Ao comentar julgamento de Bolsonaro no TSE, advogado prevê novas ações penais e de improbidade
O advogado eleitoralista avaliou estratégia da defesa e comparações com Dilma e Temer, explicou sobre possível pena e descartou eventual anistia pelo Legislativo
Retomado na manhã desta quinta-feira (29), o julgamento de uma ação do PDT junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do candidato a vice em sua chapa, Walter Braga Netto (PL), pode ser determinante para o futuro político do ex-ocupante do Palácio do Planalto. Isto porque se, como previsto, a maioria do plenário acompanhar o voto proferido pelo ministro Benedito Gonçalves, que é relator do caso, o ex-chefe do Executivo poderá ficar inelegível por oito anos.
A chapa é acusada de abuso de poder político e de buscar vantagem eleitoral por convocar embaixadores estrangeiros, para uma reunião realizada no Palácio da Alvorada, em Brasília, no dia 18 de julho de 2022, na qual fez ataques ao sistema eleitoral brasileiro.
Para comentar este que é um dos 16 processos contra Bolsonaro junto à Justiça Eleitoral e explicar as possíveis implicações de uma condenação, o bahia.ba conversou com o advogado eleitoralista Jarbas Magalhães, especialista e professor de Direito Eleitoral, membro das comissões de Direito Municipal e Eleitoral da OAB.
Na conversa, o jurista explicou sobre o limite de uma eventual pena, que apesar de ser no máximo de oito anos e não possa ser somada como em condenações na esfera penal, pode trazer muita dor de cabeça para Bolsonaro.
“Ele pode ser condenado em vários processos na mesma eleição, mas só conta uma inelegibilidade, que é os oito anos daquela eleição pra frente. Não vai somar. Ele não vai pegar oito anos da ação movida pelo PDT, que vai até 2030, e depois, se for condenado, somar mais mais oito não”, detalhou Magalhães, lembrando, no entanto, que além de desgaste político com novas condenações, o ex-presidente também terá mais trabalho para reverter decisões desfavoráveis em cada processo, sendo obrigado a entrar com embargos de declaração no próprio TSE e, em última instância, tendo que recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), Corte contra a qual travou acalorados embates em seus quatro anos de mandato.
O advogado explicou ainda que os problemas de Jair Bolsonaro com a Justiça Eleitoral podem, inclusive, saltar para outras esferas, com elementos de condenações eleitorais servindo de para embasar ações penais, de improbidade e até multas para ressarcir eventuais danos causados ao erário público.
“Isso pode se transformar em provas, em elementos pra outras ações. Seja ação de improbidade, seja no próprio inquérito das Fake News, sob a relatoria de Alexandre de Moraes no STF, e também no TCU, porque, afinal de contas, o ponto fulcral desse caso aí foi o uso do espaço público, porque ele fez uma apresentação para os embaixadores, utilizou a TV pública, então houve dinheiro público para em tese um ilícito, se o voto [do relator] for confirmado”, avaliou o especialista, ao comentar determinação do relator de encaminhar cópia a outras instâncias.
Apesar do imbróglio, Magalhães não trouxe apenas notícias ruins para o antecessor de Lula. O especialista levantou um fato curioso sobre o tempo ao qual o ex-presidente ficaria afastado da vida política, caso condenado. Na verdade, apesar de se prever oito anos de inelegibilidade, na prática, ele poderia já ser candidato em 2030.
Durante a conversa com o bahia.ba, o professor de Direito Eleitoral explicou também sobre o entendimento do relator, que votou por condenar apenas Bolsonaro e absolver o vice, Braga Netto; e comentou a estratégia da defesa de questionar a inclusão da minuta de golpe nos autos do processo e apontar suposto desequilíbrio comparado a julgamento da chapa de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).
“De fato, esse argumento a defesa é um argumento inteligente, só que o argumento do relator foi de que o achado lá da minuta do golpe apenas comprova a toda a construção de uma narrativa, de uma eventual tentativa [de golpe] que já tinha sido iniciada desde 2021. Apesar de citar esse elemento, no entender dele, aquilo não foi crucial para a decisão dele”, avaliou Magalhães, destacando que, como advogado, vê como “imprudente” a inclusão do documento.
