Pelé deixou legado na cultura pop mundial; relembre fatos marcantes
A trajetória do eterno camisa 10 deixou um impacto muito além do futebol
João Lucas Dantas
Foto: Reprodução/ Redes sociais
Edson Arantes do Nascimento, o eterno Pelé, que completaria 85 anos nesta quinta-feira (23), também foi craque fora dos gramados. O Rei do Futebol teve um forte impacto na cultura popular mundial, tendo sido um dos grandes responsáveis por vender uma boa imagem do Brasil ao exterior.
Dentro de campo, não há dúvidas da sua capacidade, mas, para celebrar a data, o bahia.ba separou alguns dos momentos mais marcantes do jogador no cinema, na televisão, na música, e até sua relação com a Turma da Mônica.
Anos 1960: início no cinema e na TV
Em 1962, Pelé vivia o auge de sua juventude e já era considerado um fenômeno mundial. Tinha apenas 21 anos, mas acumulava feitos impressionantes — havia sido o destaque do Brasil na Copa de 1958 e chegava ao Mundial do Chile como a grande estrela do futebol mundial.
Fisicamente, estava no ápice da forma. Rápido, explosivo, dono de um corpo ágil e resistente. Tinha uma musculatura compacta, equilíbrio excepcional e uma técnica refinada que o permitia driblar, finalizar e raciocinar em alta velocidade.
No Santos, seu clube, ele era o centro do time que encantava o mundo, e formou um ataque mágico ao lado de Dorval, Mengálvio, Coutinho e Pepe. Nesse período, o clube conquistou a Taça Libertadores e o Mundial Interclubes (ambos em 1962), consolidando-se como uma das maiores equipes da história.
Em 1961, foi lançado o livro Eu Sou Pelé, do escritor, dramaturgo e jornalista Benedito Ruy Barbosa, quando já era muito mais do que um simples jogador em ascensão, era símbolo de esperança, talento e orgulho nacional. O autor, que então trabalhava como cronista esportivo, estabeleceu uma parceria narrativa com o jogador para dar forma a essa biografia. Barbosa organiza as histórias, dá sequência lógica, mas respeita os pensamentos, memórias e emoções do biografado.
A obra traça sua vida desde as origens humildes em Três Corações (Minas Gerais), passando pelas dificuldades da infância, até o momento em que ele descobre seu dom para o futebol. São narrados os desafios de adaptação, de treino, de conquistas no Santos, de reconhecimento no Brasil e lá fora. Família, treinos diários, os tropeços, os medos, tudo isso aparece como parte da construção de alguém que não nasceu preparado para o sucesso, mas que o buscou com muito esforço.
Além disso, o livro fala de Pelé não só como atleta imbatível, mas como ser humano que sofre com críticas, com vaias, com lesões e tem receios — por exemplo, do futuro ou de se machucar. Ele sente ansiedade, medo de desapontar, vive a tensão de quem sabe ter responsabilidade. Também há um aspecto de construção do mito que viria a se tornar.
Pôster do filme Eu Sou Pelé (1962)
As páginas do livro logo pularam para as telonas como protagonista do documentário O Rei Pelé, de 1962, baseado na publicação do ano anterior, com direção do argentino Carlos Hugo Christensen (1914–1999), que retratava sua infância e carreira.
Através de uma longa entrevista concedida a um jornalista, o célebre jogador de futebol reconstrói sua trajetória, narrando sua árdua jornada até chegar ao posto de melhor jogador de futebol do mundo e conquistar a glória máxima com a camisa do Santos e da Seleção Brasileira.
Já em 1967, fez sua primeira participação especial nas telinhas, em um episódio especial do humorístico Família Trapo (TV Record), atuando ao lado das lendas da comédia brasileira Ronald Golias (1929–2005) e Jô Soares (1938–2022), como convidado de honra.
Pelé na Família Trapo, ao lado de Golias
Na história do episódio, Pelé é convidado pelo mordomo Gordon (interpretado por Jô) para substituir Bronco (Golias) numa partida de futebol de rua. Bronco, que não o reconhece, acaba dando dicas ao craque sobre como jogar. Durante o episódio, há momentos de improviso e humor espontâneo, com o público ao vivo reagindo com risos, surpresas e aplausos. A performance do jogador ficou marcada pela naturalidade. Ele aceita as provocações, interage com os outros atores, participa da brincadeira, mostrando também que sua humildade era parte de sua personalidade pública.
