Defensora nega superlotação, mas diz que unidades para menores não oferecem ressocialização
Mais de 2,4 mil adolescentes baianos foram apreendidos em 2019; Fundac garante que disponibiliza ações pedagógicas para os menores infratores
De janeiro a junho deste ano, 2.401 menores foram apreendidos na Bahia. Esses adolescentes cometeram atos infracionais, como são nomeadas as ações ilícitas praticadas por menores de 18 anos. Destes, 300 foram encaminhados para Comunidades de Atendimento Socioeducativas (Cases). Os dados são da Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA).
Apesar do número considerável de menores apreendidos, a Fundação da Criança e do Adolescente (Fundac), órgão do Governo do Estado que coordena as Cases, afirmou que não há superlotação nas unidades.
Segundo a Fundac, a taxa de ocupação é de 104%. Após pedido da Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA), o ministro Luiz Edson Fachin determinou a transferência de 12 adolescentes que estavam em unidades superlotadas no estado.
Em entrevista ao bahia.ba, a defensora pública e titular da 7º DP Especializada da Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Salvador, Maria Carmen Novaes, afirmou que, após a decisão do STF, a superlotação tem melhorado. No entanto, de acordo com ela, as Cases não disponibilizam atendimento adequado para os menores infratores.
“O sistema socioeducativo, nos moldes em que se encontra, não oferece verdadeiras perspectivas de ressocialização. A educação, a profissionalização, o cuidado com a saúde mental, obrigatórios, são insuficientes”, destacou.
A Fundac tem atualmente seis unidades de internação – Case Salvador, Case Feminina Salvador, Case CIA, Case Juiz Melo Matos, Case Zilda Arns e Case Camaçari. O órgão conta, ainda, com cinco unidades de semiliberdade, localizadas nos municípios de Feira de Santana, Juazeiro, Salvador, Teixeira de Freitas e Vitória da Conquista. Juntas, as comunidades totalizam 90 vagas e, atualmente, têm uma ocupação de 66%.
Superlotação x Más condições
Apesar das condições insuficientes, a defensora pública ressaltou que o foco do habeas corpus concedido pelo STF era a superlotação. Segundo Maria Carmen, a Case Salvador, que é a maior do estado – com capacidade para 150 adolescentes -, já abrigou 400 menores. No momento, a Case Salvador possui 166 adolescentes internados.
“Isso está mais ou menos dentro dos 119% da capacidade estabelecida pelo STF. Os estados ajuizaram esse habeas corpus para poder garantir o mínimo de obediência ao princípio de dignidade da pessoa humana”, disse.
A defensora pública também afirmou que a DPE-BA continua fiscalizando e atuando dentro das unidades de ressocialização: “Nós, cotidianamente, monitoramos a superlotação. É uma luta muito antiga, junto ao MP e ao Judiciário.”
Maria Carmen informou que os 12 adolescentes transferidos, após a decisão do ministro Edson Fachin, foram remanejados para outras unidades que tinham capacidade, e não “liberados para casa”. Caso não houvesse Case com vaga suficiente, o adolescente iria passar para a liberdade assistida e cumpriria outra medida socioeducativa.
Entretanto, ela lamenta novamente as condições oferecidas aos adolescentes. “Ainda que a gente diminua [a superlotação], as condições continuam ruins. Nós ainda não alcançamos as condições adequadas. Não diria nem ideais. Há alojamentos em que aparecem seis ratos por dia”, criticou
Para Maria Carmen, do ponto de vista físico, é necessário haver uma adequação das instalações e a construção de unidades em outros municípios, que garantam ao menor a permanência no seu município de origem. “Temos adolescentes de várias cidades diferentes. Até o direito fundamental de estar junto da família fica prejudicado”, pontuou.
No que se refere aos recursos humanos, a defensora aponta a necessidade de haver seleções “mais aprimoradas” e capacitações “mais especializadas” para esse pessoal.
