos vulneráveis às tragédias ambientais, sanitárias e econômicas. Mas que juntos somos capazes de construir um mundo melhor para todos nós.
No entanto, ignoramos esses alertas. Insistimos em não aprender com os erros do passado.
O resultado da nossa falta de compreensão está à vista de todos: pandemia, desigualdade, fome, emergências climáticas que no futuro próximo poderão comprometer a sobrevivência da espécie humana na Terra.
Apesar de tudo isso, quero reiterar aqui minha crença inabalável na humanidade.
Não nasci otimista – aprendi a ser. Porque vi em vários momentos da minha vida o quanto um ser humano é capaz de realizar, e o quanto um povo é capaz de construir, quando existe força de vontade e geração de oportunidades.
Quem vive hoje no Brasil, ou acompanha o noticiário sobre o país, tem todos os motivos para estar pessimista. Mas aonde quer que eu vá, faço questão de dizer: o Brasil tem jeito – apesar do projeto de destruição colocado em prática por um bando de extremistas de direita sem a menor noção do que seja cuidar de um país e de seu povo.
O Brasil tem jeito, apesar dos 19 milhões de brasileiros que passam fome. Apesar dos 19 milhões de desempregados e desalentados, que já desistiram de procurar um novo emprego. Apesar dos ataques constantes contra a população negra e indígena. Apesar do avanço da destruição do meio ambiente, inclusive na Amazônia.
E apesar, sobretudo, das mortes de mais de 610 mil brasileiros, muitas delas evitáveis – caso houvesse por parte do atual governo o interesse em combater com seriedade o coronavírus.
Apesar de tudo, digo com total convicção: o Brasil tem jeito. Sei disso porque num passado muito recente nós fomos capazes de reconstruir e transformar o país, e temos plena capacidade de reconstrui-lo outra vez.
Da mesma forma que acredito que o Brasil tem jeito, acredito também que o mundo tem jeito. Apesar dos 750 milhões de pessoas que passam fome, apesar dos 5 milhões de mortos pela Covid-19, apesar da desigualdade que não para de crescer, apesar dos conflitos étnicos, religiosos e geopolíticos que não raro alimentam as guerras.
Como disse no início desta fala, meu otimismo não nasce do acaso, mas da experiência. Acredito que a humanidade tem jeito porque estou aqui hoje, neste Parlamento Europeu, reunido com representantes de países que em meados do século 20 eram inimigos ferozes no campo de batalha, numa das maiores carnificinas da história.
60 milhões de pessoas morreram na Segunda Guerra Mundial. É bem provável que os antepassados de vocês tenham lutado em lados opostos. Que tenham matado, morrido e sofrido na pele as atrocidades da guerra.
Vocês e seus países teriam, portanto, razões para se odiarem uns aos outros. No entanto, são protagonistas de uma das mais extraordinárias experiências da história moderna, que foi a construção da União Europeia.
Vocês estão hoje aqui, neste Parlamento Europeu, em clima de paz, buscando juntos soluções para a construção de uma Europa melhor.
Conhecemos o imenso poder de destruir que o ser humano tem em suas mãos, e que ele tantas vezes não hesitou em usar. Mas não podemos jamais esquecer que a humanidade tem também uma extraordinária capacidade de construir e reconstruir.
A União Europeia, o Parlamento Europeu e vocês, senhoras e senhores eurodeputados, são portanto exemplos dessa virtude humana. A União Europeia não é perfeita, como nada é, mas é um patrimônio da humanidade, como exemplo de cooperação e construção da paz entre os povos.
Senhores deputados e senhoras deputadas
Somos 7 bilhões e seiscentos milhões de seres humanos habitando este planeta. Homens, mulheres, crianças e velhos, ricos e pobres, pretos, brancos, gente de todas as cores.
Cada um de nós carrega dentro de si o seu universo particular. Somos diferentes uns dos outros, cada qual com sua individualidade, mas unidos todos por uma certeza ancestral: o ser humano não nasceu para ser sozinho.