Dois anos depois, atuou na novela de Ivani Ribeiro Os Estranhos (TV Excelsior, 1969) como o escritor Plínio Pompeu, conciliando gravações com os treinos no Santos, sob a direção de Gonzaga Blota (1928–2017) e Gianfrancesco Guarnieri (1934–2006).
Na trama, Pelé interpretava um escritor de ficção científica que vivia numa ilha isolada, quando seres extraterrestres do planeta Gama Y-12 chegam à Terra buscando contato. Plínio Pompeu torna-se o elo, o intermediário entre os alienígenas e os humanos em um papel central.
Pelé em os Estranhos
Década de 1970: nasce o Pelezinho
Em 1976, Pelé estava em uma fase de transição em sua carreira. Após conquistar três Copas do Mundo com a Seleção Brasileira (1958, 1962 e 1970) e ser reconhecido mundialmente como o maior jogador de futebol de todos os tempos, ele iniciou uma nova etapa ao se transferir para o New York Cosmos, nos Estados Unidos.
Sua chegada à North American Soccer League representou um marco na popularização do futebol nos EUA, atraindo atenção internacional para o esporte no país. No Cosmos, se juntou a outros grandes nomes do futebol, como Franz Beckenbauer (1945–2024) e Carlos Alberto Torres (1944–2016), formando um time estelar que elevou o nível do campeonato norte-americano. Sua presença no time também teve impacto fora de campo, contribuindo para o crescimento do interesse pelo futebol no país.
Pelé ao lado de Maurício de Sousa
No mesmo ano, em território brasileiro, Pelé e o pai da Turma da Mônica, Maurício de Sousa, firmaram uma parceria que resultou na criação do personagem Pelezinho, inspirado na infância do Rei do Futebol. A ideia surgiu de conversas entre os dois, com o jogador compartilhando lembranças de sua juventude, e foi concretizada com o lançamento das primeiras tiras de jornal em outubro do mesmo ano.
Maurício desejava que o personagem fosse uma criança, enquanto Pelé imaginava uma versão adulta. Após discussões, prevaleceu a perspectiva visionária do artista, que acreditava que uma versão infantil garantiria a continuidade da marca do Rei do Futebol ao envolver o público jovem. E estava certo, mais uma vez.
O personagem ganhou sua própria revista em quadrinhos em agosto de 1977, com publicação mensal até dezembro de 1986, totalizando 66 edições. Além disso, foram lançados oito almanaques até o mesmo ano. Pelezinho também apareceu em edições especiais, como a de 1990, que comemorava os 50 anos de Pelé. Em 2012, a Panini Comics relançou a Turma do Pelezinho, atualizando o visual do personagem e ampliando seu alcance a novas gerações.
Pelezinho não apenas divertiu crianças, mas também serviu como uma ferramenta educativa, transmitindo valores positivos através de suas histórias. O personagem tornou-se um ícone cultural, simbolizando a paixão pelo futebol e a importância da infância na formação de grandes ídolos. Sua criação uniu o esporte e a cultura popular brasileira de forma inovadora.
Capa da primeira edição de Pelezinho
Voltando um pouco no tempo, em 1971, fez uma participação especial no filme brasileiro O Barão Otelo no Barato dos Bilhões, dirigido por Miguel Borges (1937–2013). Na trama, ele interpretou o personagem Dr. Arantes, também creditado como Edson Arantes do Nascimento. O filme é uma comédia que segue João Sem Direção, personagem de Grande Otelo (1915–1993), um homem simples que, após ganhar na loteria, se vê envolvido em situações inusitadas e tenta encontrar seu lugar na sociedade.
Sua participação no filme foi breve, mas significativa, refletindo seu crescente envolvimento com o mundo do entretenimento durante a década de 1970. Sua presença em O Barão Otelo no Barato dos Bilhões marcou sua estreia nas telonas, em um filme de ficção, consolidando sua imagem como uma figura pública multifacetada.
Em 1979, estreava o filme brasileiro Os Trombadinhas, dirigido por Anselmo Duarte (1920–2009) e escrito com colaboração do próprio jogador. A trama aborda a realidade de menores abandonados em São Paulo, conhecidos como “trombadinhas”, e a tentativa de um empresário, interpretado por Paulo Goulart, de resgatar essas crianças da criminalidade.