“De fato, é um fato novo e eu acho perigoso cada eleição você ter um entendimento diverso, mas o relator entendeu que a minuta do golpe não alteraria o entendimento dele, mais ou menos isso”, pontuou o advogado, que apesar de uma movimentação de parlamentares bolsonaristas para votar um projeto que prevê “anistia” a Bolsonaro em caso de condenação, não vê possibilidade da estratégia prosperar.
LEIA A ENTREVISTA COMPLETA:
O TSE retomou nesta manhã o julgamento que pode resultar na inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Caso condenado, ele terá que ficar 8 anos longe da política, mas ele ainda responde a mais 15 ações na Justiça Eleitoral. Esse limite é o máximo, ou eventuais condenações em outros processos poderiam ampliar a pena?
Repare, é diferente, por exemplo, da seara penal, onde se o indivíduo cometeu vários crimes, ele responde em processos diferentes e no cumprimento as penas têm que ser somadas. [Ou seja], quando ele cumprir um, ele pode estar cumprindo outra e aí pode ficar muito mais tempo recluso, por exemplo.
No eleitoral não. No eleitoral, a inelegibilidade, que é o caso do ex-presidente, ela vai contar do ano da eleição. E os outros processos também, que são sobre suposto abuso de poder político, abuso de poder econômico, uso indevido dos meios de comunicação, também a sanção é justamente a inelegibilidade de oito anos. Só que essa inelegibilidade no eleitoral, ela conta da eleição. Então, mesmo que ele seja condenado em outras ações, que estão lá em trâmite no próprio TSE, essa inelegibilidade não vai ser somada se ele já for condenado.
Ele pode ser condenado em vários processos na mesma eleição, mas só conta uma inelegibilidade, que é os oito anos daquela eleição pra frente. Não vai somar. Ele não vai pegar oito anos da ação movida pelo PDT, que vai até 2030, e depois, se for condenado, somar mais mais oito não.
Tem ações que o PT moveu contra Bolsonaro, e eu, pessoalmente, acho que os argumentos das outras ações são até mais fortes que os do PDT.
Então o resultado desses outros processos na Justiça Eleitoral vai ser mais uma questão de revés político, porque vai arranhando a imagem dele?
É, mas, assim, além de político é o Jurídico também, porque pra ele tentar reverter, ele vai ter que derrubar as decisões desfavoráveis em cada processo. Agora está sendo julgado em uma ação que o PDT moveu. Se ele perder, eventualmente ele vai recorrer pro próprio TSE, com embargo de declaração, pra tentar sanar alguma obscuridade e depois ele vai recorrer ao STF.
E aí, se vem outra ação, com outro fundamento – porque teve ação com fundamento na concessão de
auxílios no ano eleitoral, uso dos meios de comunicação -, então ele vai ter outro processo, outra frente. Então, assim, há desgaste político, obviamente, mas também jurídico. Pra reverter, ele vai ter que desfazer as condenações em vários processos e obviamente vai dar muito mais trabalho.
Falando da questão do número de processos, uma eventual condenação na ação julgada hoje, isso também poderia resultar em processos em outras esferas que não a eleitoral, dado que o relator determinou o envio para o Tribunal de Contas da União (TCU), Procuradoria Geral da República (PGR) e Supremo Tribunal Federal?
Pode resultar sim em outras. Você mesmo já disse aí, o relator na conclusão dele também determinou que fosse enviada cópia desta decisão para o órgão de controle, o TCU, o próprio MPF, e, inclusive, para o STF, no âmbito daquele inquérito das Fake News.
Então, isso pode se transformar em provas, em elementos pra outras ações. Seja ação de improbidade, seja no próprio inquérito das Fake News, sob a relatoria de Alexandre de Moraes no STF, e também no TCU, porque, afinal de contas, o ponto fulcral desse caso aí foi o uso do espaço público, porque ele fez uma apresentação para os embaixadores, utilizou a TV pública, então houve dinheiro público para em tese um ilícito, se o voto [do relator] for confirmado.
Pode resultar em ações penais, em ação de improbidade, em multa pra ressarcir o erário, com custo daquilo que aconteceu.
