Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
Um mundo pior é possível
Precisamos respeitar os diferentes, mas não podemos correr o risco de construirmos uma sociedade desumana e distópica

A essência dos seres humanos é a sociabilidade. É o olhar do outro que nos faz sujeitos afirmando nossas existências, portanto, nascemos para estar com os outros e não a sós, mas também possuímos as nossas subjetividades e individualidades. Assim, basta trocarmos o espelho por uma janela, para vermos que ninguém é igual ao outro.
Cada pessoa tem sua singularidade que a distingue como ser humano único, em virtude do sexo, dos gostos, talentos, cultura, língua, religião e nacionalidade etc., mas, para vivermos em sociedade, antes de tudo, necessitamos viver conosco e com os outros.
No convívio social, inevitavelmente, iremos perceber que se sozinhos não conseguimos viver bem, paradoxalmente, a convivência com o outro também é bastante complexa, posto que as leis pessoais são muito diferentes das leis sociais e as diferenças sempre alimentam discórdias entre as pessoas e grupos.
Sem dúvidas, é um desafio conviver com pensamentos opostos aos nossos, com sentimentos, crenças, atitudes e comportamentos que consideramos inaceitáveis, não sendo sem sentido que Madre Teresa de Calcutá nos chamava a atenção para o fato de que: “É fácil amar os que estão longe. Mas nem sempre é fácil amar os que vivem ao nosso lado”.
Nessa linha de raciocínio, partindo-se do princípio de que convívio social implica, antes de tudo, em tolerância com os demais, clamando por uma interação, cumpre-nos perquirir qual seria o limite entre as esferas individual e social para uma convivência harmoniosa!
Em geral, costuma-se definir tolerância como uma relação social que supõe a existência de alguma diferença aceita como um direito: o direito de ser diferente. Entretanto, há que se tomar cuidado para não confundirmos respeito com tolerância, uma vez que o simples ato de “tolerar” pode não representar uma atitude espontânea e verdadeira de aceitação humanística, podendo, não raro, pelo contrário, reafirmar posturas excludentes, hierárquicas e desqualificadoras daquilo que é suportado.
Tolerância é aceitar o direito do outro a
ser diferente, sem mudar nosso modo de ser
A verdadeira tolerância é aquela que se processa na dimensão ética da alteridade, significando apenas uma aceitação do direito do outro a ser diferente, sem que isso implique em concordar com as suas opções, muito menos na mudança do nosso modo de ser. Afinal de contas, abandonar uma parte de nós mesmos é sempre muito difícil.
Sendo assim, apesar dos avanços na consolidação dos direitos fundamentais relativos à liberdade de crença religiosa, de pensamento, de expressão, de preferências afetivas e sexuais, ainda temos muito que caminhar no sentido da tomada de consciência da contribuição da diversidade para o nosso aprimoramento como seres humanos, contribuição esta que se torna tanto mais rica quanto maior for a diferença em relação às nossas orientações e opções.
Não há dúvidas que a tolerância e o respeito às diferenças são a base para uma sociedade melhor, mais saudável e inclusiva, portanto, necessitamos de mais tolerância neste mundo. Mas, tudo tem limites e a tolerância, embora tenha o grande mérito de se contrapor à hegemonia de qualquer cultura que domine e marginalize as demais, não se constitui em uma exceção.
Nesse sentido, ainda que a tolerância, enquanto reconhecimento da diversidade, só possa ser efetivada num ambiente de perfeita aceitação das diferenças, não podemos nos esquecer de que se formos absolutamente tolerantes, se admitirmos que a tolerância possa existir sem limites, com certeza correremos o risco de nos tornarmos omissos e permissivos a qualquer tipo de arbitrariedade e intolerância.
Precisamos respeitar os diferentes, inclusive, aqueles que defendem pontos de vista contrários aos nossos, mas, em nome da aceitação da diversidade, não podemos correr o risco de construirmos uma sociedade desumana e distópica, pois a distopia é igual à utopia, apenas com sinal trocado. Assim, se a utopia é o “sonho impossível”, a distopia é o pesadelo que se realizou. Afinal, um mundo pior é possível!
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