Do tabuleiro ao e-commerce: maternidade que impulsiona o empreendedorismo baiano
Mães baianas atravessam três séculos na criação de filhos e negócios
Por Gabriela de Paula
O Bahia.BA trará, nos próximos dias, uma série especial de reportagens mostrando como a maternidade é a força por trás de histórias de sucesso no empreendedorismo em nosso estado. Desde os tempos do Império até o mundo do digital, mães fazem negócios para realizar seu maior sonho: criar os filhos com dignidade.
Sem sequer ter saído do quarto, o dia só começa depois de ouvir o pedido de bênção. A resposta que sai dos lábios reflete algo muito maior guardado e multiplicado no coração da mãe de Maria Flor, uma doce garotinha autista de seis anos de idade. Banho tomado, dentes escovados e barriguinha cheia, ela segue com a avó, mãe de seu pai, para a rotina de terapias que nutrem seu desenvolvimento. Assim que a pequena passa pelo portão da casa, Renata Gunes pega outro caminho: a escada que leva ao seu ateliê de confeiteira. É neste local que ela, através do sonho de outras famílias em ter uma festa marcante, realiza o sonho de acompanhar cada passo do crescimento da sua razão de viver.
Renata não é uma exceção. O Global Entrepreneurship Monitor (GEM) mostrou que 55,5% dos empreendimentos criados no auge da pandemia no Brasil tinham mulheres à frente. Na Bahia, elas já ocupam 35% do total de CNPJs, sendo 79% negras . “Flexibilidade virou moeda de troca para permanecer ativa e perto dos filhos”, resume Rosângela Gonçalves, gestora do programa Sebrae Delas. Mas as histórias de sobrevivência ou sucesso que nascem após o parto vêm de muito longe.
Levantamento com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD Contínua de 2022 mostra em números a desigualdade da participação masculina e feminina dentro de casa. A 3ª edição do estudo “Estatísticas de Gênero – Indicadores Sociais das Mulheres no Brasil”, do IBGE, aponta que entre pessoas ocupadas, ou seja, aquelas que costumamos dizer que trabalham fora, as mulheres dedicam em média 17,8 horas semanais aos cuidados domésticos. São quase sete a mais que os homens na mesma condição.
E ainda não colocamos os filhos na equação. “A chamada economia do cuidado interfere muito no universo feminino, porque existe toda uma pressão social estruturada na cultura de que a mulher precisa assumir os cuidados domésticos. Sendo a responsável pela casa já é mais difícil, mas cuidando do filho, isso deixa muito menos tempo para ela olhar para uma profissão”, reflete Rosângela.
As principais responsáveis pela base da formação dos futuros profissionais são mal vistas pelo mercado de trabalho, rotuladas como “menos produtivas”. Essa percepção da maternidade como uma falha na carreira não é subjetiva. Aparece nos dados em volume preocupante.
A pesquisa “Mulheres perdem trabalho após terem filhos” da FGV IBRE rastreou quase oito anos de dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), instrumento utilizado pelo governo para coletar dados sobre a atividade trabalhista no país. Após analisar um recorte de oito anos, concluiu: a curva de emprego feminino sobe até o parto e despenca logo após os quatro meses de estabilidade. Dois anos depois, 48% das mães já estão fora da carteira assinada. A maioria demitida sem justa causa, por escolha do empregador. A queda segue até 47 meses após a licença, perpetuando um vácuo de carreira.
Esse abismo também aparece na análise da PNAD. Nas casas onde há crianças com menos de seis anos de idade, o nível de ocupação das pessoas entre 25 a 54 anos de idade é muito diferente na comparação por sexo: 89% dos homens têm uma atividade contra 56,6% das mulheres. Só que filho precisa comer, vestir e se abrigar todos os dias, então ficar parada nunca foi uma opção.
Necessidade como mãe do empreendedorismo
Como trabalhar fora é uma porta fechada para boa parte das mães, o caminho do empreendedorismo torna-se a opção para o sustento das crianças. “Muitas buscam no empreendedorismo uma jornada aparentemente mais flexível. Quanto mais vulnerabilidades se sobrepõem – ser mãe solo, negra, com deficiência ou fora dos grandes centros –, maiores os obstáculos para permanecer no mercado em condições equitativas”, analisa Rosângela do Sebrae Delas.
Isso não quer dizer que a jornada como empreendedora seja um mar de rosas para quem tem filhos. “Mulheres que empreendem por necessidade muitas vezes pulam a etapa crucial do planejamento. Elas entram no mercado com menos preparo e mais improviso, o que aumenta os riscos. Mulheres que empreendem por oportunidade geralmente têm mais tempo para planejar, avaliar riscos e se preparar adequadamente”. E este não é um fenômeno recente.