Ainda sobre esse esse julgamento, o PDT havia pedido a inelegibilidade da chapa de Jair Bolsonaro e Walter Braga Netto (PL), mas o relator votou pela condenação só do ex-presidente e pela absolvição do general, candidato a vice-presidente. Você pode explicar esse entendimento do ministro Benedito Gonçalves e qual a diferença da conduta dos dois alvos da ação?
Essas ações eleitorais visam sobretudo cassar um mandato da chapa. Essa foi uma ação que foi ajuizada antes inclusive da eleição. Ou seja, não se sabia se ia sair vitorioso ou não. Então, vamos dizer assim, o principal pedido seria a cassação da chapa, só que essa chapa não foi eleita.
Mas assim, aí vem um conceito da Justiça Eleitoral, que diz que a chapa majoritária é uma e indivisível. A posse de um acompanha o outro, ou seja, por isso que o vice sempre tem que estar como réu também nesses processos. Porque, se a chapa for cassada, o vice também vai ser prejudicado, ele também perderia o mandato de vice.
Então, ele tem que participar do processo, ele tem que apresentar defesa, tudo isso em razão do princípio do contraditório e ampla defesa. Então, por ser uma chapa majoritária, o vice necessariamente deveria participar.
Uma outra consequência desse tipo de ação é justamente a declaração de inelegibilidade. Se nesse caso específico a chapa não foi eleita – a chapa Bolsonaro e Braga Netto perdeu a eleição -, o primeiro pedido não tem como ser atendido, porque eles não foram eleitos.
O segundo é justamente a declaração de inelegibilidade daqueles que atuaram para a prática do abuso de poder, e nesse caso o relator entendeu que Braga Netto, o vice, não praticou o abuso e por conta disso, ele só declarou inelegibilidade daquele ator principal do abuso, que o ex-presidente Bolsonaro.
Isso é muito comum nas ações de cassação de chapas majoritárias no TSE ou na Justiça Eleitoral. Assim, quando a chapa é eleita, aí naturalmente se cassa os dois, prefeito e vice, governador e vice. Mas, na análise da inelegibilidade, o TSE tem diferenciado quem foi que atuou para a prática do abuso, e aí faz a separação.
Foi o caso do que aconteceu com Braga Netto. Apesar de fazer parte da chapa, ele não foi eleito, então não tem que perder o mandato, mas como ele não praticou [o crime eleitoral], ele não estava lá naquela reunião, ele não convocou nada, ele só entrou [no processo] porque ele era vice de Bolsonaro, ele entrou como réu no processo. Mas nesse caso há uma cisão em relação à responsabilidade pelo ato, por isso que só o Bolsonaro foi declarado inelegível.
Aí, caso a chapa tivesse vencido a eleição, dentro desse entendimento, é provável que ela seria cassada para não prejudicar o concorrente…
Exatamente. Caso Bolsonaro tivesse sido eleito e caso o relator mantivesse esse entendimento, seriam cassados os dois, Bolsonaro e Braga Netto.
Um dos argumentos da defesa de Bolsonaro é comparar o caso dele com o caso da absolvição de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), tendo em vista a inclusão da minuta do golpe encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres nos autos. Como você avalia essa argumentação, ela é válida? Ela pode prosperar? Qual é a diferença entre os dois casos?
O que se argumentou na chapa Dilma e Temer foi que, após o ajustamento da ação, porque neste tipo de ação, no ajuizamento você indica as provas que pretende produzir, indica testemunhas, mas essa ação tem um condão de instaurar um procedimento pra investigar a conduta.
Na chapa Dilma e Temer houve a tentativa de se colocar elementos das delações premiadas, na época da Operação Lava Jato, para indicar que houve o fornecimento de recursos advindos de ilicitudes da Petrobras com as empreiteiras para a candidatura presidencial. E o TSE entendeu que depois do momento do ajuizamento aqueles fatos seriam objeto e não aceitou que esses elementos fizessem parte do processo
Nessa agora de Bolsonaro tem algo realmente parecido, que foi, depois da indicação dos elementos, a inclusão de um fato que ocorreu até depois da eleição, que foi a descoberta da tal minuta do golpe.
