Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
“O poder não corrompe, revela”
A deterioração dos valores éticos se inicia com pequenas infrações, desobediências, aceitações e conivências, pois a ética é, acima de tudo, exemplar

Da minha infância na Península de Itapagipe trago muitas lembranças e recordações. Eu e meus cinco irmãos não convivemos com a pobreza, mas não tínhamos grandes recursos e nossos pais não tinham muita escolaridade, talvez por isso, o marinheiro linha dura e a dona de casa exemplar acreditassem que lugar de aula de ética era em casa, não na escola. Mesmo assim, se empenharam em nos dar uma boa educação formal, não abrindo mão de assumir a formação da consciência ética como tarefa da família, quando nos ensinavam, por exemplo: “O que não é teu não é teu”. Ponto.
Neste instante, impossível não lembrar meu pai, como um precursor inconsciente da Teoria das Janelas Quebradas. Aquela mesma que deu origem à política criminal conhecida como “tolerância zero”, pois, com ele, toda transgressão era devidamente punida, com base nos fundamentos de que nenhum incêndio começa grande, e sim com uma fagulha, uma faísca e pronto. Afinal, a deterioração dos valores éticos se inicia com pequenas infrações, desobediências, aceitações e conivências, pois a ética é, acima de tudo, exemplar.
Nessa lógica, criticar o político e não atentar para as próprias atitudes é uma postura equivocada, pois existem vários desvios éticos praticados no dia a dia que são extremamente danosos, na medida em que nos levam a uma armadilha que é a aceitação pura e simples do relativismo ético, cerne da conhecida “lei de Gerson”, onde o que importa é levar vantagem em tudo e sobre todos. Afinal, o chamado “jeitinho brasileiro”, que muitos ainda consideram uma característica cultural positiva, é na verdade, na maioria dos casos, apenas uma forma de fazer aquilo que é ilegal ou errado.
Engana-se quem acha que a prática da corrupção ganha essa nomenclatura apenas quando falamos de grandes corporações ou órgãos públicos. A corrupção privada está presente em atitudes do nosso dia a dia como pagar um extra pela urgência de um serviço feito ou um documento entregue antes do tempo legal, pagar por um lugar melhor na fila do restaurante, pagar propina a um guarda de trânsito para evitar uma multa, sonegar um imposto ou cobrar uma comissão por bens e serviços fornecidos a um condomínio. Parece que ao se colocar a “culpa” pela corrupção nos outros, naqueles que são eventualmente apanhados com a mão na massa, passamos a desfrutar de um confortável efeito vacina que nos isenta de qualquer responsabilidade, nas organizações, no governo e na sociedade em geral.
Não é sem sentido que, não raro, o famoso ditado “o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”, de autoria do historiador católico e liberal John E. E. Dalberg Acton, ou simplesmente Lord Acton, entre nós, funcione até como uma espécie de justificativa para explicar porque cidadãos até então “acima de qualquer suspeita”, ao serem investidos de algum tipo de poder, sejam “corrompidos”, isto é, sejam contaminados pelo veneno do empoderamento após prová-lo, tornando-se partícipes e cúmplices da corrupção sistêmica, estrutural.
Sem negar a essência do pensamento de Lord Acton, a respeito da corrupção como um problema estrutural, carecedor de uma vigorosa mobilização nacional, penso que, nesse contexto, a frase tomada por empréstimo a Otávio Mangabeira para título destas reflexões – “O poder não corrompe, revela” – aplica-se melhor, pois, no mínimo, serve como uma epígrafe para o estado em que se encontram o governo e a sociedade brasileira nos dias atuais.
Dito isso poderia até encerrar. Não precisaria dizer muito mais. Mas, como um tributo a Antonio e a Antonia Melo, meus pais, quero registrar um agradecimento profundo, em meu nome e em nome dos meus cinco irmãos, pelas imorredouras lições de ética que não necessitamos aprender na escola, “Pois a mão que embala o berço é a mão que rege o mundo”…
Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
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