E essa história não começou com as produtoras de conteúdo sobre maternidade nas redes sociais.
Dupla jornada ancestral
A história do comércio de rua de Salvador e de alguns de seus símbolos, como o acarajé, se confunde com as vidas de mulheres que usaram seu talento na gastronomia para criar os filhos. Em sua dissertação “Acarajé: Tradição e Modernidade” apresentada ao programa de pós-graduação em estudos étnicos e africanos da Universidade Federal da Bahia, Florismar Borges traz dados do Censo de 1849, que já revela que a maioria das mulheres libertas havia declarado “mercadejar diversos gêneros”. Outras mais específicas citaram: mingau, acaçá, abarém, frutas, verduras, feijão, arroz, milho, pão e peixe.
Os “ganhadores” da antiga Bahia eram, em sua maioria, “ganhadeiras”: mulheres negras e pardas, boa parte sem marido, que tinham filho para criar. Antes da Lei Áurea, tinham seu trabalho explorado com esse comércio e deveriam retornar para “pagar a semana”. Mas após o fim formal da escravidão, mantiveram-se na atividade de alimentar com seus quitutes a população, especilamente nas primeiras horas da manhã. A motivação de muitas já libertas era ligada à prole por outras vias: juntar o suficiente para comprar a liberdade dos filhos.
Mestre em História pela UFBA, Cecília Soares, muitas das ganhadeiras na Bahia descendiam de uma tradição da costa Ocidental na África onde o pequeno comércio era tarefa essencialmente feminina. “No ganho de rua, principalmente através do pequeno comércio, a mulher negra ocupou lugar destacado no mercado de trabalho urbano. Encontramos tanto mulheres escravas colocadas no ganho por seus proprietários, como mulheres negras livres e libertas que lutavam para garantir o seu sustento e de seus filhos”, escreveu.
“Além de circularem com tabuleiros, gamelas e cestas habilmente equilibradas sobre as cabeças, as ganhadeiras ocupavam ruas e praças da cidade destinadas ao mercado público e feiras livres, onde vendiam de quase tudo”, relata Cecília. Em 1831, foram destinadas ao comércio varejista com tabuleiros fixos diversas áreas urbanas como o campo lateral da igreja da Soledade, o Campo da Pólvora, o largo da Vitória e o largo do Pelourinho. Nestes locais, era comum encontrar crianças atadas às costas das vendedoras ou circulando entre os tabuleiros.
Essa relação gerou conflitos. Florismar relata em seu estudo um decreto de 1912 da Comissão de Posturas do Conselho Municipal publicou em 1912, que condicionava a liberação de licença para o trabalho na rua a uma autorização prévia dos maridos (se casadas). A medida não as impediu de trabalhar, visto que a maioria delas não oficializavam a união ou eram mães solteiras. Um outro ponto golpeou as mães ganhadeiras: o impedimento de trabalhar acompanhadas por seus filhos menores de 14 anos. “Não podendo cumprir as exigências feitas pela Prefeitura, muitas vendedoras trabalhavam na clandestinidade, sem licença”.
Quando a dor vira um doce negócio
Famílias de nomes conhecidos da Bahia também precisaram encontrar saídas empreendendo. A morte precoce, no início do século XX, de um dos nomes mais famosos da história do cuidado com as mães de Salvador atravessou o destino de uma mulher que precisou ser batalhadora e criativa para sustentar seus filhos.
Dr. Climério de Oliveira era um sonhador. Com uma visão de futuro diferenciada, foi o principal articulador de uma mobilização envolvendo a sociedade baiana em busca de fundos para a construção da primeira Maternidade Escola do país. Havia uma verba oficial, autorizada pelo Senado, mas não era suficiente para estruturar um local onde fossem realizados partos e abrigasse o ensino obstétrico. Assim, foram realizadas atividades de mobilização popular, inclusive a montagem no suntuoso Teatro São João de uma peça chamada “A Maternidade”, de autoria do próprio Climério, com renda revertida para a futura unidade.
Fruto de sua mobilização, em 30 de outubro de 1910, inaugura-se a maternidade-escola. Com estruturas e equipamentos de ponta, foi considerada pelos especialistas modelo para a prática e o ensino da obstetrícia.
