Sumiço de onça expõe risco da Mata Atlântica
A suspeita é que ela tenha sido morta por palmiteiros
O dia era 24 de junho, 2014, uma manhã ensolarada de inverno. As armadilhas já estavam na mata havia 20 dias, mas nada de capturar uma onça-pintada. Resignados, os pesquisadores já faziam a ronda para recolher os laços quando uma delas finalmente apareceu, na última armadilha de uma estrada de terra do Parque Estadual Carlos Botelho: uma fêmea adulta, de aproximadamente 5 anos, 54 quilos e olhos cor de mel, destinada a se tornar um ícone científico – e talvez um mártir – da luta pela conservação dos últimos grandes remanescentes de Mata Atlântica do país.
Os cientistas rapidamente sedaram o animal, tiraram suas medidas, coletaram amostras de sangue e afivelaram uma coleira de GPS ao seu pescoço – algo nunca feito com uma onça-pintada na Mata Atlântica. Tranquila, ela levou cinco horas para acordar da anestesia e voltar para a mata, o que lhe rendeu o apelido de Soneca. Pelos quatro meses seguintes, os pesquisadores acompanharam seus passos via satélite, vendo-a perambular por várias unidades de conservação do Vale do Ribeira e da Serra de Paranapiacaba, no sul do estado de São Paulo. Até que ela desapareceu, misteriosamente, em 21 de outubro de 2014. Ainda não se sabe o que aconteceu, mas a suspeita é que ela tenha sido morta por palmiteiros.
O último sinal de vida do colar foi enviado de uma região remota do Parque Estadual Nascentes do Paranapanema (Penap), sem qualquer trilha ou estrada de acesso. “O que aconteceu com ela dali pra frente é um mistério”, diz a bióloga Beatriz Beisiegel, do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão responsável pelo projeto.
Em junho, a reportagem do jornal O Estado de S.Paulo se ofereceu para organizar uma expedição até o local, na esperança de levantar pistas sobre o que aconteceu: se Soneca foi mesmo morta por palmiteiros, como sussurram os moradores, ou se o colar parou de funcionar.
Para isso, uniram-se forças com o ecólogo Alexandre Martensen, o “pai biológico” do Penap, que deu início ao processo de criação do parque em 2010 e mora às margens dele, em Ribeirão Grande. A área onde a onça desapareceu, porém, é tão remota que nem ele nem o mateiro a conheciam. Nove horas se levou para chegar até lá, abrindo picadas no meio da selva.
Chegamos ao ponto com a luz do dia já quase esgotada. O cenário parece saído de um conto de fadas: uma grota de floresta virgem, cortada por uma nascente de águas rasas e cristalinas, com uma leve neblina de fim de tarde começando a se formar. Vestindo camiseta laranja e um par de galochas pretas, Beatriz escala o barranco à nossa frente e levanta uma antena sobre sua cabeça. Mesmo com o sinal de GPS interrompido, a coleira emite um sinal de rádio pelo qual é possível rastreá-la, como a caixa-preta de um avião. Beatriz vira a antena para lá e para cá, com o ouvido colado ao rádio, mas não escuta nada. Nenhum sinal da Soneca.
A pesquisadora torce para que tudo não passe de uma falha técnica, mas não descarta a possibilidade de Soneca ter sido assassinada. Na semana que o sinal desapareceu, emergiu das comunidades locais um boato de que palmiteiros haviam matado “uma onça com colar” na região. “Uma coincidência forte demais para ser ignorada”, pondera Beatriz.
A caça e a extração ilegal de palmito são problemas crônicos na Mata Atlântica, até nas unidades de conservação do Estado. Se Soneca teve o azar de cruzar caminhos com um palmiteiro armado, é bem possível que tenha levado um tiro. Especialmente no Penap, que passados três anos da sua criação não possui nem uma placa sinalizando sua existência, muito menos guardas. “É um parque de papel”, lamenta Martensen.
Apesar do silêncio do rádio, a viagem não foi em vão. Se por um lado não encontramos sinal do colar, também não havia sinais de trilhas clandestinas ou extração ilegal de palmito na área onde Soneca desapareceu, o que diminui a probabilidade de ela ter sido morta por palmiteiros naquele ponto da selva.
A hipótese de mau funcionamento do GPS não pode ser descartada, mas se Soneca estivesse viva, Beatriz acredita que ela já teria passado por alguma das armadilhas fotográficas que ela mantém espalhadas pela região. A não ser que ela tenha se deslocado para alguma outra área distante.
Distância não seria problema. Se tem uma coisa que os cientistas sabem sobre essa onça é que ela gostava de andar, e muito. Nos quatro meses em que o colar funcionou, Soneca circulou por uma área de mais de 700 quilômetros quadrados, atravessando cinco áreas protegidas: os Parques Estaduais Carlos Botelho, Intervales e Nascentes do Paranapanema; a Estação Ecológica de Xituê e a reserva particular Fazenda Nova Trieste.
Ao todo, o colar registrou e enviou mais de 1,2 mil pontos de localização, quase todos eles bem no interior da mata. Raramente Soneca se aproximava das bordas da floresta, como se quisesse manter distância do homem – o que, aparentemente, não evitou que ela fosse morta.
Importância – As implicações desse monitoramento para as políticas de conservação da Mata Atlântica são imensas. Já faz tempo que os cientistas propõem que as onças-pintadas circulam por grandes áreas de floresta, maiores do que qualquer unidade de conservação que resta no bioma, e por isso é preciso planejar a gestão dessas áreas de maneira integrada; mas faltavam dados brutos para demonstrar isso. Graças às andanças de Soneca, não faltam mais.
“Os dados da Soneca cumprem um papel que, institucionalmente, a gente nunca conseguiu cumprir, que é fazer com que esse mosaico todo se integre”, diz o gestor do Parque Estadual Carlos Botelho, José Luiz Camargo Maia. “Ela está fazendo muita gente acordar.”
“Temos de explorar bem essas informações para saber o que pode estar levando esse animal a usar uma área tão grande”, afirma Ronaldo Morato, chefe do Cenap-ICMBio e especialista em felinos.
Uma razão, segundo Morato, poderia ser a falta de alimento, causada pelo esgotamento da fauna da Mata Atlântica, obrigando a onça a caminhar longas distâncias para encontrar uma boa refeição, ou um parceiro para acasalar. Pesquisadores estimam que haja não mais do que 20 onças-pintadas circulando por toda a Serra de Paranapiacaba. “É uma população pequena demais para ser viável”, avalia Beatriz. A espécie é considerada criticamente ameaçada de extinção na Mata Atlântica. Na Serra do Mar, já praticamente desapareceu.
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