Publicado em 15/11/2025 às 19h21.

Funcionária de loja em Salvador denuncia racismo da chefe; veja relato

Trabalhadora afirma ter sido alvo de tratamento discriminatório durante o expediente

João Lucas Dantas
Foto: Reprodução/ Salvador Shopping

 

Uma ex-funcionária da loja Track&Field, da unidade Salvador Shopping, afirma ter sido vítima de um episódio de racismo por parte da gerente responsável pelo local, na capital baiana. A pessoa, que preferiu não ser identificada na reportagem para preservar sua segurança, relatou ao bahia.ba o ocorrido.

Segundo a ex-funcionária, que havia sido contratada inicialmente para o trabalho temporário do período natalino, com duração de 60 dias, quando as operações do comércio são ampliadas, e posteriormente teve o contrato estendido, a ofensa ocorreu em público, durante um treinamento conduzido pela gerente com duas novas funcionárias, em fevereiro deste ano.

“Eu já tinha presenciado comportamentos e interferências desconexas e desconfortáveis dela com outros colegas. Comigo nunca tinha acontecido, principalmente um caso de racismo”, contextualizou a pessoa em questão.

Ela contou que, no dia do episódio, estava na mesa de atendimento, na entrada da loja, aguardando clientes, ao lado de uma colega branca. “Eu estava ali de prontidão para exercer plenamente meu ofício de vendedora”, acrescentou.

Ambas decidiram acompanhar o treinamento, com a intenção de absorver mais informações sobre o trabalho. Foi quando a gerente apresentou uma peça do tipo macaquinho (uma roupa curta de academia) e explicou às novas funcionárias que elas não encontrariam aquele item no estoque com esse nome.

“Aqui na Track&Field a gente vende como jump longo e jump curto. Até porque macaquinho é um bicho pequenininho e parece ela”, disse, apontando para a ex-funcionária. As treinandas riram e debocharam. “Eu só consegui responder: ‘Não entendi’”, relembrou a pessoa alvo do comentário.

Ao perceber o desconforto, a gerente tentou amenizar a situação, afirmando que havia se referido ao “netinho” de uma outra colega presente.

Depois disso, a trabalhadora continuou o expediente, mas só parou para refletir sobre a gravidade do ocorrido no dia seguinte, quando a colega que estava ao seu lado a procurou. “Ela disse: ‘Amiga, não consegui falar com você ontem. Eu só parei para pensar agora no que aconteceu. Como você está?’”, relatou.

“Foi nesse momento que eu parei para analisar e entendi que, de fato, tinha sofrido um episódio de racismo. Eu fui chamada de ‘macaca’, porque em nenhum momento ela apontou para as outras colegas brancas. Ela apontou para mim, a única mulher negra naquele momento”, afirmou.

A partir daí, a ex-funcionária decidiu buscar apoio. Ela foi orientada a procurar a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e também registrou boletim de ocorrência na Delegacia de Combate ao Racismo (Decri), além de iniciar acompanhamento jurídico.

Nos dias seguintes, ela relata que pediu à gerente que não voltasse a se referir a ela como “macaquinha”. A gerente teria respondido: “Ah, eu te apontei como macaca? Não foi pela sua cor. Foi por causa do seu tamanho, porque você é pequenininha. Tanto que eu apontei o netinho de Fulana também.” Em seguida, afirmou: “Isso não foi racismo.”

“Então eu respondi: ‘Eu não falei de racismo em momento nenhum. Você que está trazendo essa pauta. Então você reconhece que essa foi uma fala racista sua’”, rebateu.

Após solicitar uma declaração da Sepromi para justificar atrasos decorrentes dos atendimentos de acolhimento, a gerente teria percebido que havia um B.O. registrado contra ela.

“No primeiro momento, eu fiquei em inércia, porque não tinha entendido o que tinha acontecido. Só consegui refletir no segundo dia. Tanto na Decri quanto na Sepromi, eu precisei repetir a história e não conseguia sem chorar. Eu nunca imaginei que, em pleno 2025, estaria sendo chamada de macaca”, lamentou.

A ex-funcionária permaneceu na empresa até poucos dias antes do encerramento previsto do contrato, quando a empresa decidiu finalizá-lo dois dias antes. Segundo ela, na reta final, o ambiente se tornou “insustentável”.

“Apenas poucos dias antes de o contrato acabar, a gerente passou a me maltratar, me intimidava, me retraía, tinha comportamentos completamente diferentes dos que tinha com qualquer outra pessoa. Só comigo. E eu estava ali plenamente para exercer meu trabalho, meu ofício de vendedora. Apenas isso. Em nenhum momento eu estava ali para brincar com ninguém”, concluiu.

A trabalhadora buscou a Justiça do Trabalho porque o ocorrido decorre de um vínculo empregatício. O Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT-BA) reconheceu o dano moral e condenou a empregadora ao pagamento de indenização, decorrente de um ato discriminatório de cunho racial.

No entanto, como racismo é crime, a competência para analisar e julgar a responsabilidade penal é da Justiça Comum, que ainda deverá chegar a um resultado.

Nota da Track&Field à imprensa:

“Como uma marca que busca promover o bem-estar das pessoas, a Track&Field é veementemente contra qualquer tipo de discriminação e informa que abriu uma sindicância interna para apurar o caso tão logo tomou conhecimento.

Todas as medidas cabíveis foram tomadas, incluindo a oferta de apoio psicológico aos envolvidos.

Reforçamos ainda que existe um canal interno anônimo para recebermos denúncias, reclamações e sugestões, a fim de manter um ambiente seguro e saudável para todos que frequentam nossas lojas, e realizamos treinamentos contínuos para nossos funcionários sobre diversidade, inclusão e prevenção de assédio e violências no trabalho.”

João Lucas Dantas
Jornalista com experiência na área cultural, com passagem pelo Caderno 2+ do jornal A Tarde. Atuou como assessor de imprensa na Viva Comunicação Interativa, produzindo conteúdo para Luiz Caldas e Ilê Aiyê, e também na Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Salvador. Foi repórter no portal Bahia Econômica e, atualmente, cobre Cultura e Cidade no portal bahia.ba. DRT: 7543/BA

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