Liliana Peixinho é jornalista, ativista social, integrante de diversos grupos de luta e defesa de direitos humanos. Fundadora e coordenadora de mídias livres como: Reaja – Rede Ativista de Jornalismo e Ambiente, Mídia Orgânica, O Outro no Eu, Catadora de Sonhos, Movimento AMA – Amigos do Meio Ambiente, RAMA -Rede de Articulação e Mobilização em Comunicação.
O sujo sob o verde
Ativistas precisam estar atentos: eventos em defesa do meio ambiente jamais deveriam ter patrocínio de organizações sem compromisso com a vida

Como jornalista, ambientalista, ativista, pesquisadora, cobrindo grandes eventos sobre meio ambiente, Bahia e Brasil afora, anos e anos fazendo isso, não foram poucas as vezes que me indispus com a organização ao questionar sobre, por exemplo, como um congresso, um evento X qualquer, pode receber recursos, ser patrocinado, em parcerias com governo, empresas e instituições, que a própria pauta do evento está a combater?
A enxurrada de eventos, encontros, seminários, exposições, que se realiza durante esse período de junho, na chamada “Semana do Meio Ambiente”, assim como em outras datas convencionadas pelo mercado capital, não tem se mostrado coerente, sensata, com os desafios que o cuidado com a vida está a nos exigir. Observamos um sem número de ONGs, institutos, associações, caras jurídicas diversas, usando seus CNPJs para captar recursos volumosos em nome de um evento, que, por si só, será suficiente para consolidar uma imagem que seduza o capital, apressado, em sucessivos apoios.
Esse caminho tem sido adotado, há anos, para um fazer de conta que faz, em marketing agressivo e eficiente para o capital, o “greenwashing”, pintado de verde por fora, mas sujo, muito sujo por dentro. Basta uma pasta bonitinha, com logomarca, recheada com um projeto bem apresentado visualmente, propostas para inserção de marcas, nomes das empresas, logomarcas, em peças publicitárias sedutoras de empoderamento, visibilidade na mídia, algumas fotos de registro de eventos anteriores, para conseguir recursos dos mais variados: desde passagens de avião, refeições em restaurantes caros, traslados profissionais de aeroporto para hotel, do hotel para o local do evento, e outros mimos, brindes, passeios turísticos em locais paradisíacos – em abundância Brasil afora – e até, quem sabe, contratos de parcerias, consultorias, assessorias.
Faz de conta com dinheiro
público deveria ser crime
Não importa muito o que se falou, o que se ouviu, o que foi pactuado, registrado, acordado como saída para os problemas abordados na programação, seja de forma rasa, ou até profunda, como alguns palestrantes sérios se propõem a expor em público. Mais importante que as respostas, em eventos onde se abre espaço para a plateia, são as perguntas. Porque estão nelas, o melhor no microfone, a oportunidade de alguém fazer o seu registro para as lentes de fotógrafos, videomakers, repórteres, assessores e sistematizadores de relatórios. Material de memória que servirá para alimentar futuros eventos.
Nada contra a realização de eventos. Desde que o volume de recursos, esforços, estrutura, logística, megaproduções, que tem sido utilizado, ao longo do tempo, pudessem realmente compensar tanto esforço, em nome da pauta. Infelizmente, o que vemos são demandas reprimidas históricas. E o que se capta, capitaliza, gasta, desperdiça, investe, em nome disso, ou daquilo – os focos são diversos e variados, como os problemas – pudessem, finalmente, sinalizar caminhos limpos, para um Brasil tão sujo, de forma literal e politicamente apresentado.
Em nome de democracia, liberdade, livre mercado, parcerias, isso e aquilo, o que vemos por aí é muito cinismo criminoso, muita omissão, cumplicidade e “tô nem aí” desde que “meu pirão primeiro.” Se os investimentos feitos em nome do greenwashing fossem revertidos, aplicados em nome do que se está a propagar, publicizar, visibilizar, a vida não estaria tão doente, como vemos, todos os dias, nas reportagens sobre gente dormindo em filas para tentar marcar um exame para meses e meses depois. Se continuarmos aceitando sujeiras aqui ou acolá, em pequena ou larga escala, seja na administração de um condomínio, ou na presidência de um país, continuaremos sem saúde, saneamento, educação, moradia, segurança, só para ficar no básico. Faz de conta com dinheiro público, por exemplo, deveria ser crime.
Liliana Peixinho é jornalista, ativista, fundadora da Rede de Ativismo em Jornalismo e Ambiente (Reaja), movimento Amigos do Meio Ambiente (AMA), Mídia Orgânica, e outras mídias alternativas. Especializada em Jornalismo Científico e Tecnológico.
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