Publicado em 21/11/2022 às 17h46.

Responsabilidade fiscal e aumento da despesa com pessoal na Bahia são compatíveis

Texto de Cleiton Silva de Jesus

Redação
Foto: reprodução site FGV
Foto: reprodução site FGV

 

Daqui a algumas semanas estaremos em um novo ano e com um novo Governador na Bahia. Imaginamos que um dos objetivos do novo Governo é compatibilizar a responsabilidade fiscal com uma melhoria contínua na oferta de bens e serviços públicos que são intensivos em pessoal, tais como saúde, educação e segurança pública. Por um lado, a responsabilidade fiscal exige o controle da taxa de crescimento das despesas governamentais, inclusive a despesa da folha dos servidores públicos ativos e aposentadorias/pensões dos inativos. Por outro lado, a melhoria na oferta de bens e serviços públicos requer, dentre outras coisas, contratação de novos servidores via concurso público, recomposição salarial dos servidores ativos e reestruturação das carreiras, especialmente as prioritárias. Ao analisar as informações fiscais publicamente disponíveis até o momento, constatamos que o aumento da despesa com pessoal (especialmente via recomposição salarial e novas contratações) e a responsabilidade fiscal são duas coisas que podem ser combinadas.

De acordo com informações coletadas junto ao Relatório de Gestão Fiscal (RGF) do Poder Executivo, a Receita Corrente Líquida (RCL) da Bahia em 2016 foi de R$ 28,71 bi, enquanto que em 2022 a RCL alcançou expressivos R$ 49,78 bi. O crescimento nominal acumulado da receita foi de 73,4%. Por outro lado, a despesa bruta com pessoal foi de R$ 17,59 bi em 2016 e de R$ 21,75 bi em 2022, ou seja, a despesa com pessoal ativo, inativo e pensionistas cresceu apenas 23,6% no acumulado de 2016 até aqui. Dois pontos merecem ser destacados a partir da análise destes dados. O primeiro é que a despesa bruta com pessoal cresceu bem menos que a receita corrente do Estado, o que sugere que houve uma espécie de reforma administrativa silenciosa na Bahia nos últimos anos. O segundo é que o argumento centralizado no comportamento ruim da arrecadação de impostos estaduais, mesmo durante a pandemia, não pode ser utilizado para justificar nem a deterioração do salário real dos servidores e nem o déficit de contratação de pessoal em áreas que têm sofrido com o excesso de aposentadorias.

E se a despesa com pessoal ativo e inativo tivesse crescido ao longo dos últimos seis anos na mesma velocidade da RCL, qual seria o nível de despesa com pessoal neste final de 2022? A resposta é simples, basta calcular 73,4% de R$ 17,59 bi e acrescentar ao nível inicial de despesa, o que resulta em R$ 30,51 bi. Note que estes R$ 30,51 bi calculados é muito maior que os R$ 21,75 bi efetivamente verificados até o segundo quadrimestre de 2002, implicando que há um espaço fiscal de aproximadamente R$ 8,8 bi que poderia ser integralmente utilizado para o aumento da despesa de pessoal. No entanto, um dos potenciais problemas com este cálculo é que o ponto de partida que escolhemos arbitrariamente, 2016, foi um período em que a despesa com pessoal ficou ligeiramente acima do limite prudencial estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Deste modo, o atual Governo poderia ser taxado de fiscalmente irresponsável se tivesse aumentado deliberadamente a despesa com pessoal na mesma velocidade da RCL nestes últimos seis anos. O jogo da irresponsabilidade fiscal é perigoso e deve ser evitado pelos gestores públicos.

Então, o que poderia ser feito para compatibilizar responsabilidade fiscal com a não deterioração da oferta de bens e serviços públicos na Bahia? Com o benefício da análise ex post, propomos uma maneira mais conservadora de calcular o espaço fiscal que pode ser utilizado pelos formuladores de políticas públicas, inclusive durante a discussão em torno do orçamento para 2023. Nós partimos dos últimos dados publicamente disponíveis de receita corrente e despesa bruta com pessoal ativo e inativo, supomos o limite prudencial da LRF como um teto de despesas que não deve ser ultrapassado e, por fim, calculamos a despesa bruta com pessoal compatível com o limite prudencial estabelecido na LRF. A diferença entre a despesa com pessoal calculada (contrafactual) e a efetivamente observada é o espaço fiscal que o Poder Executivo tem para pensar em ações que afetem a trajetória da despesa com pessoal no curto prazo sem ser fiscalmente irresponsável.

Os dados disponíveis no RGF mais recente indicam que a diferença entre a despesa com pessoal compatível com o limite prudencial da LRF e a despesa com pessoal efetivamente executada foi de 10,4% da RCL. De fato, nos últimos dois quadrimestres temos observado o maior hiato entre a despesa bruta com pessoal executada e o limite prudencial da LRF em pelo menos duas décadas. Esta evidência sinaliza que os últimos anos foram marcados por significativa austeridade fiscal no Estado da Bahia. Ademais, como a RCL acumulada em 12 meses até agosto foi de R$ 49,78 bi temos que o espaço fiscal é de aproximadamente R$ 5,17 bi para 2023 (0,104 x 49,78 bi). Ressalta-se que este espaço fiscal de R$ 5,17 bi pode aumentar, se neste final de 2022 a receita corrente crescer mais rapidamente que a despesa com pessoal, ou pode diminuir, caso esteja havendo uma perda de fôlego na trajetória da receita corrente.

 

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Os riscos de eventuais frustrações na receita corrente devem ser monitorados com muito cuidado pelo novo Governo, e estes riscos estão associados com o desempenho prospectivo da economia brasileira. O ponto principal da reflexão aqui proposta, porém, é que não se pode dizer neste momento que faltam recursos no Estado da Bahia para i) a recomposição imediata dos salários e benefícios dos servidores públicos ativos e inativos e ii) novas admissões via concursos públicos e reorganização das carreiras prioritárias. Mediante ao exposto, acreditamos que o novo Governo terá poucos impedimentos para anunciar medidas que aumentem a despesa com pessoal já em 2023. Esta é a nossa aposta.

*Cleiton Silva de Jesus é doutor em Economia e Professor Titular da UEFS. Email: csj@uefs.br

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