Ele conta com a ajuda de Pelé, que no filme é técnico da base do Santos Futebol Clube, para inserir os jovens em projetos sociais e combater a exploração por adultos criminosos.
Embora o filme tenha sido uma tentativa de abordar questões sociais, ele é frequentemente lembrado por uma cena que se tornou um meme na internet. Nela, a personagem Arlete, interpretada por Ana Maria Nascimento e Silva, pergunta: “Você é o Pelé?”, ao passo que ele responde: “Não. Eu sou o Jô Soares, sua piranha!” Essa frase viralizou nas redes sociais e é lembrada com humor pelos fãs.
Anos 1980: Pelé vai à Hollywood
Pelé se aposentou oficialmente em 1977, mas mantinha grande influência no esporte mundial como embaixador do futebol e figura pública. Durante esses anos, se dedicava a atividades empresariais, publicitárias e humanitárias, além de participar de eventos esportivos e beneficentes.
Mesmo fora dos gramados, continuava sendo uma das personalidades mais conhecidas e respeitadas do mundo, representando o Brasil em diversas ocasiões e consolidando sua imagem como o maior ídolo da história do futebol.
No começo da década de 80, viria a ganhar projeção global ainda maior ao atuar em produções cinematográficas internacionais. Enquanto sua carreira como jogador já havia se encerrado, aceitou um papel que uniu sua maior paixão, o futebol, com o cinema.
O filme Escape to Victory (Fuga Para a Vitória, em português), dirigido por John Huston (1906–1987), se passa num campo de prisioneiros de guerra nazista durante a Segunda Guerra Mundial, onde aliados capturados são convidados para disputar uma partida de futebol contra um time alemão como propaganda. A trama mistura tensão, drama, esperança e o amor pelo esporte.
Pelé ao lado de Stallone e Michael Caine
No elenco, nada mais, nada menos do que Sylvester Stallone e Michael Caine, já consagrados no cenário internacional como grandes atores. Pelé interpreta o personagem Luis Fernández, um prisioneiro de guerra que, apesar das adversidades, se destaca no time dos aliados. Para adaptar sua nacionalidade à narrativa (já que o Brasil na história ainda não estava oficialmente envolvido na guerra no momento ambientado), o filme o apresenta como vindo de Trinidad e Tobago.
Além disso, Pelé ajudou com os aspectos técnicos da filmagem dos jogos, não apenas atuando, mas participando do preparo das cenas de futebol, garantindo que elas fossem críveis. Stallone relembra, com carinho, o episódio nos bastidores em que foi arriscar agarrar um gol do rei e acabou quebrando um dedo na tentativa, dada à velocidade e força com que recebeu a bola. Nem Rocky Balboa ou Rambo foram capazes de salvar o ator da tentativa do verdadeiro herói dos gramados.
Em 1986, se uniu a Didi, Dedé, Mussum (1941–1994) e Zacarias (1934–1990) em Os Trapalhões e o Rei do Futebol, uma comédia brasileira dirigida por Carlos Manga (1928–2020). No filme, Pelé interpreta Nascimento, um jornalista esportivo que se envolve com os personagens principais — Cardeal (Renato Aragão), Elvis (Dedé Santana), Fumê (Mussum) e Tremoço (Zacarias), em situações cômicas relacionadas ao futebol.
A história gira em torno da ascensão inesperada de Cardeal como técnico de um time de futebol e da participação de Nascimento como repórter esportivo. O filme foi um sucesso de público, com cerca de 3,6 milhões de espectadores.
Pelé no pôster de Os Trapalhões e o Rei do Futebol
Em 1989, Pelé voltou à televisão num momento em que o Brasil vivia uma nova era política, logo após a redemocratização, nas eleições diretas para presidente. A novela O Salvador da Pátria, de Lauro César Muniz, exibida pela Globo, se tornava um espelho desse momento, mostrando as disputas locais de poder, corrupção, moralismo e o desejo de mudança.
Nessa trama, Pelé aparece como ele mesmo, convidado para uma entrevista dentro da ficção. Ele viaja até a cidade fictícia de Tangará para conhecer o trabalho de Sassá Mutema (interpretado por Lima Duarte), que, de boia-fria simples, se vê envolvido numa disputa política municipal.
