Graduada e mestre em Relações Internacionais, com foco em Geopolítica; tem experiência em análises conjunturais para diversos institutos de pesquisa da PUC MINAS, Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade de Groningen, na Holanda; já trabalhou na pesquisa e redação de clippings e notícias para a base de dados CoPeSe, parceria com o programa de Voluntariado das Nações Unidas.
O pai e o Estado: um olhar global para a licença-paternidade
A discussão sobre a participação dos pais na criação dos filhos vem ganhando força

Nos últimos anos, a conversa sobre responsabilidade parental se expandiu para além da licença-maternidade, chamando a atenção global para o papel dos pais nos cuidados de seus filhos durante a primeira infância. Historicamente, os pais estavam confinados ao papel de chefes da família e sempre foram vistos como os principais responsáveis pelo sustento financeiro do lar, mas raramente como figuras ativamente envolvidas no cuidado direto com os filhos.
A licença-paternidade começou a ganhar maior atenção na segunda metade do século XX, período marcado por questionamentos e mudanças significativas nos papéis de gênero. Em grande parte das culturas, a ideia de licença-paternidade é relativamente recente e surgiu à medida que as mulheres passaram a assumir responsabilidades além da maternidade e a ingressar no mercado de trabalho em número crescente. É importante também citar que a conversa sobre licença paternidade também é muito presente nos movimentos feministas: as mulheres denunciam uma sobrecarga materna que, muitas vezes, envolviam jornadas de trabalho (remunerado e não remunerado) exaustivas e destacam a necessidade de participação mais ativa da figura paterna paterna e uma sobrecarga materna que, muitas vezes, envolviam jornadas de trabalho (remunerado e não remunerado) exaustivas.
A discussão sobre a participação dos pais na criação dos filhos vem ganhando força, à medida que os pais passaram a reconhecer a importância de exercer um papel mais ativo e de apoio na criação dos filhos. Essa transformação social evidenciou a necessidade da licença-paternidade, a qual passou a ser vista como um indicador importante de progresso rumo à igualdade de gênero, tanto no ambiente de trabalho quanto no ambiente doméstico.
Ainda assim, apesar dos esforços internacionais e da crescente conscientização, o acesso e a duração da licença-paternidade variam drasticamente ao redor do mundo — refletindo profundas desigualdades sociais, econômicas e culturais. Este artigo explora tendências globais, estatísticas e os desafios ainda enfrentados por pais que buscam tirar um tempo para cuidar de seus recém-nascidos.
Atualmente, existem diferentes tipos e configurações de licenças relacionadas à chegada de um filho (incluindo a maternidade, paternidade e a licença-parentalidade, está independente dde gênero) que podem ser remuneradas, parcialmente remuneradas ou não remuneradas. Essas políticas variam bastante em estrutura e abrangência, oferecendo múltiplas possibilidades, dependendo do país e do contexto.
A licença-paternidade refere-se especificamente ao período de afastamento concedido a novos pais, seja ele remunerado ou não, para auxiliar no cuidado de um filho recém-nascido ou recém-adotado. Contudo, a definição de paternidade varia entre contextos legais e culturais. Em alguns países, a elegibilidade é limitada aos pais biológicos, enquanto outros estendem esse direito a pais adotivos, tutores legais ou adultos responsáveis pela criança. Essas diferentes interpretações refletem a diversidade mais ampla sobre como as sociedades compreendem os papéis e responsabilidades familiares.
Ademais, as exigências e expectativas culturais em torno da licença-paternidade variam bastante entre os países. Em alguns lugares, o pai só pode tirar a licença se certas condições forem atendidas, como a morte ou incapacidade da mãe biológica. Em outros, casais homoafetivos são excluídos da possibilidade de usufruir do benefício, enquanto alguns países impõem um tempo mínimo de vínculo empregatício como pré-requisito.
O fato é que a licença-paternidade tem um impacto real sobre a sociedade. Ela influencia o desenvolvimento infantil, as noções de paternidade e maternidade, e revela muitos fatores e conflitos relacionados à igualdade de gênero e ao exercício real da parentalidade. Mais de 50 produções acadêmicas compiladas em uma revisão bibliográfica realizada pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo revelaram que a experiência internacional sugere que licenças-paternidade com prazos mais longos trazem benefícios diversos para as famílias, as empresas e até mesmo para o país. A maior parte dos estudos aponta que esse tipo de licença tem potencial para transformar o comportamento dos homens, promovendo uma maior participação nas tarefas de cuidado com os filhos e nas atividades domésticas de forma mais ampla — inclusive com efeitos que se mantêm no longo prazo. Pais que usufruem da licença tendem a se envolver mais nos cuidados com os filhos e em outras tarefas não remuneradas no lar, o que pode apoiar o aleitamento materno, reduzir as chances de depressão pós-parto e, consequentemente, beneficiar a saúde do bebê. Além disso, a licença oferece tempo para o estabelecimento de vínculos afetivos, rotinas de cuidado e atenção às necessidades médicas do recém-nascido, ao mesmo tempo em que permite à mãe um período essencial de recuperação física após o parto
Hoje em dia, as políticas globais de licença-paternidade estão evoluindo rapidamente e mais países estão implementando leis voltadas para o bem-estar familiar, a fim de apoiar os papéis parentais contemporâneos. É importante considerar que a licença-paternidade beneficia tanto as famílias quanto as empresas, as quais, diante de novas legislações e expectativas sociais em constante mudança, enfrentam o desafio de entender e se adequar às políticas de licença-paternidade em cada país.
