Priscila Almeida é psicóloga clínica especialista em saúde mental, psicanálise e em trânsito. Escritora e editora do Blog Papos de Psico.
Meu filho está se desenvolvendo como deveria?
Nos atendimentos de psicoterapia, frequentemente os pais procuram saber em que fase de desenvolvimento o filho se encontra

A cada dia torna-se mais comum ouvirmos pessoas dizendo “as crianças de hoje já nascem quase falando”. Ficamos impressionados como observam atentamente as situações, como reconhecem as vozes rapidamente, a cada dia é um crescimento cognitivo e psicomotor absurdo! Com um mês já estão rindo, brincando com móbiles…
Logo já fazem birra, reconhecem com quem pode conseguir o que quer e já dominam o mundo. Quando nos damos conta, já temos grandes reis e rainhas prontos para dar ordens aos seus súditos. O desenvolvimento infantil não ocorre de maneira linear e com isso pode deixar os pais e as escolas sem direção.
As mudanças no desenvolvimento infantil vão ocorrendo de forma gradual, são períodos contínuos que vão se sucedendo e se superpondo. Durante a evolução, a criança experimenta avanços e retrocessos, vivenciando estes de maneira bem particular. Acompanhamos a construção de sua personalidade respeitando que em cada momento ela terá um jeito próprio de se manifestar. Tanto antecipar etapas, como não estimular a criança, podem ser geradores de futuros conflitos. Cabe à família e à escola ir reconhecendo e respeitando os passos de cada pequeno em particular.
A infância é um momento de transformações rápidas e complexas porque a organização do tônus muscular não depende somente da parte neurofisiológica, mas também de como este bebê é acolhido pelo outro cuidador (pais, avós, babás, tias, tios etc.). Pois é, o bebê depende que um outro acolhedor faça algo com os estímulos internos que o assediam. Ele sente fome, mas não sabe do que se trata até a mãe lhe dar o peito ou a mamadeira. Ele se incomoda com o ficar molhado de xixi ou sujo de cocô, mas também não sabe o que está acontecendo até sentir o conforto de estar limpo e sequinho.
A palavra desenvolvimento soa como se
houvesse um padrão para todas as crianças
O nascer de uma criança começa no momento em que o pai e a mãe a concebem em seus pensamentos. Se ela é falada, ela existe. Como essa criança é falada e cuidada por esses pais em seus pensamentos nos apontam para o começo da história desse sujeito que, muitas vezes, nem está no mundo terrestre ainda. Quando o bebê chega ao convívio familiar todas as palavras e sentimentos já se encontram lá e recobrirão seu corpo numa tentativa de lhe dar margens e diminuir as angústias, os buracos que aparecerão.

Não gosto muito dessa palavra desenvolvimento. Soa como se estivéssemos certos de que há fases e padrões a serem seguidos para todas as crianças. Os primeiros contatos com a criança tendem a ser cheios de emoção. Ter uma rotina bem planejada, estruturada e organizada é importante para que a relação se constitua e lhe proporcione conforto, segurança, maior facilidade de organização espaço-temporal.
Nos atendimentos com os pais das crianças que chegam para psicoterapia é frequente a questão “gostaria de saber em que fase de desenvolvimento meu filho (a) se encontra, ele (a) não faz isso ou aquilo como o colega da mesma idade, será que ele (a) é normal? O que preciso fazer para que ele (a) se desenvolva mais?”.
A padronização agora virou moda, o que é bem estranho para um mundo liberal que prega o desapego, o consumismo e a completude. Hoje todos devem ter o melhor brinquedo (talvez fosse melhor dizer iPad ou smartphone), ser magro, gostar de esporte e comida fit, ou seja, todos devem ser iguais. Com todo esse arsenal de coisas a ter e a ser fica difícil entender que cada um é único e que não há como criar um padrão de desenvolvimento por idade.
Além de expressão psicomotora,
brincar é também uma atividade emocional
Justo por ter de perto, desde tão novos, tantas tecnologias, as crianças de um ano tem uma infinidade de informações, cores e texturas que não tínhamos há 15 anos! Isso é maravilhoso e horroroso também. A tecnologia deve ser utilizada de maneira cautelosa no brincar das crianças, pois é, acho que o brincar é a palavra-chave para a nossa questão com o desenvolvimento infantil.
Se você achou que eu estava aqui pronta para difamar o desenvolvimento tecnológico ou os rumos da humanidade se enganou. É verdade que tenho algumas críticas e questionamentos que podem ficar para uma próxima conversa, mas sou fã dos avanços tecnológicos e tudo que hoje é possível. Mas temos que saber aproveitá-los.
As crianças nasceram em um mundo tecnológico e precisam dar conta disto também. Porém, o que tem acontecido é que diante da correria do dia a dia, o cansaço depois de um longo dia de trabalho e engarrafamentos, os pais têm deixado o iPad ou o tablete (e assim o Google) como as babás das crianças. Quantas vezes vemos pais falando “estou tão cansado, toma meu celular para brincar, toma o iPad…” Com certeza, no período em que não estava na escola, essa criança também estava sentada ao sofá com o novo pai do momento, o Sr.Google.
É simples, rápido e tentador: basta apertar o microfone e falar que logo as crianças esclarecem qualquer dúvida que passe em sua mente. Mas esse é um outro tema que depois escreverei para vocês. O que importa aqui é chamar atenção para a necessidade das crianças voltarem a brincar e, de preferência, na companhia de outras crianças e também dos pais.
Brincar não é somente uma expressão psicomotora é, também, uma atividade emocional. É um momento de vínculo, no qual a criança pode lidar com diversas facilidades e dificuldades do cotidiano de uma maneira mais rica e tranquila. No brincar é possível trabalhar diversos aspectos do nível psicomotor, cognitivo e emocional da criança.
Os pais e as escolas devem se utilizar mais do contato com a criança. É preciso brincar, tocar, cantar, falar com as crianças. Tenha certeza que assim, você saberá como ela está caminhando na vida. Ela lhe dirá o que está ocorrendo com ela ao fazer questões, não entendendo certos comandos de maior complexidade do que ela pode entender naquele momento. E ela também vai criar, trabalhar sua espontaneidade, sua timidez, sua dificuldade na fala, enfim não é à toa que nenhuma criança resiste a um chamado: Vamos brincar?
Priscila Almeida é psicóloga clínica especialista em saúde mental, psicanálise e em trânsito. Escritora e editora do Blog Papos de Psico.
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