Publicado em 14/08/2025 às 10h13.

Intervenção federal em Washington e o que Trump parece querer esconder

Júlia Cezana
Foto: Reprodução / Instagram

 

Na segunda-feira (11), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou uma intervenção federal em Washington, alegando ser necessária para conter a escalada da violência na capital, que, segundo ele, estaria dominada por gangues, pessoas em situação de rua e usuários de drogas. Para isso, recorreu a uma lei que jamais havia sido utilizada por um presidente com esse propósito. Antes de analisar a situação atual da cidade e os impactos dessa medida, é fundamental entender o que significa uma intervenção federal. 

A gota d’água que levou à intervenção federal foi um assalto de um jovem de 19 anos que trabalhava no Departamento de Eficiência Governamental, criado e anteriormente chefiado por Elon Musk. Outros adolescentes tentaram roubar o carro do jovem na madrugada, mas fugiram quando a polícia chegou. O destaque que esse caso assumiu na imprensa foi prosseguido pela declaração do presidente estadunidense de que Washington virou a cidade mais violenta dos Estados Unidos e que a situação de calamidade estava fora do controle, o que o levou a anunciar um estado de emergência na cidade.

Um dia após solicitar que os sem-teto deixassem Washington de imediato, o presidente dos Estados Unidos acionou a Seção 740 da Lei de Autonomia do Distrito de Columbia. Para justificar tal medida, Trump apresentou números falsos sobre criminalidade, dados estes que se diferenciam dos próprios dados oficiais produzidos pelo governo. Em seu discurso, prometeu remover acampamentos dos moradores de rua e colocar agentes do FBI realizando policiamento à noite. 

Trump se refere à intervenção federal como o “Dia da Libertação Nacional”. Com o slogan “você cospe, nós batemos”, Trump apresentou seu novo plano anticrime. Na sua rede social Truth Social, ele escreveu: “Washington, D.C. será libertada hoje! O crime, a selvageria, a imundice e a escória vão desaparecer. Eu vou tornar nossa capital grande novamente! Os dias de matar ou ferir brutalmente pessoas inocentes acabaram! Consertei rapidamente a fronteira (zero imigrantes ilegais nos últimos 3 meses!), D.C. é a próxima!!!”

A Lei de Autonomia do Distrito de Columbia concede ao presidente o controle federal direto sobre a polícia de Washington por um período de até 30 dias, ou seja, pelos próximos 30 dias é responsabilidade de Donald Trump de administrar a segurança de Washington. Ha, por lei, possibilidade de extensão dessa medida mas que, para tal, precisa de aprovação do Congresso. Aqui, é importante ressaltar que Washington D.C. não é um estado, mas sim um distrito e, por isso, está subordinado ao Congresso Nacional. Isso quer dizer que ele não possui representação na câmara e senado estadunidense.

A última vez que as forças federais foram enviadas para a cidade de Washington foi na invasão do Capitólio, em 2021. Mas, diferentemente desta época, nesta semana não houve nenhuma ação de proporções que justificasse o envio das tropas para a capital. Até agora já foram enviados 800 soldados da guarda nacional e 120 agentes do FBI, que começaram a chegar na cidade na terça-feira (12). 

Crise interna nos EUA

Apesar de as consequências da intervenção já estarem sendo percebidas na cidade de Washington, há uma articulação política para tentar reverter judicialmente a intervenção federal nas cortes da capital. Essa não seria a primeira vez que algo assim acontece. Recentemente, na Califórnia, Trump enviou forças armadas a uma cidade, mas uma corte estadual considerou a medida ilegal. Para além da tentativa de reversão, há um medo de que, caso essa intervenção seja estendida, que ela vá ser replicada em outras cidades dos Estados Unidos;

É importante ressaltar que nos últimos anos Washington vinha tendo uma alta na criminalidade – alta esta que era reflexo de um também aumento da criminalidade geral nos Estados Unidos, pós pandemia. Mas, em 2015, esses índices vinham diminuindo a níveis pré endêmicos – o menor número registrado em 3 décadas. Os números de pessoas vivendo em situação de rua são sim altos na capital (assim como em grandes centros urbanos nas cidades ao redor do mundo), mas cabe o questionamento se a solução para esse problema é um aumento do policiamento e uma presença maior da Guarda Nacional. É razoável de se pensar que um investimento maior em políticas públicas e iniciativas sociais seja uma solução mais prudente e humana.  

A prefeita de Washington Muriel Bowser, que tem um histórico do embate com Donald Trump, afirmou que vai continuar a defender a autonomia de Washington e criticou a intervenção de Trump, definindo-a como perturbadora, autoritária e sem precedentes – posição esta que foi defendida por outros parlamentares. De fato, essa é uma das várias ações autoritárias de Donald Trump desde sua segunda tomada de posse. É mais uma demonstração de concentração de poder nas suas mãos, enquanto ele testa, passo a passo, os limites da autoridade presidencial. 

O pano de fundo da medida parece ter um viés político, já que Washington é governada por democratas há anos. Além da capital, Trump vem mirando críticas em outras cidades administradas pelo mesmo partido, como Nova York, São Francisco e Los Angeles. Seu discurso constrói a narrativa de que os democratas seriam incapazes de proteger a população. Vale destacar que essas cidades, historicamente sob gestão democrata, são também territórios onde o Partido Republicano, ao qual Trump pertence, costuma ser derrotado nas eleições.

Por fim, esse parece ser um movimento político de Donald Trump para desviar a atenção (do público, da mídia, da imprensa) para outros assuntos que realmente importam – como a liberação dos arquivos do caso Epstein, por exemplo – um tema recorrente na Casa Branca e que o presidente estadunidense tem sofrido forte pressão, tanto por seus opositores quanto pela sua base de apoio eleitoral.

Júlia Cezana

Graduada e mestre em Relações Internacionais, com foco em Geopolítica; tem experiência em análises conjunturais para diversos institutos de pesquisa da PUC MINAS, Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade de Groningen, na Holanda; já trabalhou na pesquisa e redação de clippings e notícias para a base de dados CoPeSe, parceria com o programa de Voluntariado das Nações Unidas.

Este site armazena cookies para coletar informações e melhorar sua experiência de navegação. Gerencie seus cookies ou consulte nossa política.