Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
Navegar é preciso, viver é (im) preciso
Assumindo personalidades distintas, Fernando Pessoa conseguiu se fazer plural e sonhar todos os sonhos do mundo, sendo “ele mesmo”
Quando, ainda estudante do Colégio da Polícia Militar, através das mãos generosas dos meus professores de literatura e língua portuguesa, fui apresentado à obra e às várias faces assumidas por Fernando Pessoa, enquanto dono de seu discurso, inevitável foi compreender, também, o porquê de um sobrenome derivado de “persona” lhe cair tão bem. Afinal, seus heterônimos se constituíam em verdadeiras “máscaras” utilizadas com o objetivo de se esconder para assim poder se revelar.
E foi assim, assumindo personalidades distintas, sendo ao mesmo tempo Ricardo Reis, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Bernardo Soares, que Fernando Pessoa, demonstrando uma originalidade única e singular, conseguiu, por meio da poesia, se fazer plural e sonhar todos os sonhos do mundo, sendo “ele mesmo”.
Mesmo sendo difícil para mim escolher aqueles poemas considerados os mais representativos da maestria e a beleza da obra pessoana, com certeza, dentre os que mais me marcaram, vida afora e adentro, estão os memoráveis “Poema em Linha Reta” e “Navegar é Preciso”, notadamente este último.
Confesso que, desde as primeiras vezes que li o poema de Fernando Pessoa, a frase “navegar é preciso, viver não é preciso” nunca mais saiu da minha mente. Envolto num conflito de ambíguas interpretações, sempre ficava pensando no que o poeta queria nos dizer, pois, com certeza, ao se aventurarem em mares nunca antes navegados, os portugueses, não encontravam nada de muito preciso, embora fosse necessário fazê-lo e, consequentemente, arriscar a vida por isso.
Viver é impreciso, mas, com certeza,
é preciso navegar, até o fim
A ideia do mar e das navegações sempre me encantou. O tempo passou, a arte de navegar tomou novos rumos, tornou-se uma ciência exata, com seus avanços e progressos só aumentando o meu respeito pela coragem e habilidade dos antigos marinheiros que guiavam os barcos através da imensidão dos oceanos, apenas com seu conhecimento do mar, do céu e do vento, e pelos modernos argonautas que, hoje, fazem do espaço a fronteira final.
Mas se o espaço herdou do mar o limite das nossas possibilidades, navegar, mais do que nunca, é preciso, pois a vida continua nos inquietando o espirito e a mente da mesma forma que me ocorreu quando li, pela primeira vez, o belo poema que, inspirado no lendário lema dos antigos navegadores, me remeteu, de uma forma ambígua e inspiradora, à essência do viver: os sonhos.
Nessa lógica, o viver continuará nos inquietando com a mesma imprecisão precisa do poema pessoano que, ao mesmo tempo em que dialoga ricamente com a tradição histórica dos portugueses na exploração dos mares, lança uma sentença sobre a nossa humana condição, em sua analogia sobre a vida no mar. Afinal, se o real limite do homem não está no mar nem no espaço e sim nos seus sonhos, viver é impreciso, mas, com certeza, é preciso navegar, até o fim.
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