Pleito tem suspeita de fraude por transferência em massa de eleitores entre cidades
Em Correntina, na Bahia, por exemplo, a juíza eleitoral da região chamou a polícia em abril após duas pessoas supostamente tentarem promover a fraude no cartório eleitoral
As eleições de 2024 abrigaram a suspeita de uma fraude envolvendo pequenos e médios municípios de vários estados do país, em um possível esquema até agora pouco visível na lista dos malfeitos eleitorais: a compra de votos em massa por meio da transferência coletiva e ilegal de títulos de eleitores entre uma cidade e outra. A informação é de uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo.
O jornal mapeou nos últimos meses na Justiça Eleitoral e na Polícia Federal prisões, operações e investigações que se espalharam pelo país em decorrência de transferências em bloco de domicílio eleitoral, o que em algumas cidades pode ter sido determinante para a eleição fraudulenta de prefeitos e vereadores.
Dados colhidos pela Folha no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) mostram que 82 municípios —a grande parte deles com menos de 10 mil habitantes— viram seu eleitorado crescer entre 20% e 46% só com a transferência de títulos de outras cidades.
Devido a isso, 58 dessas cidades vivem a inusitada situação de terem mais eleitores formais do que a população residente.
Considerando os municípios com aumento de 15% dos eleitores com as transferências de títulos, o número de cidades sobe para 229.
Um caso exemplar aconteceu em Fernão, a 400 km de São Paulo. A pequena cidade tem 1.656 moradores, de acordo com o Censo de 2022, o que inclui crianças e adolescentes que não votam. O eleitorado oficial, porém, é maior do que toda a população, 1.754, graças a um incremento de 17% só com a transferência de títulos.
O candidato Bill, do PL, foi eleito prefeito com diferença de apenas 1 voto em relação ao atual chefe do Executivo, Zé Fodra (PSD). Foram 522 votos a 521.
Bill, cujo nome é Eber Rogério Assis, é alvo do Ministério Público justamente sob a acusação de ter patrocinado de forma fraudulenta a transferência de mais de 60 eleitores de outras cidades para Fernão.
A Promotoria Eleitoral entrou com ação para impedir sua posse e, em 22 de outubro, o juiz Felipe Guinsani suspendeu de forma liminar a diplomação.
Segundo o juiz, o eleito, que é vereador e veterinário da Casa da Agricultura de Fernão, “promoveu uma verdadeira arregimentação de eleitores, proporcionando-lhes facilidades para transferência fraudulenta de títulos eleitorais”.
“Isso ocorreu em um município de pequeno porte, com apenas 1.754 eleitores aptos a votar, o que demonstra a potencialidade da conduta para influenciar o resultado das eleições.”
A liminar foi cassada dias depois pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo sob o argumento de ser necessário o direito à ampla defesa.
A Folha entrou em contato com a defesa de Bill, mas não houve resposta. Em rede social, ele disse que é alvo de acusações infundadas e injustas.
Outro caso ocorreu em Divino das Laranjeiras, no leste de Minas Gerais. A cidade tem 4.178 habitantes, de acordo com o Censo de 2022, tendo encolhido 15,4% em relação ao levantamento anterior. No caso do eleitorado oficial, porém, ocorreu o inverso: um crescimento de 15,6%, chegando a 4.968 pessoas.
O TRE de Minas Gerais informou que há processos em segredo de Justiça sobre aliciamento de eleitores para a cidade.
A três dias da eleição, o Ministério Público ingressou com pedido de anulação da transferência de 38 eleitores. “Os impugnados se envolveram em uma trama ardilosa em que interpostas pessoas, com o nítido propósito de burlar o sistema eleitoral, cooptaram eleitores”, escreveu a promotora eleitoral Mariana Cristina Pereira Melo, sem citar o nome do candidato.
Na manhã seguinte, 4 de outubro, a Polícia Federal deflagrou a Operação Sufrágio, afirmando que o esquema envolveu a transferência de cerca de mil títulos. No mesmo dia, a Justiça cancelou o registro de apenas três eleitoras que confessaram a fraude. Os demais puderam votar.
Em Divino, Reinaldo Romualdo dos Santos (MDB) venceu Emanuel Antonio Siqueira (Republicanos) por 268 votos de diferença.
Outro caso ocorreu em Elesbão Veloso, cidade do Piauí que também viu a sua população encolher 6% de 2010 a 2022, mas o eleitorado oficial subir 8% —mais um exemplo no qual o número de eleitores superou o de habitantes.
Em maio, a Justiça cancelou sete transferências de votantes que apresentaram como prova de residência contas de luz falsas.
Em agosto, a PF deflagrou a Operação Águas Rasas devido à suspeita de fraude em 126 transferências de título para a cidade, todas por meio de comprovantes falsos, alguns emitidos pela empresa de água e esgoto do estado. De acordo com a polícia, o suspeito de produzir os documentos era um servidor público e candidato a vereador.
Na cidade, Ronaldo Barbosa (PP) derrotou Dr. Cleriston (PT) por diferença de 712 votos.
O estado com o maior número de cidades que elevaram em mais de 20% o número de pessoas aptas a votar é Goiás. Foram 19, entre elas Guarinos, a campeã em crescimento (46%), e Davinópolis, onde o eleitorado oficial (4.405) é mais do que o dobro do que toda a população contada pelo IBGE.
