Nordeste enfrenta maior seca em 100 anos
No sertão de Petrolina, quinta maior cidade de Pernambuco, não choveu por 11 meses

Com voz desanimada, Valdecir João da Silva, de 53 anos, conta os cadáveres do seu pequeno rebanho que não resistiu à fome, à falta de água e às doenças causadas pela desnutrição. Em uma área afastada da pequena casa onde vive com a família, ele juntou 12 animais mortos ao longo dos últimos meses. De alguns, restam os ossos. De outros, mais recentes, os corpos inchados. “Morreram de fome”, resume ele, que prefere deixá-los aos urubus a enterrá-los. Ele tenta salvar os 20 animais que restam com mandacaru, a planta símbolo do Nordeste. “Ração não dá para comprar, pois está muito cara. O saco de milho que custava R$ 18 há dois anos hoje sai por R$ 65”.
No sertão de Petrolina, quinta maior cidade de Pernambuco, não choveu por 11 meses. Em meados de dezembro, caiu uma chuva forte, mas logo parou. O receio dos sertanejos do semiárido é de que se repita o ocorrido em janeiro passado, quando a chuva veio forte, “sangrou” açudes, mas durou só duas semanas.
“Plantei 60 quilos de milho e de feijão, mas não choveu mais e perdi tudo. Não deu nem palha”, diz Josilane Rodrigues, de 25 anos, enquanto expõe 11 ovelhas em uma feira em Dormentes, a 130 km de Petrolina. Quer vendê-las, mesmo a preço baixo, por não ter como alimentá-las.
“Vou vender a qualquer preço porque não quero voltar com eles”, afirma Francisco Agostinho Rodrigues, de 64 anos, que levou à feira 23 de seus 60 animais. “A gente vende algumas para dar de comer às outras”. A feira semanal de Dormentes reúne, em média, 3,6 mil animais e atrai compradores da região e de outros Estados. Em tempos bons, tudo é vendido. Agora, em razão da crise e da seca, o número de animais expostos caiu à metade e muitos voltam para casa por falta de interessados, diz João Batista Coelho, da Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária.
Após cinco anos seguidos de volume de chuvas abaixo da média histórica, a seca do semiárido já é considerada a maior do século. A região inclui Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e o norte de Minas Gerais e conta com cerca de 23 milhões de habitantes.
Água – Grandes reservatórios do Nordeste – com potencial de armazenar mais de 10 bilhões de litros de água – operam, em média, com 16,3% da capacidade, porcentual que era de 46,3% há cinco anos. Dos 533 reservatórios da região monitorados pela Agência Nacional de Águas (ANA), 142 estão secos.
Segundo Raul Fritz, da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), “não se via seca tão severa para um período consecutivo desde 1910”, quando dados sobre as chuvas passaram a ser coletados. O Ceará é o Estado em pior situação. Seus reservatórios têm apenas 7% da capacidade armazenada. Nos últimos cinco anos, choveu em média 516 milímetros no território, enquanto a média mínima é de 600 milímetros. “E o Ceará é o retrato do que ocorre nos demais Estados”, diz Fritz.
Vários rios e açudes também secaram. Muitos moradores, inclusive em grandes cidades, só têm acesso à água fornecida por caminhões-pipa bancados pelos governos federal e estaduais.
De 2012 a 2015, o Nordeste registrou prejuízos de R$ 104 bilhões com a seca. O valor equivale a quase 70% das perdas em razão desse fenômeno em todo o Brasil, segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM). Os valores de 2016 ainda não foram contabilizados.
Em Pernambuco, onde boa parte dos 185 municípios está em situação de emergência, a perda chega a R$ 1,5 bilhão só na pecuária. O rebanho bovino, formado por 2,5 milhões de cabeças em 2011, diminuiu em 554 mil cabeças no ano passado.
Ainda que caprinos e ovinos tenham sofrido com a estiagem, como os do criador Silva, o rebanho cresceu por ter substituído o gado, que é menos resistente à seca. O número de cabras, bodes e cabritos passou de 1,9 milhão para 2,4 milhões em quatro anos. O de ovinos saltou de 1,8 milhão para 2,4 milhões.
Pouca chuva – Na região rural de Acauã (PI), primeira cidade a ser beneficiada pelo programa Fome Zero junto com Guaribas, em 2003, Hortêncio Francisco Rodrigues, de 78 anos, conta que, até 2012, tinha 20 cabeças de gado, mas hoje tem quatro: “Praticamente mandei colocar no caminhão e levar; vendi baratinho, pois ninguém queria”.
Agora se dedica à criação de 150 ovelhas e cabras, que são mais resistentes e comem plantas da caatinga, como mandacaru, angaroba e palma, que também começam a escassear em algumas regiões do Nordeste.
Rodrigues ficou contente com a chuva de dezembro, mas ressalta que “chuvinha pouca não conta”. Desde então, o sol voltou a ser “o mais quente da vida”, como define ele.
De sorriso fácil, Rodrigues afirma que o valor recebido da aposentadoria é que tem ajudado a manter parte das despesas da casa, principalmente com os remédios da esposa Luzia, de 79 anos Com seis filhos (dos quais dois já morreram), um número de netos que perdeu a conta e 31 bisnetos, ele diz que parte da família deixou o sertão. Alguns migraram para São Paulo, “à caça de emprego”. Apesar das secas constantes, umas mais duras, outras menos, não pensa em ir embora. “Nasci aqui e só saio envelopado”, brinca.
O vizinho José Teixeira de Macedo, de 64 anos, já viveu da plantação de algodão nos anos 80, mas perdeu tudo por causa da praga de bicudos. Participou de frentes de trabalho na grande seca de 1983 e agora cria ovinos e planta milho e feijão quando chove. Diz que, sem a aposentadoria, tudo estaria muito mais difícil. Ele e um dos filhos cuidam da roça e também não pensam em abandonar o sertão. Já a neta, Samara, de 16 anos, pretende mudar-se para uma cidade maior e estudar Administração. “Não vou morar aqui; vejo o sofrimento dos avós e dos pais e não quero isso”.
‘Seguro bode’ – O agrônomo e criador de caprinos e ovinos em Acauã (PI), Cândido Roberto de Araújo, de 49 anos, comprou um rebanho com 122 animais por R$ 50 cada. Em períodos normais, sairia por cerca de R$ 200, calcula ele. “Estavam todos magros e tive de engordá-los para revender para o abate”. Na região predomina a criação de animais para abate ou produção de leite.
Araújo reclama da falta de um programa governamental voltado à atividade. O que tem disponível é o Seguro Safra, empréstimo subsidiado para quem perde a produção agrícola. “Precisamos é de um Seguro Bode”, diz, referindo-se ao animal cuja carne está entre as mais consumidas pela população local.
Antonio Felipe de Souza, de 60 anos, tem 80 cabeças de gado leiteiro. Após perder 20 animais, em 2012 e 2013, passou a plantar capim, irrigado com água de um poço que construiu com verba do Bolsa Estiagem. Seu irmão Norberto não obteve o crédito e, de 100 vacas, perdeu 80. Junto com familiares, Souza produz doce de leite e peta (biscoito de polvilho) e vende na região. “Dá para sobreviver”, diz. Segundo a Cooperativa de Produtores de Afrânio (PE), a produção de leite caiu de 11 mil litros por dia em 2012 para 3,4 mil litros. O preço também caiu. “O que a gente vende não dá nem para as despesas”, diz Fortunato Rodrigues, de 74 anos. Vender o animal não é solução. “O preço da arroba está lá embaixo e quem vende não consegue repor o gado”.
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