Abaixo, apresentamos algumas estatísticas sobre a licença paternidade ao redor do mundo:
- Apenas 53,5% dos países exigem legalmente que os empregadores ofereçam licença-paternidade aos pais.
- A média global de duração da licença-paternidade é de 1,98 semana
- 15,1% dos países oferecem aos pais menos de uma semana, e 38,4% oferecem uma semana ou mais de licença-paternidade. Apenas 9,7% oferecem 4 semanas ou mais, caindo para 4,9% quando se trata de países que oferecem 6 semanas ou mais.
- Lituânia, Japão e Suécia lideram o ranking, oferecendo licenças-paternidade e parentais compartilhadas significativas, as quais costumam ser muito bem remuneradas e com grande flexibilidade para que o tempo seja dividido entre ambos os pais.
- Japão e Coreia do Sul têm licenças-paternidade bastante generosas: cerca de 30 e 17 semanas, respectivamente. No entanto, são raramente utilizadas.
- Apesar de ser a maior economia do mundo, os Estados Unidos são o único país membro da OCDE que não oferece licença-maternidade, paternidade ou parental em nível nacional,
- Na União Europeia, todos os países-membros são obrigados a oferecer no mínimo 10 dias de licença-paternidade remunerada
- Na Islândia, a licença é compartilhada: três meses são reservados para a mãe, três meses para o pai e três meses são “livres”, cabendo a cada casal decidir como usá-los. Na grande maioria dos casos, acabam sendo utilizados pelas mães.
- Na América Latina, embora a Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomende ao menos 14 dias de licença-paternidade, apenas Cuba, Venezuela e Paraguai oferecem esse período: Cuba possui uma licença parental compartilhada entre pai e mãe de até 365 dia, com os pais mantendo 60% dos salários. Venezuela e Paraguai têm licenças-paternidade de 14 dias.
A (quase inexistente) licença paternidade no Brasil
Desde 1988, a Constituição Federal garante o direito de todo trabalhador à licença-paternidade remunerada, estipulando um afastamento de cinco dias após o nascimento ou adoção de um filho, enquanto não fosse aprovada uma lei específica sobre o tema – fato este que ainda ocorreu. Passados mais de 30 anos da promulgação da CF, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o Congresso Nacional teria 18 meses para suprir essa omissão legislativa e regulamentar definitivamente o direito.
No dia 16 de Julho de 2025, a Câmara dos Deputados aprovou urgência para o andamento do PL 3935/08 que, mesmo já aprovado no Senado, está em tramitação no Congresso desde 2008. O PL em questão propõe ampliar a licença-paternidade de 5 para 15 dias, sem prejuízo ao salário do trabalhador, o qual também teria garantido estabilidade no emprego de 30 dias após a licença. Com a aprovação da urgência, a proposta pode ser votada diretamente no plenário, sem passar pelas comissões temáticas da Câmara e a expectativa é de que seja votada ainda no mês de agosto. Com 15 dias de licença, o Brasil passaria a estar em linha com o padrão mínimo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual recomenda que o tempo mínimo de licença-paternidade seja de 14 dias.
A regulamentação tem uma importância histórica, de valorização do dever que está colocado na nossa constituição: o de ambos os genitores se comprometerem na criação e cuidado dos filhos. Para além disso, ampliar a licença-paternidade é uma forma extremamente eficiente e de menor custo para conseguir estimular a maior participação paterna e aliviar a carga física e mental que, na grande maioria das famílias, recai sobre a mãe (no caso de casais heteroafetivos). Neste ponto, também é importante citar que a ampliação da licença-paternidade é um passo fundamental para a garantia da equidade de gênero e pluralidade nas políticas de cuidado e saúde. Afinal, casais homoafetivos devem ter seus direitos garantidos e, para além disso, tempo para acolhimento, cuidado e ajustes nessa etapa tão fundamental da ampliação da família. Estender esse direito é fundamental na promoção da inclusão na parentalidade, independente do modelo de família.
Enquanto o debate ganha fôlego no Congresso, algumas organizações da sociedade civil e defensores da ampliação dos direitos afirmam que o PL 3935/08 não mais dialoga com as necessidades atuais de crianças, famílias e da sociedade e que o prazo de 15 dias ainda é insuficiente. Eles defendem outros projetos de lei que preveem um prazo maior para a licença-paternidade, de 30 a 60 dias. Para além deste, segundo um levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), outros 50 projetos sobre licença-paternidade tramitam na Câmara e mais sete no Senado.
Dentre os desafios existentes para a aprovação do PL o custo é um fator predominante. Afinal, com a aprovação do PL, geraria maior gasto para a Previdência. O setor empresarial também resiste à mudança e afirma que haverá impactos negativos para as empresas, especialmente as pequenas e médias.
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