Graduada e mestre em Relações Internacionais, com foco em Geopolítica; tem experiência em análises conjunturais para diversos institutos de pesquisa da PUC MINAS, Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade de Groningen, na Holanda; já trabalhou na pesquisa e redação de clippings e notícias para a base de dados CoPeSe, parceria com o programa de Voluntariado das Nações Unidas.
O sexo que o capacitismo insiste em negar
Assexybilidade, longa-metragem de Daniel Gonçalves, desafia os tabus sobre sexo e deficiência

Sob direção de Daniel Gonçalves, o documentário Assexybilidade (2023) mergulha em um tema ainda cercado de tabus: a sexualidade de pessoas com deficiência (PCDs). Composto por 15 entrevistas com pessoas de diferentes orientações sexuais, gêneros, idades, deficiências e raças, o longa-metragem dá voz a uma luta cotidiana de pessoas com deficiência contra a invisibilidade e o preconceito. Ao explorar questões como flerte, namoro, beijo, masturbação, capacitismo e sexo, a produção desconstrói a ideia equivocada de que PCD’s seriam assexuadas, angelicais ou sem desejo. Como um dos entrevistados nos lembra, em um depoimento, “nós fodemos, e fodemos bem”.
A sociedade ainda insiste em reproduzir estereótipos capacitistas que reduzem a pessoa com deficiência a uma figura infantilizada, “especial”, ingênua ou incapaz de desejar e ser desejada. Multiplicam-se os mitos: de que PCDs seriam pouco atraentes, estéreis, incapazes de manter vínculos amorosos, desprovidas de libido, de que geram filhos com deficiência, de que têm disfunções sexuais, não precisam de privacidade, dentre outros. O mito da assexualidade, talvez o mais perverso, nega a essas pessoas o direito de sentir prazer, gozar e exercer plenamente sua vida sexual. Esse preconceito rodeado por tabus inviabiliza e enfraquece um debate fundamental para falarmos de inclusão no Brasil. Como outro entrevistado relata, “A gente quer transar, a gente quer ter uma vida plena, na cama, na vida profissional, na vida amorosa”
Contudo, essa exclusão não é apenas simbólica. Como destacou a psicóloga Ana Cláudia Bortolozzi em entrevista ao Nexo, “os direitos sexuais e reprodutivos estão garantidos na legislação, mas isso não sai do papel”. Faltam profissionais preparados, clínicas acessíveis, tradutores de Libras, rampas, acolhimento adequado. Falta educação sexual para pessoas com deficiência. Como uma entrevistada relata em Acessibilidade, “Eu não tive orientação no sentido de preservativos, cuidados com a saúde sexual, não tive. Fui ter essa relação com esse rapaz e não tinha esse conhecimento de nada”. O resultado é a perpetuação de barreiras que tornam o direito à saúde sexual, um direito humano básico, inacessível para muitos. E, para além disso, torna as pessoas com deficiência mais suscetíveis à violências.
É nesse cenário que Assexybilidade ganha importância. O filme rompe o silêncio e mostra o óbvio que tantos insistem em negar: pessoas com deficiência são corpos desejantes, que amam, beijam, transam, gozam. Mais do que isso: são protagonistas não apenas diante das câmeras, mas também nos bastidores da produção. Parte da equipe técnica é formada por pessoas com deficiência, inclusive o próprio diretor, o que fortalece ainda mais a legitimidade e representatividade da obra.
Falar sobre sexualidade de pessoas com deficiência é falar de diálogo, respeito e adaptação. Afinal, toda experiência sexual envolve ajustes, no desejo, no corpo, na prática, e isso vale para qualquer pessoa. O sexo de PCDs não deve ser visto como “diferente”, mas como mais uma expressão legítima da diversidade dos corpos e das formas de prazer.
A relevância desse debate ultrapassa a esfera individual e a importância de falar sobre sexualidade ganha uma proporção maior na medida que percebemos como o tema ainda causa constrangimento. Mas a saúde sexual é um direito humano fundamental e todos devem ter acesso à serviços de saúde adequados, assim como recursos e serviços adequados. Contudo, os tabus e estigmas que cercam a vida sexual das pessoas com deficiência podem dificultar que elas tenham esse direito básico garantido.
Entretanto, para ele ganhar força, precisa ecoar em políticas públicas de saúde, educação e assistência social, além de alcançar famílias e a sociedade como um todo. Ao reivindicar espaço para corpos PCDs no audiovisual, na arte e na literatura, Assexybilidade afirma: essas pessoas não são apenas “resilientes” ou “exemplares”, mas também belas, desejáveis, sensuais e plenamente humanas.
Assexybilidade está disponível no Globoplay
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