Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
Com o risco da própria vida
Em um cotidiano no qual nem todas as ocorrências são resolvidas por meio da verbalização ou negociação, o risco não é mero acidente

Que a carreira policial traz consigo uma série de riscos é inquestionável, mas quando da ocorrência de fatos como os que resultaram na morte de um sargento policial militar e de um civil, além de ferimentos em mais três pessoas, entre elas, um soldado, em Britânia, no vizinho estado de Goiás, na noite da última sexta-feira (8), quase sempre, vêm à baila, através da mídia, questões sobre os limites e as possibilidades da submissão aos riscos inerentes à profissão e a delimitação da tênue fronteira que existe entre o gradiente de força legítima que os agentes da lei precisam empregar e os abusos que alguns costumam cometer no cumprimento de suas missões.
É justamente neste fio de navalha que se instala a polêmica porque se a polícia está pré-autorizada a usar da força ao ser chamada a atuar, é justamente isso que se espera que ela o faça, sempre que necessário, quando “algo que não deveria estar acontecendo está acontecendo e alguém deve fazer algo a respeito agora”, como nos ensina Egon Bittner. Afinal, em um cotidiano onde nem todas as ocorrências são resolvidas por meio da verbalização ou negociação, o risco não é mero acidente.
Nesse sentido, embora haja um padrão nacional sobre o uso da força pela polícia e os policiais brasileiros sejam treinados com base nesses parâmetros de minimização dos riscos, essa padronização não se configura em um fim em si mesmo, pois, além de nem todas as situações possíveis de serem vivenciadas em serviço serem passíveis de treinamento, possuem um componente fundamental que é o fator humano. Assim, na dinâmica das ações policiais, não há uma abordagem igual à outra, pois situações altamente complexas surgem do nada e não há garantias de que um suspeito não vá reagir, terceiros não venham a intervir ou que uma multidão não se enfureça.
Por mais que, ao longo dos tempos, as corporações policiais venham criando e implementando mecanismos e modelos de uso progressivo da força, no intuito de tornar seus agentes aptos para responderem de forma correta às situações de ameaça e perigo que surgirem, engana-se quem pensa que é fácil preservar a ordem publica!
Se em um contexto de normalidade da ordem pública já é grande o esforço das forças de segurança para manterem a credibilidade e a legitimidade no exercício do mandato policial, é fácil imaginar o quanto é difícil fazê-lo quando uma sociedade, a exemplo da brasileira, vive uma condição em que a eficácia social e a moralidade cultural das normas legais tendem a zero.
O risco é horizonte inseparável
da condição humana
Como nada acontece por acaso e nenhum mal ocorre sem pelo menos o nosso secreto consentimento, não é necessário ser um cientista social para compreender como chegamos ao ponto de um grupo de pessoas, em principio sem antecedentes criminais e sem envolvimento em outras irregularidades de grande gravidade, não hesitar em se confrontar com uma guarnição da Polícia Militar, durante uma simples abordagem de rotina, motivada pelo uso abusivo de som automotivo, atentando contra a vida e a integridade física dos seus integrantes.
Nessa lógica, em meio a muitas reflexões e ações da sociedade como um todo, cabe aos profissionais de segurança pública fazerem um “mea culpa”, a começar pelo uso imoderado e imotivado da força física, em operações de policiamento ostensivo e investigativo, principalmente contra as classes menos favorecidas, pois, pode ser que nesta falta de comedimento e seletividade possa estar a causa deste processo em que, em lugar de serem vistos como defensores, passam a ser percebidos como algozes daqueles a quem deveria proteger.
Por outro lado, não podemos olvidar do potencial destrutivo desses atentados contra agentes encarregados da aplicação da lei, pois, impactando diretamente na autoconfiança dos policiais, não raro, alimentam o perigoso círculo vicioso onde as leis já não conseguem inibir a criminalidade, dando azo ao uso da força com mais frequência e intensidade do que o recomendado, além de poder fazer despertar, em setores mais radicais, o desejo de fazer justiça com as próprias mãos para vingar os companheiros assassinados.
Mesmo que uns não queiram, polícia só é polícia porque autorizada legitimamente a usar a força. Nessa lógica, gostemos ou não, é necessário reconhecermos essa autorização e discutirmos apenas os limites e as possibilidades do seu uso e a capacidade de discernimento e o preparo dos seus integrantes para usá-la corretamente, para que cada missão dada, também, seja uma missão cumprida, sob a égide do juramento que fizeram de defender a sociedade, ainda que com o risco da própria vida. Afinal, o risco é horizonte inseparável da condição humana.
Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
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