O TRE de Goiás disse, em nota, que há investigações da Polícia Civil em Aragoiânia e da Polícia Federal em Santo Antonio do Descoberto. Houve ainda pedido de revisão do eleitorado em alguns municípios, mas eles foram negados por falta de indícios de irregularidade.
O órgão afirmou também que a revisão do eleitorado baseado em distorções de natureza estatística (mais eleitores que moradores, por exemplo) é de competência exclusiva do TSE —que foi procurado pela reportagem, mas não se manifestou.
Além das ações judiciais, eleitores em vários estados foram presos em flagrante tentando transferir o título com documentação falsa. Em Correntina (BA), por exemplo, a juíza eleitoral da região chamou a polícia em abril após duas pessoas supostamente tentarem promover a fraude no cartório eleitoral.
Em novembro, reportagem do Fantástico, da TV Globo, mostrou indícios de que houve mercado ilegal de eleitores em Mangaratiba, balneário do Rio de Janeiro que também ganhou milhares de novos votantes.
Para transferir seu local de votação, o eleitor precisa comprovar vínculo residencial, afetivo, familiar, profissional, comunitário ou de outra natureza com a nova cidade. Quando há a burla, ela geralmente é enquadrada nos artigos 289 e 290 do Código Eleitoral, com penas de 2 a 5 anos de prisão mais multa.
Suspeita de fraude por transferência de eleitores
Qual é a suspeita
A Justiça Federal e a Polícia Federal investigam as transferências em bloco de domicílio eleitoral de votantes de cidades pequenas e médias, o que pode ter sido determinante para a eleição de prefeitos e vereadores.
Exemplos investigados
Em Fernão, a 400 km de São Paulo, o candidato Bill (PL) foi eleito prefeito com diferença de apenas 1 voto em relação a Zé Fodra (PSD): 522 votos a 521. O eleitorado oficial da cidade cresceu 17% só com a transferência de títulos, o que fez com que o número de eleitores aptos fosse maior do que o total de moradores.
Outro caso ocorreu em Divino das Laranjeiras, no sul de Minas Gerais. A cidade tem 4.178 habitantes, segundo o Censo de 2022, tendo encolhido 15,4% em relação ao levantamento anterior de 2010. No caso do eleitorado oficial, porém, ocorreu o inverso: um crescimento de 15,6% em relação à eleição anterior, chegando a 4.968 pessoas.
Como seria a fraude
Para transferir seu local de votação, o eleitor precisa comprovar vínculo residencial, afetivo, familiar, profissional ou comunitário com a nova cidade. Segundo as investigações, há indícios de uso de contas de luz, água e esgoto como comprovantes de residência falsos emitidos por servidores públicos.
Qual é a punição para os eleitores
Caso comprovadas as irregularidades, os eleitores podem ser enquadrados nos artigos 289 e 290 do Código Eleitoral, com penas de 2 a 5 anos de prisão mais multa.
Mais notícias
-
Eleições 2024
14h15 de 17 de dezembro de 2024
Pablo Roberto decide assumir vice-prefeitura de Feira de Santana
José Ronaldo e Pablo Roberto foram eleitos nas eleições de outubro deste ano, no primeiro turno.
-
Eleições 2024
06h49 de 17 de dezembro de 2024
Campanha de 2024 foi recordista em violência política, aponta pesquisa
Segundo entidades, impunidade é responsável pelo crescimento dos casos
-
Eleições 2024
17h29 de 16 de dezembro de 2024
José Ronaldo é diplomado e diz que anunciará secretariado antes do Natal
"Ao lado do meu vice-prefeito Pablo Roberto, trabalharemos juntos para fazer uma cidade melhor", diz prefeito eleito
-
Eleições 2024
16h20 de 05 de dezembro de 2024
Eleitor que não votou no 1º turno tem até esta quinta-feira (5) para justificar ausência
Ato pode ser feito por meios digitais ou presencialmente
-
Eleições 2024
15h42 de 04 de dezembro de 2024
José Ronaldo tem contas eleitorais da campanha aprovadas pela Justiça Eleitoral
Em parecer conclusivo, a unidade técnica da Justiça Eleitoral não apontou impropriedades ou irregularidades nas contas analisadas
-
Eleições 2024
14h31 de 21 de novembro de 2024
Oposição vai à Justiça após suspeitas de irregularidades em Santo Estêvão
Coligação União do Povo de Santo Estêvão, composta por partidos como PDT, PT e PSD, protocolou impugnação da chapa eleita na cidade
-
Eleições 2024
21h40 de 19 de novembro de 2024
TSE decide que Sheila Lemos poderá tomar posse como prefeita reeleita em Conquista
Apesar de conquistar 116 mil votos na eleição de outubro, ela foi considerada inelegível pelo TRE-BA, mas recorreu à instância superior
-
Eleições 2024
18h39 de 13 de novembro de 2024
Candidatos e partidos que participaram do segundo turno têm até 16 de novembro para prestar contas
Na Bahia, o procedimento será realizado pelas candidatas, candidatos e órgãos partidários envolvidos no pleito de Camaçari
-
Eleições 2024
16h00 de 10 de novembro de 2024
PSOL diz que desmonte promovido por Moema afeta serviços públicos essenciais em Lauro de Freitas
Legenda diz que prefeita age por 'vingança' após derrota de aliado nas urnas; procurada, a petista não se manifestou