Também foi ao programa Escolinha do Professor Raimundo em uma participação especial. No quadro, ele demonstra seu talento com a bola, mostrando como fazia lances geniais, como chutar na trave e cabecear para o gol no rebote, além de posar ao lado de Chico Anysio (1931–2012).
Pelé ao lado de Chico Anysio como Professor Raimundo
Anos 1990–2000: novela, ministério e publicidade
Paralelamente, Pelé manteve intensa presença publicitária. Foi garoto-propaganda de marcas nacionais – por exemplo, Casas Bahia – e internacionais, sempre recusando ofertas de bebidas alcoólicas e tabaco para preservar sua imagem de Rei do Futebol.
Entre os destaques estão campanhas para Bombril (1998, ao lado de Carlos Moreno) e Nokia (1999–2000), além de jingles institucionais. Em 1999, já como Ministro Extraordinário do Esporte do governo Fernando Henrique Cardoso, gravou o jingle “Toda criança na escola” para o Ministério da Educação, reforçando seu engajamento social.
Na década de 1990, seguiu participando de novelas de grande audiência. Em 1995, fez breve participação em História de Amor (Globo), de Manoel Carlos, como ele próprio. Mais tarde, em 2001, interpretou-se no sucesso O Clone (Globo), de Glória Perez, chegando a cantar a música “Em Busca do Penta” – em retrospectiva vista como “presságio” do quinto título mundial do Brasil que veio em 2002.
Pelé participando da novela O Clone
Em 2004, teve pequena aparição em Celebridade (Globo), de Gilberto Braga, como amigo da personagem principal. Nessas novelas, ele levava seu carisma de ídolo ao grande público, divertindo audiências tanto no Brasil quanto em países onde as tramas foram exportadas.
No campo publicitário internacional, Pelé estrelou comerciais de marcas de luxo. Em 2014, apareceu ao lado de Cristiano Ronaldo em campanha da companhia aérea Emirates, e em 2019 posou com Kylian Mbappé para a marca de relógios Hublot.
Essas propagandas reforçaram sua imagem global como “camisa 10 eterna”. Além disso, sua marca continuou nas mídias: em 1993, lançou-se o videogame Pelé! para Sega Genesis, licenciado com seu nome oficialmente.
Pelé em propaganda de Bombril
Homenagens e referências
Algumas obras biográficas também foram publicadas na literatura, principalmente, após os anos 2000. Pelé: A Autobiografia (2006), escrita pelo próprio, esta obra oferece uma visão íntima de sua vida, desde a infância humilde em Três Corações até sua ascensão ao estrelato mundial. O livro aborda temas como sua carreira no Santos, Seleção Brasileira, desafios pessoais e reflexões sobre sua trajetória.
Pelé: O Rei Visto de Perto (2022), escrito por Maurício Oliveira, reúne trechos inéditos de entrevistas com o atacante, abordando temas como infância, trajetória no Santos, experiências na Seleção, questões familiares, envolvimento político e reflexões sobre o racismo.
Pelé: A Importância do Futebol (2022), escrito em parceria entre o jornalista Brian Winter e o próprio, apresenta uma reflexão sobre seu impacto no futebol e na sociedade, destacando sua importância como ícone esportivo e cultural.
Ele também atravessou gerações de música e poesia. Desde os anos 60–70, compositores como Jackson do Pandeiro, Gilberto Gil, Jorge Ben Jor, Caetano Veloso e Chico Buarque usaram letras, sambas e canções para louvar sua genialidade, sua história de menino simples que virou rei do futebol.
Algumas músicas são homenagens explícitas a ele (como O Nome do Rei é Pelé, de Jorge Ben Jor), outras o incluem em versos celebratórios junto com outros craques ou como metáfora da superação nacional. Há também manifestações populares mais informais — cordéis, folhetos, versos que circulam na cultura de massa — que ajudam a consolidar Pelé como mito moderno, ícone não só esportivo, mas cultural.
Jornalista com experiência na área cultural, com passagem pelo Caderno 2+ do jornal A Tarde. Atuou como assessor de imprensa na Viva Comunicação Interativa, produzindo conteúdo para Luiz Caldas e Ilê Aiyê, e também na Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Salvador. Foi repórter no portal Bahia Econômica e, atualmente, cobre Cultura e Cidade no portal bahia.ba.
DRT: 7543/BA