Habeas Corpus coletivo concedido pelo STF
Em maio de 2019, o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a transferência de menores infratores que estavam em unidades superlotadas de quatro estados – Bahia, Ceará, Pernambuco e Rio de Janeiro – para lugares mais vazios.
Na decisão, Fachin concedeu um habeas corpus coletivo e determinou que, caso não houvesse locais de internação mais vazios, os jovens passassem a cumprir internação domiciliar. A medida delimitou a superlotação em 119% da taxa de ocupação.
O ministro atendeu pedidos feitos pelas Defensorias Públicas nos estados para ampliação de uma decisão tomada em agosto do ano passado, quando decidiu o mesmo para jovens internados em Linhares, no Espírito Santo.
No pedido, a DPs disseram que as unidades estavam em “situação calamitosa de verdadeira inconstitucionalidade, maculando a dignidade da pessoa humana e todo o mínimo sistema de proteção aos adolescentes”.
De acordo com a decisão, na Bahia, seriam 631 adolescentes para 552 vagas nas unidades de internação, com taxa de ocupação que vai de 121% a 139% em algumas unidades.
A Fundac informou que, após a decisão do STF, o órgão se mobilizou para melhorar as condições dos menores. “Houve um esforço da Direção da Fundac, em conjunto com os Juízes das Varas de Execução e a Corregedoria do Tribunal de Justiça, para adotar medidas e demonstrar que nosso déficit de vagas é de 104%. Somente na Unidade Case Irmã Dulce, em Camaçari, há três adolescentes acima do quanto estabelecido pelo Supremo”, informou a Fundac.
De acordo com a instituição, nos últimos anos, houve o investimento na requalificação dos espaços nas Unidades de Internação, promoção de reformas e ampliação de espaços para atender a demanda por vagas. Além disso, a Fundac garante que disponibiliza ações pedagógicas, com aulas, esportes e lazer, para os menores infratores.
Em 2018, foi iniciada a construção da Case Wanderlino Nogueira Neto, em Vitória da Conquista. A unidade terá 90 vagas masculinas e atenderá adolescentes da região Sudoeste e Litoral. A Case está com mais de 50% das obras executadas e deve ser entregue no mês de janeiro. “A inauguração desta nova unidade representa zerar o déficit de vagas hoje existente”, disse a Fundação.
Entenda as punições aplicadas aos menores infratores
A SSP-BA informou que o tráfico de drogas é o crime mais cometido por adolescentes apreendidos no estado. Segundo a titular em exercício da Delegacia para o Adolescente Infrator (DAI), delegada Laís Accioly, adolescentes de 16 e 17 anos são os mais reincidentes. “Eles geralmente são apreendidos por tráfico de drogas, roubo, ameaça, lesão corporal e roubo a coletivo”, pontuou.
Após a apreensão, o adolescente é levado para a DAI, onde é realizada uma apuração do caso, e depois encaminhado ao MP. “Uma vez apresentado, o MP pode adotar três providências: promover o arquivamento, conceder remissão ou processar o adolescente”, explicou o promotor Alexandre Cruz ao bahia.ba.
De acordo com Cruz, o arquivamento do processo é feito quando o MP entende que não houve indícios de atos infracionais. Na concessão de remissão, no entanto, é extinguido o processo, mas será aplicada uma medida protetiva ao adolescente, como encaminhamento para matrícula na escola ou tratamento de dependência química. Além disso, também pode ser empregada uma medida socioeducativa, cumprida em liberdade, como prestação de serviços comunitários ou obrigação de reparar o dano feito.
A punição mais grave ocorre quando o MP ajuíza uma representação contra o adolescente infrator. O juiz poderá aplicar medidas socioeducativas, como as já citadas, como também determinar a inserção do menor em regime de semiliberdade ou a internação por até três anos.
O promotor ressalta ainda que as medidas executadas em liberdade são de responsabilidade do Município. Já as ações socioeducativas em meio fechado é de competência dos órgãos do Estado.
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