O que me faz lembrar do pequeno trecho de uma das grandes obras primas da Bossa Nova, esse gênero musical brasileiro que conquistou o mundo. Um verso que diz o seguinte: “É impossível ser feliz sozinho.”
A verdade é que não é possível sermos felizes enquanto milhões de crianças ao redor do mundo vão dormir esta noite com fome, e acordarão amanhã sem saber se terão o que comer.
Não é possível sermos felizes em meio a tamanha desigualdade, que cresceu de forma inaceitável em plena pandemia. Os ricos ficaram muito mais ricos e os pobres, ainda mais pobres.
A desigualdade entre ricos e pobres manifesta-se até mesmo nos esforços para a redução das mudanças climáticas. O 1 por cento mais rico da população do planeta vai ultrapassar em 30 vezes o limite necessário para evitar que um aumento da temperatura global ultrapasse a meta de 1,5 grau centígrado até 2030.
O 1 por cento mais rico, que corresponde a uma população menor que a da Alemanha, está a caminho de emitir 70 toneladas de gás carbônico per capita por ano.
Enquanto isso, os 50 por cento mais pobres do mundo emitirão, em média, apenas uma tonelada per capta por ano, segundo estudo produzido pela ONG Oxfam e apresentado recentemente na COP 26.
A luta pela preservação do meio ambiente para mim é indissociável da luta contra a pobreza e por um mundo menos desigual e mais justo.
É preciso deixar bem claro que o otimismo, a esperança e a fé não podem ser jamais sinônimos de resignação. Por conta disso, eu me considero um otimista indignado.
Em 2009, os países ricos se comprometeram em aumentar para 100 bilhões de dólares ao ano, a partir de 2020, a contrapartida para os países em desenvolvimento preservarem a natureza e enfrentarem as mudanças climáticas. Esse compromisso não foi cumprido, e agora está sendo postergado para mais dois anos, ou seja, a partir de 2023, a transferência de 100 bilhões ao ano para enfrentar a emergência climática.
Iniciativa louvável, que merece ser celebrada. Mas não podemos esquecer que na crise de 2008, os Estados Unidos destinaram 700 bilhões de dólares para salvar da falência bancos que de forma irresponsável investiram em títulos imobiliários podres.
Na mesma época, o G-20 destinou mais 1,1 trilhão de dólares aos países emergentes e ao comércio mundial, para combater os efeitos da crise.
É preciso lembrar também que os Estados Unidosgastaram8 trilhões de dólares nas guerras pós-11 de setembro. Quantia suficiente para eliminar a fome no mundo e preparar o planeta para lidar melhor com as mudanças climáticas. E que no entanto foi usada para causar a morte direta de mais de 900 mil pessoas em países como Iraque, Afeganistão, Síria, Iêmen e Paquistão. Sem contar as mortes provocadas pela perda de água, esgoto e infraestrutura relacionadas com a guerra.
Ou seja, não faltam recursos para salvar bancos e para causar a morte ou o deslocamento forçado de milhões de seres humanos. Mas na hora de salvar vidas humanas ou o próprio planeta em que vivemos, a solidariedade dos países ricos é dezenas de vezes menor.
Uma das maiores alegrias que tive quando presidente do Brasil, e mesmo depois de deixar a Presidência, foi percorrer o mundo, a convite dos mais diferentes países, para falar dos nossos extraordinários avanços econômicos e sociais.
Tive a honra de conduzir o Brasil ao posto de 6ª maior economia mundial. E de fazer do país um exemplo para o mundo de como é possível superar a extrema pobreza e a fome, com total respeito à democracia, em um curto espaço de tempo.
Vocês podem, portanto, imaginar o quanto dói participar de grandes eventos internacionais como este e ter que declarar o quanto o Brasil andou para trás desde o golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff e a chegada da extrema direita ao poder.
O Brasil vive hoje uma tragédia social, econômica, ambiental e sanitária sem precedentes. Temos 2,7 por cento da população mundial. No entanto respondemos por 12 por cento das mortes por Covid registradas no mundo.
Choramos a morte de mais de 610 mil brasileiros. Não chegamos a essa trágica estatística por alguma fatalidade, e sim pela atitude criminosa do atual governo.