De fato, esse argumento a defesa é um argumento inteligente, só que o argumento do relator foi de que o achado lá da minuta do golpe apenas comprova a toda a construção de uma narrativa, de uma eventual tentativa [de golpe] que já tinha sido iniciada desde 2021. Apesar de citar esse elemento, no entender dele, aquilo não foi crucial para a decisão dele. Mesmo que não achasse aquela minuta, aquilo não seria decisivo. No caso Dilma e Temer, entendeu-se que as delações, que foram inclusive depois da instrumentação, seriam decisivas para o cometimento abuso. E a tese lá foi vencida por 4 a 3. Agora, o não entendeu.
É importante a gente ver que a composição do TSE já é outra. Não tem nenhum daqueles ministros que julgaram a chapa Dilma e Temer estão presentes hoje, então, os ministros, como não foram eles que julgaram, não têm um compromisso com os votos dos outros, então pode haver esse tipo de entendimento.
Eu, particularmente, acho que essa minuta do golpe não deveria fazer parte do processo. Porque, de fato, é um fato novo e eu acho perigoso cada eleição você ter um entendimento diverso, mas o relator entendeu que a minuta do golpe não alteraria o entendimento dele, mais ou menos isso.
Então seria mais prudente ele nem incluir, nesse caso, já que não é decisivo?
Eu, particularmente, como advogado, acho que não seria prudente, porque isso vai ser um elemento discutido no eventual recurso. Do tipo, em 2018 vocês não aceitaram, o TSE não aceitou, por que agora em 2022 vocês estão aceitando?
Mas, enfim, eu acho que a coisa já está assim, cada um com seus entendimentos já consolidados. Não sei se vai fazer muita diferença isso. Mas, de fato, esse argumento da defesa tem fundamento.
Tem mais algum ponto que você considera importante acrescentar sobre esse julgamento e o futuro do ex-presidente Bolsonaro?
Repare, logo no início você perguntou sobre o prazo que a lei fala que fica inelegível, por oito anos. Só que se conta a partir da data da eleição, então, como o primeiro turno ocorreu, salvo engano, em 2 de outubro, então Bolsonaro ficaria inelegível até 2 de outubro de 2030. Só que há um entendimento do TSE hoje de que a inelegibilidade, se ela for afastada até a data da diplomação, que é ali no final de dezembro, a pessoa pode se candidatar.
Então, em tese, se prevalecer o entendimento do TSE hoje, na eleição de 2030 é capaz dele poder se candidatar. Então, o que seria uma elegibilidade de oito anos não necessariamente seria oito anos. Seria na verdade seis. Ele ficaria inelegível por duas eleições municipais e uma presidencial. Agora, se prevalecer o entendimento atual do TSE. Como eu te disse, o TSE muda o tempo todo. É natural, a composição é assim. Em 2030 a gente não vai saber como é que vai estar a composição.
Se fosse o entendimento de hoje, eu não tenho dúvidas que Bolsonaro poderia ser candidato já em 2030, porque tem esse entendimento da jurisprudência eleitoral, de que se a inelegibilidade acabar antes até da diplomação, o candidato pode ter o registro deferido e pode ser candidato. É curioso até, porque todo mundo vê oito anos, quando na verdade, na prática, acabam sendo seis.
Deputados bolsonaristas planejam propor um projeto para anistiar o ex-presidente, caso ele seja declarado inelegível. Você acha que isso é constitucional e tem como isso prosperar?
Eu vi até essa matéria ontem, eu acho um pouco provável que isso prospere. Primeiro politicamente, acho que é difícil conseguir no parlamento uma maioria para aprovar. E outra coisa, sendo aprovado, o presidente da República teria que sancionar. Só que é Lula, rival de Bolsonaro, que vetaria e o Congresso teria que derrubar o veto.
E se votado e aprovado, eu acho que isso fere princípios constitucionais e que certamente o Supremo iria obviamente declarar inconstitucional. É mais lenha nessa fogueira. Estão criando casos pra deixar a coisa acesa, mas acho que não tem muita chance de êxito nisso aí.
Então seria mais uma estratégia política?
Na linha do que eles atuam, o povo que defende Bolsonaro, é uma linha bem inteligente. Eles querem manter o cara em evidência, tanto que ele está em evidência, não é? Ele deixou de ser presidente e continua em evidência.
Ele pretende inclusive seguir um pouco da linha do que ocorreu com o presidente Lula, de se colocar como vítima…
Como vítima, como injustiçado e tal, enfim, é uma estratégia.
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