Mesmo com uma carreira de grande sucesso ao ponto de virar sinônimo de cuidado materno e perinatal, Dr. Climério deixou uma herança modesta para esposa e seus cinco filhos, três homens e duas mulheres. A viúva Theodolinda Sá Cardoso de Oliveira usou os talentos de confeiteira para manter o sustento da casa. Vendia doces finos em delicadas caixas chamadas cachemeiras de vovó Thidú que esgotavam-se rapidamente devido à qualidade e sabor. Depois de todos criados, passou a fazer os quitutes preferidos para agradar os netos que a visitavam. Ela viveu até os 104 anos de idade.
A experiência dessas trabalhadoras demonstra que o empreendedorismo materno na Bahia não nasceu de manuais de gestão, e sim de uma urgência vital: pôr comida no prato dos filhos. Ao revisitar ganhadeiras, baianas e lavadeiras, entendemos que flexibilidade, rede e autocontrole financeiro, conceitos caros aos programas de microcrédito atuais, já eram praticados por mães negras no século XIX. Reconhecer essa genealogia é também reconhecer que políticas modernas para mães empreendedoras têm raízes profundas, fincadas num passado de resistência feminina e cuidado coletivo.
Na reportagem de amanhã, vamos contar como a maternidade atípica impulsionou um negócio de grande sucesso em Vitória da Conquista. E também como o conhecimento é um divisor de águas no sucesso para mães que empreendem.
Gabriela de Paula é jornalista com duas décadas entre redação e comunicação estratégica. Hoje editora-chefe da Ayoo e criadora do “Bom Dia, Futuro” é especialista em tecnologia, inovação e empreendedorismo. Esteve à frente dos microfones na Band News FM, Band TV e Metrópole FM, além de palestrar em TEDx e grandes conferências internacionais. Nerd e bailarina de coração, a mãe de Francisco equilibra pauta e afeto todos os dias.
Mais notícias
-
Mais Gente
21h12 de 08/05/2025
Dia das Mães no Mistura tem menu afetivo inspirado na Itália
Chef Andréa Ribeiro traz à mesa lembranças da Itália em um menu especial repleto de afeto e tradição
-
Mais Gente
21h06 de 08/05/2025
Instituto Viva Space anuncia fusão entre Dra. Diandra e Dr. Henrique
A chegada de Henrique à sociedade representa um novo olhar estratégico e clínico para o projeto iniciado por Diandra há um ano, agora pronto para um ciclo de expansão e visibilidade ainda maior
-
Mais Gente
20h56 de 08/05/2025
Dia das Mães na JP Steakhouse Salvador terá nova sobremesa no cardápio
Sem glúten, lactose e açúcar, a sobremesa 'Torta Kamila' promete surpreender o paladar das mães
-
Mais Gente
18h10 de 08/05/2025
Scardua Comemorar Celebra o Dia das Mães com Cestas de Café da Manhã Artesanais
Scardua Comemorar Celebra o Dia das Mães com Cestas Artesanais repletas de Amor e Afeto “Abraço de Mãe” e “Colo de Mãe”
-
Mais Gente
17h18 de 08/05/2025
O impacto das redes sociais na alimentação e saúde mental: O que precisamos saber
A união entre cardiologia e nutrologia é fundamental para promover o emagrecimento sustentável, focado na saúde e não apenas na estética
-
Mais Gente
17h13 de 07/05/2025
Fim de semana das mães com “Duo in Cena” musical e boa gastronomia no Restaurante Solar
A casa recebe as duplas Marcelo Timbó e Paty Brandão, na sexta-feira, 09, e Horácio Reis e Ricardo Sibalde ("Cabo"), no domingo, 11, Dia das Mães
-
Mais Gente
17h10 de 07/05/2025
DIA DAS MÃES – RiviéRouge Bistrô vai oferecer isenção de taxa de rolha de terça a [...]
O RiviéRouge Bistrô (@rivierougebistro) está localizado na Rua da Paciência, 295, (Mezanino), no Rio Vermelho
-
Mais Gente
16h49 de 07/05/2025
PODinspirar recebe Juliana Guimarães em episódio sobre força, representatividade e maternidade [...]
Com o título “Lugar de mulher é onde ela quiser!”, episódio mergulha na trajetória da apresentadora da Band Bahia e inspira mulheres a ocuparem todos os espaços com autenticidade
-
Mais Gente
16h45 de 07/05/2025
Juliana Guimarães representa Salvador em desfile da Cymbeline Paris no Barcelona Bridal Fashion [...]
À frente da unidade baiana da grife, localizada na Av. Paulo VI, na Pituba, Juliana Guimarães consolida sua atuação como referência em moda noiva premium no estado