O ensino jurídico na era da insegurança
As universidades, em especial as particulares, não estão formando profissionais preparados para enfrentar os desafios que se apresentam

Tudo é uma constante mudança. O mundo muda, as pessoas mudam. Tudo se transforma com o tempo, e nada permanece igual, mas, nesta nossa pós-modernidade, o que espanta é a velocidade com a qual as mudanças atingem a sociedade.
Quando paramos para pensar que a viagem da família real portuguesa para o Brasil durou quatro longos meses e que a notícia da morte de Abraham Lincoln demorou trinta dias para cruzar o oceano e chegar ao velho continente é que podemos ter uma dimensão exata da velocidade com que o mundo está mudando.
Se no passado vivíamos em um mundo onde as distâncias físicas eram imensas e os deslocamentos de um lugar ao outro poderiam durar uma vida e a simplicidade duradoura do conhecimento humano permitia a existência de verdadeiros espíritos enciclopédicos, hoje, vivemos uma época marcada pela relativização da relação espaço/tempo atrelada à dinamicidade complexa da profundidade e extensão adquirida pelo conhecimento.
Se a imensidão do mundo físico foi reduzida pela tecnologia que relativizou as distâncias dando origem a uma aldeia global, a imensidão em permanente expansão do conhecimento tal qual uma esfinge pós-moderna continua a nos desafiar com a velocidade da mudança das perguntas toda vez que pensamos ter encontrado as respostas.
O conhecimento se tornou tão ramificado
que as profissões ganharam novos rumos
De acordo com dados fornecidos por James Appleberry, citados por José Joaquin Brunner, em sua obra “Globalização Cultural e Pós-modernidade”, tomando-se como ponto de partida o início da Era Cristã, o conhecimento com base disciplinar registrado internacionalmente levou 1.750 anos para duplicar pela primeira vez; depois disso, a cada 150 anos e, por fim, a cada 50 anos. Atualmente, ele é multiplicado por dois a cada cinco anos, e, no início deste século, projetava-se que, em 2020, duplicaria a cada 73 dias.
Nessa lógica, para Carlos Tünnerman Bernheim e Marilena Souza Chauí, falar do presente como uma “era de incerteza” indica mais que uma incompreensão filosófico-científica da realidade natural e cultural, sendo preferível falar em insegurança em vez de incerteza.
O conhecimento se tornou um sistema tão extremamente ramificado que não é sem sentido que o mundo se especializou e as profissões ganharam novos rumos, novas perspectivas. Os cursos que antes eram genéricos, como engenharia, direito, medicina, tornaram-se insuficientes e foram ganhando afluentes. Basta dizer, por exemplo, que o Direito só compreende “alguns” ramos especializados.
Se antes os advogados, verdadeiros clínicos gerais do direito, davam conta das demandas geradas pelos conflitos sociais, com o passar dos anos e a evolução da sociedade, exige-se que os profissionais se tornem especialistas, criando ramos e abrindo possibilidades, mas, paradoxalmente, as universidades, em especial as particulares, não estão formando profissionais preparados para enfrentar os desafios que lhe são opostos pelos diversos ramos jurídicos que se apresentam, face ao ensino muito tecnicista, distanciado do espectro social em que se insere.
A missão de formar profissionais do Direito
deve ser exercida com uma dimensão ética
Mas qual o papel da advocacia na sociedade contemporânea? Que novas competências estão sendo exigidas aos profissionais do direito? Estão eles aptos a responder às novas demandas do mercado de trabalho globalizado? A propósito, quais são essas novas demandas? E, principalmente, como desenvolver essas habilidades?
Evidente que a busca de respostas para essas e outras perguntas, não encontrará receitas prontas, mas inexoravelmente, perpassará pelo reconhecimento dos principais desafios enfrentados hoje pela educação jurídica superior e quais as respostas estruturadas pelas instituições universitárias para lhes fazer frente em uma sociedade em constante mutação, em plena era da insegurança.
Nesse sentido, numa época de rápidas mudanças que afetam quase todas as áreas da vida individual e coletiva, ameaçando apagar nossos pontos de referência e destruir os fundamentos morais que permitam às novas gerações construir o futuro, necessariamente, as instituições de ensino superior, particularmente as privadas, não podem perder de vista de que, acima de tudo, a missão de formar os futuros profissionais do Direito deve ser exercida com uma dimensão ética. Isto é, sujeitando todo o seu trabalho às exigências éticas, sempre buscando o equilíbrio entre os resultados acadêmicos e operacionais, mas superando a tendência de verem nos cursos de Direito apenas o mais lucrativo de todos os cursos universitários, em razão do seu baixo custo de manutenção – professor e giz.
Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
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