Luiz Estevão financiou reforma de bloco na Papuda onde está preso
De acordo com o Ministério Público, não há registro oficial da obra, que levou mais de seis meses e ilevou às mudança de todo o arquivo do sistema prisional do DF
Após mais de um ano de investigação, o Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) desvendou a reforma do bloco 5 do Centro de Detenção Provisória (CDP) da Papuda, que o tornou bastante diferente das demais instalações do complexo penitenciário. No prédio, estão localizadas as alas de vulneráveis, de ex-policiais e de presos federais. O ex-senador Luiz Estevão, que se encontra no local atualmente, financiou a ampla reforma do espaço.
Não há nenhum registro oficial da obra, que levou mais de seis meses e implicou a mudança de todo o arquivo do sistema prisional do DF. Em depoimento ao Ministério Público, o ex-senador confirmou a reforma. Ele disse que atendeu ao pedido do ex-ministro de Justiça Márcio Thomaz Bastos, falecido em 2014, que estaria preocupado com o destino dos seus clientes da Ação Penal 470, conhecida como “mensalão”.
Estevão foi condenado a 31 anos de cadeia por desvio de verbas das obras do Fórum Trabalhista de São Paulo. A condenação foi imposta em 2006 pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF3). Na mesma ação foi condenado o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, que presidiu o Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região (TRT2).
Nos dez anos que se seguiram à condenação, Estevão apresentou 34 recursos aos tribunais superiores. Em janeiro, o Ministério Público Federal requereu ao ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), o início da execução da pena de prisão imposta pelo TRF3.
Na ação, o Ministério Público do Distrito Federal aponta que a forma como foi realizada a obra do bloco, na Papuda, teve “o intuito deliberado de ocultar seus verdadeiros propósitos”. Após diversas diligências, foi possível ouvir profissionais que trabalharam no local e demais envolvidos, além de terem sido obtidas notas fiscais comprobatórias dos materiais empregados na reforma do bloco 5 do CDP e na construção de um galpão para abrigar os arquivos do complexo.
Diante dos fatos, na última sexta-feira (5), o Ministério Público ajuizou ação de improbidade administrativa – desrespeito aos princípios da administração pública como impessoalidade, moralidade e publicidade – contra o ex-senador Luiz Estevão e a cúpula do sistema prisional do DF à época: o então subsecretário do Sistema Penitenciário (Sesipe), Cláudio de Moura Magalhães; o coordenador-geral da Sesipe, João Helder Ramos Feitosa; e o diretor do CDP, Murilo José Juliano da Cunha. Na ação, há o pedido liminar de indisponibilidade dos bens dos réus.
O Ministério Público pede também a sanção máxima prevista no artigo 12 da Lei 8.429/92, que prevê a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos, o pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. Há ainda o pedido de dano moral coletivo.
Conluio – As investigações comprovaram que o ex-senador Luiz Estevão, em conluio com os demais autores, determinou a uma arquiteta de seu grupo econômico a contratação de uma sociedade empresarial sem sede própria ou funcionários, com endereço falso, para executar a obra. Segundo apurou o Ministério Público, essa manobra tentou evitar qualquer associação com o ex-senador. Por isso, foi contratada a empresa SR2 em regime de empreitada: a mão de obra e ao menos grande parte do material foram adquiridos pela empresa para subsequente pagamento do Grupo OK. As informações foram confirmadas ao Ministério Público por pedreiros e pelo mestre de obras que trabalharam no local.
Em 22 de fevereiro de 2014, promotoras de Justiça de Execução Penal, em visita de rotina, notaram a realização de ampla reforma no bloco 5 do CDP. No local, funcionavam o Núcleo de Arquivo (Nuarq), outras unidades administrativas e algumas celas destinadas a presos encaminhados pela Justiça Federal. Elas perceberam que o padrão arquitetônico e o acabamento da obra destoavam completamente do utilizado para alocação de presos provisórios, contrariando a Resolução nº 9 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). A direção do estabelecimento prisional se recusou a fornecer qualquer informação sobre a obra, com que recursos estava sendo executada e o perfil dos presos que cumpririam pena no local.
Para o Ministério Público, a situação era inusitada: uma reforma no sistema prisional dessa envergadura que não era do conhecimento da Subsecretaria de Administração Geral, dos engenheiros da Secretaria de Segurança Pública e, mais estranhamente, da chefia do Núcleo de Reparos do próprio CDP. A inspeção e essas percepções foram registradas no relatório encaminhado mensalmente ao Conselho Nacional do MP (CNMP). “Em verdade, não fosse a investigação do Ministério Público, nenhuma autoridade informaria quem teria promovido a reforma”, afirmam os promotores de Justiça na ação.
O que causou mais estranheza foi o fato de o Ministério Público ter ingressado com ação, em 15 de julho de 2013, pedindo a reforma desse mesmo bloco em decorrência da superlotação das unidades prisionais e da falta de condições mínimas de salubridade. A resposta, de 12 de agosto de 2013, demonstrava a impossibilidade de realizar a obra de imediato. Em nenhum momento foi comunicada a mudança de postura.
“Imperioso salientar que, segundo informações da Gerência de Engenharia e Arquitetura (Gearq), a reforma demandará tempo para estudos, levantamentos, concepção do projeto, em acordo com a Resolução n° 9/2011 do CNPCP, dimensionamento do projeto, preparação do projeto básico e demais documentos necessários para a licitação, preparação do edital, análise do edital pela Procuradoria do DF, realização da licitação e a execução das obras de reforma, conforme as normas de segurança e funcionalidade”, informou o então subsecretário do Sistema Prisional, Claudio de Moura Magalhães.
No dia seguinte ao envio da resposta, a arquiteta do Grupo OK ingressou na Papuda, junto com o arquiteto da empresa para a qual seria terceirizado o serviço, para dimensionar o trabalho a ser desenvolvido. “No decorrer da investigação, ficou demonstrado que, quando o então subsecretário respondeu ao Ministério Público, já havia aceitado a demanda do ex-senador Luiz Estevão para reformar o local a seus moldes, criando uma verdadeira ilha no complexo prisional, com ambientes salubres, utensílios diferenciados e funcionamento totalmente diferente das demais unidades”, reforçam os promotores de Justiça na ação.
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