Ser mãe, entre o materno e a mulher
Ao estudar o psiquismo humano a partir das relações infantis, Freud aponta para a importância da relação mãe-filho

No caminho da teorização psicanalítica a mãe vai sendo teorizada sob vários aspectos. Ganha tons e formas variadas, mas, sem dúvida, é um ponto-chave para entender o desenvolvimento psíquico de cada sujeito. Após Freud, muitos são os teóricos que se debruçaram a entender melhor os aspectos e nuances do feminino.
Ao falar das crianças enquanto seres sexuais e estudar o psiquismo humano a partir das relações infantis, Freud aponta para a importância da relação mãe-filho. Para ele, o desejo da mãe é o desejo da criança. Lacan vai dizer que é muito importante para a criança esse desejo da mãe, mas que é inexorável entender o feminino, a mulher que há nesta mãe.
A mãe é uma função. Para nascer uma mãe há de nascer um filho desejado, querido, falado. Dessa forma, ao chegar ao mundo, esse ser será acalentado no seu desamparo inicial e não somente cuidado de forma higienista. Como isso ocorrerá? Vai depender de como a história dessa mulher foi se construindo ao longo da sua vida.
O calor e o afeto dos braços da mãe que fala sobre e para esse ser faz marca, dá forma. A partir daí a criança passa a ser parte da família. Não basta gestar, tem que adotar. Ser mãe de uma criança é querer cuidar com afeto. O vínculo estabelecido entre esse bebê e a mãe faz marcas que ajudam a moldar seu desenvolvimento psíquico, auxiliando-o a se constituir como sujeito próprio dos seus desejos.
A criança precisa de uma mãe zelosa e amorosa, mas também de uma mãe que falte. Ao nascer, a criança sai daquele mundo completo que é o da barriga da mãe e cai num lugar em que tudo lhe falta. Inicialmente, ela não consegue identificar o que é ela e o que é o outro, mas nota que há algo diferente. Agora, ela tem sensações que não sabe o que são, porque antes eram realizadas de maneira mecânica.
Ela precisa de um outro que diga que aquela sensação é de fome, necessidade de fazer cocô, xixi, sono, enfim, ela precisa ser enredada pela rede de significantes da linguagem e, além de entrar no mundo real, entrar também no mundo simbólico. As mães fazem isso de forma apaixonada e trazem nos seus linguageiros formas próprias em cada relação.
A relação mãe-filho é forte e necessária
para a estruturação psíquica de todos nós
É assim que a mãe vai mostrando o mundo a seu filho. Aos poucos, a mãe fala que existe um terceiro nessa relação que é o pai. Através do seu olhar e do seu dizer para esse outro (aquele que faz a função de pai) vai apontando para a criança que seu desejo vacila entre ele (bebê) e esse pai. A mãe, então, ganha lugar de mulher para um outro que não é a criança. Além disso, a mãe-mulher tem que trabalhar e a criança começa a notar que o que antes era um só (mãe-bebê) passa a não ser mais.
Até que chega um momento em que a criança começa a olhar no espelho e a não entender o que vê. Ao observar a cena, a mãe diz “este é você, olhe que lindo você é!” e a criança passa a se movimentar de várias formas, em frente ao espelho, para identificar se é ela ou outra pessoa que está mesmo ali.
Lacan chama esse momento de estádio do espelho, passagem importante para a estruturação psíquica de unidade do corpo. Aí há uma separação do seu corpo e do corpo do outro, além da constituição de um corpo inteiro e não fragmentado. Antes, o bebê reconhecia que ali existia um pé, um peito, uma mão, mas não se via como um todo.
Assim, vai se estabelecendo uma separação entre mãe e filho. Esse ser, que antes não tinha falta na barriga da mãe, nasce onde tudo lhe falta, depois a mãe tampona a falta com todo seu desejo necessário para a constituição do bebê enquanto ser falante e por tanto faltante. Com o passar do tempo, e os acontecimentos que apontei acima, ele passa a reconhecer que algo falta, que ele não é completo. Este é um passo relevante para que a criança comece a desejar algo que não seja o desejo da mãe.
A relação mãe-filho é forte, importante, singular e necessária para a estruturação psíquica de todos nós. Como falei, a teorização sobre essa relação tem muitos tons e sabores e aqui não teria espaço para descrevê-la de forma tão detalhada quanto necessária para uma apropriação real do tema. No entanto, preferi fazer uma clareagem através da psicanálise, iluminando esse tema complexo e belo.
Para todos, um feliz Dia das Mães! Mesmo que este seja todos os dias. E, lembrem-se, mães são mulheres com todas as suas cores e idiossincrasias.
Priscila Almeida é psicóloga clínica especialista em saúde mental, psicanálise e em trânsito. Escritora e editora do Blog Papos de Psico.
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