Publicado em 21/01/2019 às 16h10.

Salvador teve provas ‘mais contundentes’ de efeitos da exclusividade, diz parecer

Relatório que aponta suposta prática de conduta anticompetitiva motivou investigação do Cade na capital baiana e outros carnavais de rua pelo País

Juliana Almirante
Foto: Roberto Viana/ Ag. Haack/ bahia.ba
Foto: Roberto Viana/ Ag. Haack/ bahia.ba

 

Salvador teve provas “mais contundentes” dos efeitos negativos conferidos pela exclusividade da marca de bebidas durante o Carnaval. É o que aponta parecer da Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (Seprac), do Ministério da Economia, de julho do ano passado.

O conteúdo do parecer foi divulgado ao bahia.ba pela Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) nesta segunda-feira (21), devido à abertura de uma investigação contra o modelo de exclusividade nos carnavais de rua de Salvador e outras cidades do País.

O parecer aponta a suposta prática de conduta anticompetitiva. O inquérito administrativo é um procedimento investigatório preliminar instaurado pela Superintendência-Geral do Cade, a fim de apurar infrações à ordem econômica.

“Esclarecemos que o inquérito foi aberto apenas contra as prefeituras em virtude de o parecer da Seprac indicar a possível prática somente por parte delas. A avaliação em relação à atuação das empresas será feita ao longo da instrução do inquérito administrativo”, informa o Cade. A prefeitura já se colocou à disposição para esclarecer o processo de seleção dos patrocinadores, que diz ser “transparente”.

Efeitos da exclusividade – “Na prática, porém, foi justamente em Salvador que encontramos as provas mais contundentes dos efeitos negativos conferidos pela exclusividade da marca e do desrespeito às limitações que o edital impunha à exclusividade – levando a que, na prática, a pressão competitiva criada pelo comércio local fosse obstada. Salvador tornou-se, assim, exemplo tão claro quanto o Rio de Janeiro de que a leitura das normas que formalmente regem o carnaval é insuficiente para definir como efetivamente funcionam as restrições à concorrência”, diz o parecer da Seprac.

O relatório afirma ainda que o caso da capital baiana é “bastante emblemático”, porque o Município chegou a desenhar modelos de carnaval de rua que, formalmente, seriam “mais competitivos” que aqueles idealizados por outros municípios que também conferiam exclusividade, ou semi-exclusividade a determinadas marcas.

“A Prefeitura de Salvador foi, também, aquela que mais explicitou os benefícios que adviriam da concessão da exclusividade – não havendo, entretanto, nenhuma explicação de por que modelos alternativos, menos restritivos, não foram estudados, ou adotados”, continua o parecer.

Conforme o parecer, a Saltur assegurou, por escrito, que não há restrições à venda de marcas concorrentes pelo comércio local. No entanto, a Seprac recebeu denúncias que sugerem exatamente o contrário: “há alegações de que, na prática, o município de Salvador estava notificando os comerciantes a não comprometerem a exclusividade por meio da venda de marca concorrente à do patrocinador e de que havia funcionários da prefeitura fiscalizando a obediência a essa regra, a qual contraria frontalmente os decretos municipais”.

Denúncias – Segundo uma das denúncias, antes do início do Carnaval, uma fiscal da prefeitura apareceu em um estabelecimento informando que a venda de bebidas de marcas diferentes daquela que foi a vencedora da licitação para fornecedora oficial do carnaval estaria proibida para clientes que estivessem do lado de fora do nosso estabelecimento. “Também seria a nossa obrigação impedir a saída de clientes consumindo um produto de marca distinta da fornecedora exclusiva. Como punição pelo não cumprimento da norma, a mercadoria seria confiscada e uma multa seria aplicada”, afirma a denúncia.

A denúncia relata, ainda, que o poder de polícia teria sido delegado para os empregados da marca patrocinadora. “Durante o período do Carnaval, todos os comerciantes que saíam para reabastecer seus estoques, quanto optavam por uma marca diferente da fornecedora oficial, na volta aos seus estabelecimentos, eram acompanhados até a porta por um fiscal da empresa fornecedora, e não da prefeitura. O fiscal da fornecedora pode denunciar, para a Prefeitura, os comerciantes que não estiverem em consonância com as regras do carnaval”, diz o parecer.

Ainda segundo o relatório, denúncias indicam o absurdo de os fiscais coibirem o consumo de produtos diversos da marca oficial dentro de condomínios residenciais.

“[A]nualmente e nos dias que antecede[m] o carnaval de Salvador, o condomínio supracitado recebe da Prefeitura de Salvador notificação referente a proibição de comércio de produtos alimentares, bebidas ou similares que não seja[m] da marca dos patrocinadores oficiais do Carnaval, conforme cópia anex[a] a este documento. Acrescento ainda que essa proibição, executada pelos agentes fiscais, adentra nos corredores das galerias do prédio e nas unidades autônomas frontais – apartamentos”, afirma denúncia registrada no 1º Ofício do Cartório de Registros de Títulos e Documentos da Comarca de Salvador.

O parecer também aponta que a preocupação das cervejarias com a estocagem do produto dentro da área de exclusividade – relatada por meio de uma notificação anexada ao processo – seria uma “prova expressa” de que o patrocinador tenta impedir a arbitragem naquela área para impor um preço mínimo mais elevado ao seu produto durante o carnaval.

Mais notícias

Este site armazena cookies para coletar informações e melhorar sua experiência de navegação. Gerencie seus cookies ou consulte nossa política.