Marcos Sampaio é advogado, procurador do Estado da Bahia, professor da Faculdade Bahiana de Direito e da Faculdade de Direito da Unifacs.
Imani, Brexit e sorrisos
A divisão social, política e econômica promovida pelo modo intolerante de suportar as diferenças transforma cada um de nós em homens e mulheres de cinzas
“Quem vive num labirinto, tem fome de caminhos”. Foi a partir dessa frase que conheci o jornalista moçambicano Mia Couto, vencedor do Prêmio Camões em 2013, e que passei a acompanhar sua produção, encantando-me com seus romances notáveis, dotados de grande força expressiva.
Em Mulheres de Cinzas (que em nada se confunde com os tons de cinza mais conhecidos atualmente), a história de Imani, uma jovem de 15 anos que pertence à tribo dos VaChopi e que, por conhecer vários idiomas, passa a atuar como intérprete do militar português Germano de Melo em sua missão de combater a resistência colonial dos guerreiros africanos. Dividida entre o trabalho e a família, ela percebe que num país assombrado pela guerra dos homens, a única saída que tem é passar despercebida, como se fosse feita de sombras ou de cinzas.
Passar invisível foi a força que Imani encontrou para situar-se num universo hostil onde o diálogo sucumbira ao poder dos canhões e baionetas, mas sem perder sua essência e o vigor de suas crenças.
De alguma maneira, talvez ironicamente, o livro ensina que perder os caminhos do diálogo no atual labirinto da vida promove a separação, o isolamento humano e, com isso, fortalece um mundo muito mais difícil de ser vivido, explorado e usufruído. Um mundo pior, enfim.
Ao invés de construir pontes de diálogos, a humanidade parece demonstrar ter retornado ao Século XIX, com seus universos fechados e sociedades distantes, umas das outras. Somente isso explica a incapacidade de resolver os problemas dos refugiados sírios, a decisão de saída do Reino Unido da União Europeia e o risco do avanço de líderes personalistas e ultranacionalistas na França, Estados Unidos e em muitos outros locais, incluindo o Brasil.
Talvez seja melhor trocar a ira
pela tolerância e o carpir pelo sorrir
O mundo globalizado somente pode se sustentar na temperança mútua e na decisão definitiva de buscar soluções para os atuais problemas comunitários na capacidade de conviver com as diferenças, sempre respeitando o ponto de vista alheio.
Os eurocéticos do Brexit possuem muitas razões para apontar suas irresignações e demonstrar, como aliás tem acontecido em quase todo o mundo, que a sociedade se cansou dos mesmos políticos. Daqueles que insistem em fazer promessas descumpridas e revelam enorme autoridade para criticar, mas são pífios em realizar.
A divisão social, política e econômica promovida pelo modo intolerante de suportar as diferenças transforma cada um de nós em homens e mulheres de cinzas. Acabamos desaparecidos num contexto em que a descrença nas fórmulas institucionalizadas de poder nos afasta, perigosamente, dos espaços coletivos. Não se constrói democracia com exclusão dos diferentes, nem com a predominância de uma única ideia vencedora, mas com a efetiva participação de todos e de cada um, a seu modo, no seu jeito e em seu tempo. E quando recuperarmos a capacidade de conversar, convencer ou mudar de ideia poderemos construir um mundo melhor, para todos.
Nessa quadra difícil de um mundo acinzentado, talvez seja melhor tentar trocar a ira pela tolerância e o carpir pelo sorrir. Mesmo em momentos difíceis, poucas vezes não me entreguei ao sorriso envolvente e cativante, de gente que somente faz bem a alma e ao coração. Talvez por isso Mia Couto esteja certo quando nos ensinou que “rir junto é melhor que falar a mesma língua. Ou talvez o riso seja uma língua anterior que fomos perdendo à medida que o mundo foi deixando de ser nosso”.
Viva o nosso mundo, sorrindo mais.
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