O atual presidente ironizou a gravidade da doença. Zombou dos mortos. Atrasou o quanto pôde a compra das vacinas. Fez propaganda enganosa e distribuiu medicamentos comprovadamente ineficazes contra o vírus.
Deixou faltar oxigênio em hospitais. Incentivou e promoveu aglomerações. Induziu a população à desconfiança quanto à eficácia das máscaras. Ajudou a espalhar fake news contra as vacinas, chegando a dizer que elas podem levar as pessoas com HIV a desenvolverem AIDS.
Experiências com medicamentos ineficazes, usando seres humanos como cobaias involuntárias, chegaram a ser realizados no Brasil, reeditando os horrores do nazismo.
Além disso, cerca de 116 milhões de brasileiros, metade da nossa população, vive hoje em situação de insegurança alimentar, de moderada a muito grave. Desses, cerca de 19 milhões, quase duas vezes a população da Bélgica, chegam a passar um dia inteiro sem ter o que comer.
Isso está acontecendo no Brasil, que é o terceiro maior produtor mundial de alimentos.
E está acontecendo porque o Brasil, que em 2014 saiu do Mapa da Fome da ONU pela primeira vez na história, hoje copia o que o neoliberalismo trouxe de pior ao mundo: alta concentração de renda, baixa geração de empregos, destruição de direitos trabalhistas, desmonte das políticas sociais, ausência do Estado, abandono dos mais pobres à própria sorte.
O resultado dessa trágica equação não poderia ser outro: miséria, fome, desesperança.
Mas eu estou aqui para dizer outra vez a vocês e ao mundo: o Brasil tem jeito. Porque ele é muito maior do que qualquer um que tente destruí-lo.
O Brasil é o país que num passado muito recente encantou o mundo com as suas políticas inovadoras, que retiraram da extrema pobreza 36 milhões de pessoas – o equivalente à soma das populações inteiras de Portugal, Suécia, Dinamarca e Irlanda.
O Brasil é o país que assumiu voluntariamente diante do mundo o compromisso de reduzir em 75 por cento o desmatamento na Amazônia, como forma de conter a emissão de gases poluentes.
E cumprimos antecipadamente nossa promessa – entre 2004 e 2012, nós, de fato, reduzimos em 80 por cento o desmatamento da Amazônia, contribuindo para minimizar o avanço das mudanças climáticas.
Infelizmente, os países ricos, justamente os principais responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa, não cumpriram a sua parte. Talvez porque os ricos acreditem que tenham como se proteger, e as mudanças climáticas afetarão com maior intensidade os mais pobres, o que é a triste realidade.
Mas o que eles esqueceram é que todos nós – ricos e pobres – precisamos do mesmo oxigênio para respirar, precisamos de água limpa para sobreviver, precisamos de um planeta saudável, onde nossos filhos possam viver com saúde e paz.
Felizmente, essa era de trevas que se abateu sobre o planeta, por conta da ascensão de governos de extrema direita pelo mundo afora, emite claros sinais de que está chegando ao fim.
Partidos e candidatos progressistas vêm conquistando importantes vitórias. Isso está acontecendo em vários países, e estou certo de que vai acontecer também no Brasil, a partir da eleição presidencial do ano que vem.
O Brasil voltará a ser uma força positiva no mundo. Voltaremos a ser criadores de políticas públicas capazes de mudar para melhor o nosso planeta.
Acreditamos num mundo multipolar. Voltaremos a ter uma política externa altiva e ativa. Vamos fortalecer o Mercosul, reconstruir a União de Nações Sul-Americanas, a Unasul, e ampliar nossas parcerias com a União Europeia.
Vamos aperfeiçoar os termos do acordo Mercosul-União Europeia.Não queremos uma América Latina voltada exclusivamente para o agronegócio e a mineração. Temos total capacidade de sermos também países industrializados, tecnologicamente avançados.
O acordo hoje se encontra paralisado, por conta da desconfiança de países europeus quanto ao cumprimento dos compromissos ambientais assumidos pelo governo brasileiro.
Temos imensas extensões de terras agricultáveis, temos tecnologia, pesquisas agropecuárias avançadas. Nossa produção de alimentos não precisa desmatar a Amazônia para exportar soja ou criar gado. As atividades criminosas dos que destroem o meio ambiente devem ser punidas, e não podem prejudicar toda a economia brasileira.
Temos uma biodiversidade extraordinária, e os nossos biomas haverão de se regenerar após a extinção do atual governo, que estimula o desmatamento e as queimadas, o avanço do garimpo em áreas de proteção ambiental, os ataques aos povos indígenas.
O povo brasileiro não quer que essa destruição continue. Os brasileiros querem a Amazônia viva e de pé. E para isso, é necessário construir alternativas sociais e de desenvolvimento, com ciência, tecnologia e o protagonismo e respeito aos povos que vivem na floresta, seus saberes e sua cultura.
Meus amigos e minhas amigas,
Acreditamos num mundo cada vez mais plural, unido em torno de valores como solidariedade, cooperação, humanismo e justiça social. Acreditamos numa nova governança mundial, começando pela ampliação do Conselho de Segurança da ONU, e vamos continuar lutando por ela.
Acreditamos que somos capazes de construir no mundo uma economia justa, movida a energia limpa, sem a destruição do meio ambiente e livre da exploração desumana da força de trabalho.
Acreditamos que outro Brasil é possível, outra Europa é possível e outro mundo é possível – porque, num passado muito recente, fomos capazes de construí-lo.
Podemos ser felizes juntos. E seremos.
Muito obrigado a todos”
Mais notícias
-
Política
21h40 de 22 de novembro de 2024
‘Discutir comigo um plano para matar alguém, isso nunca aconteceu’, diz Bolsonaro
Ex-presidente deu as declarações à Revista Veja
-
Política
21h20 de 22 de novembro de 2024
Jader Filho escolhe Hailton Madureira como secretário-executivo do Ministério das Cidades
Servidor concursado do Tesouro Nacional, ele foi secretário-executivo no Ministério de Minas e Energia
-
Política
20h20 de 22 de novembro de 2024
Ministros do STF avaliam que caso do golpe será concluído em 2025, diz coluna
No atual estágio do caso, a Polícia Federal apresentou as provas ao ministro Alexandre de Moraes, que deve encaminhar o caso para análise da PGR
-
Política
19h15 de 22 de novembro de 2024
Pedido de extinção do PL é ‘incoerência da esquerda’, diz deputado baiano
"A democracia se fortalece com a convivência e o embate de ideias, não com a exclusão de adversários", citou o parlamentar
-
Política
18h59 de 22 de novembro de 2024
Lei contra abuso sexual de jovens atletas é sancionado por Lula
A PL é de autoria da deputada Erika Kokay (PT-DF) e foi aprovado na Câmara, em 2022, e no Senado, em outubro deste ano
-
Política
18h21 de 22 de novembro de 2024
Deputado critica pedido de extinção do PL: ‘Não dá pra levar a sério’
"Ele (André Janones) mente, é verdadeiro lunático, um verdadeiro palhaço no picadeiro", diz Leandro de Jesus
-
Política
18h12 de 22 de novembro de 2024
Oposição se reúne com chefe de gabinete do governador para tratar de emendas impositivas
Durante o encontro foi apresentado um demonstrativo com as indicações feitas pelos deputados e discutidas as pendências para o cumprimento legal das emendas
-
Política
17h26 de 22 de novembro de 2024
Mesmo citado por Cid, Pazuello fica fora da lista de indiciados da PF
Resultado da longa investigação da PF foi apresentado ao ministro do STF e ainda não teve seu conteúdo divulgado pela Corte
-
Política
17h24 de 22 de novembro de 2024
Anatel apura fraude na obtenção de celular usado para planejar golpe
Medida busca aprimorar ações de prevenção às fraudes
-
Política
17h18 de 22 de novembro de 2024
Por ‘ameaçar a democracia’, André Janones aciona a PGR e pede a extinção do PL
O ex-presidente Jair Bolsonaro é um dos líderes da sigla