Jornalista com experiência na área cultural, com passagem pelo Caderno 2+ do jornal A Tarde. Atuou como assessor de imprensa na Viva Comunicação Interativa, produzindo conteúdo para Luiz Caldas e Ilê Aiyê, e também na Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Salvador. Foi repórter no portal Bahia Econômica e, atualmente, cobre Política e Cultura no portal bahia.ba. DRT: 0007543/BA
Raul Seixas vive: 80 anos da metamorfose ambulante que reescreveu o DNA da música brasileira
Como um cometa místico e rebelde, a trajetória do Maluco Beleza é celebrada com série inédita e um legado que segue encantando gerações

Há 80 (ou 10.000) anos, em um dia como este, nascia o Canceriano Sem Lar, pai do rock no Brasil, cantor, compositor e multi-instrumentista Raul Santos Seixas, em Salvador. Conhecido por muitos nomes, o músico viveu milhares de metamorfoses: de Mosca na Sopa a Cachorro-Urubu, passou por Super-Heróis, viveu Aventuras na Cidade do Thor e foi até Messias Indeciso — sempre Movido a Álcool. Raulzito embarcou no Metrô Linha 743 direto para o estrelato após o lançamento do seu primeiro álbum solo, em 1973, e, com o grito de Tarzan, Krig-Ha, Bandolo!, mudou o DNA da música brasileira para sempre.
Sempre capaz de sacudir o mundo, Raul vive momento de alto interesse no Brasil ao completar seu octogenário neste sábado (28). A série de ficção biográfica Raul Seixas: Eu Sou foi lançada na Globoplay na última quinta-feira (26), com o astro vivido pelo ator Ravel Andrade, fazendo uma viagem através das várias fases do roqueiro ao longo de oito episódios. Com criação de Paulo Morelli, que divide a direção com seu filho, Pedro Morelli, a obra tem produção da O2 Filmes.
Enigmático e indecifrável, um dos maiores nomes da história da música brasileira teve uma morte precoce em 1989, aos 44 anos, em São Paulo. Em sua discografia, fundiu o rock norte-americano de Elvis Presley e Chuck Berry com o baião de Luiz Gonzaga e lançou 17 álbuns de estúdio e seis ao vivo. Com isso, criou uma nova linguagem musical que lhe rendeu um status quase religioso entre seus fãs.
Raul foi casado quatro vezes: com Edith Wisner (de 1967 a 1974), com quem teve sua filha Simone; com Glória Vaquer (de 1975 a 1978), com quem teve Scarlet; com Ângela Affonso Costa, a Kika Seixas (de 1979 a 1985), com quem teve Vivian (a DJ Vivi Seixas); e teve um relacionamento marcante com Tânia Menna Barreto, que durou cerca de oito anos, entre 1976 e 1984, embora não tenham se casado oficialmente.
O homem por trás da lenda

Para a homenagem dos 80 anos do roqueiro, o bahia.ba conversou com Tânia Menna Barreto, uma das grandes relações de Raul, e coautora de clássicos junto ao cantor, como Mata Virgem, Movido a Álcool e Pagando Brabo. Em 2024, lançou um livro escrito em parceria com o jornalista Tiago Bittencourt, sobre sua vida ao lado do cantor, intitulado Pagando Brabo: Raul Seixas na minha vida de amor e loucuras.
“Eu o vi pela primeira vez em uma festa na casa de um conhecido em comum, em 1976. Raul ficou atrás de uma mesa que separava a cozinha da sala, de óculos escuros, olhando pra mim (acredito que por bastante tempo). A segunda vez, quando realmente fizemos contato, foi na casa de um casal amigo nosso, individualmente. Nesse dia, ficamos juntos, e foi o primeiro de uma relação que durou alguns anos. Era sua melhor fase. Ele era carismático, sedutor, engraçado, gostável”, explica Tânia sobre o primeiro encontro com o Maluco Beleza e um pouco da sua relação.
“Foi o homem que eu mais amei na minha vida”, declara.
Sobre sua persona privada, longe do misticismo do palco e da personalidade rebelde das músicas, Tânia descreve o cantor como uma pessoa “muito educada e calado”. “Ele gostava de ficar em casa fazendo suas alquimias musicais e mentais. Esse era o Raul e Raul Seixas compositor. Já o cantor/ator, todo mundo sabe da força e da capacidade dele”.
Com o poder das canções feitas em parcerias com seu companheiro, como Mata Virgem, lançada em 1978 e, inclusive, regravada por Ney Matogrosso no seu álbum homônimo de 1981, a compositora afirma que foi uma época marcada pelo lado mais romântico do cantor. “Ela merece estar aí ainda sendo tocada porque é muito bonita. Foi um período em que ele perdeu a vergonha de cantar músicas assim”, completa Tânia.
Tendo ganhado um status quase de lenda urbana na cultura popular brasileira, Raul Seixas se tornou uma figura folclórica para a nossa música. Questionada se havia uma intenção proposital da parte dele para essa construção imagética, a ex-companheira esclarece mais sobre seu ponto de vista íntimo.
“Ele se misturou bastante com o personagem que criou. Com o tempo, Raul Seixas foi tomando conta de Raul, mas eu não vivi realmente essa fase dele se perder de si mesmo. Só que o álcool, principalmente, junto com outras drogas, foi o quebrando. Claro que, para pessoas que não o conheceram, ele é e sempre será o artista. Para mim, ele foi ficando frágil, e a persona pública, obviamente, também. Mesmo assim, ele cantou até morrer. Um não existia sem o outro”, reflete.
Tendo sido retratada na nova série da Globoplay, pela atriz Julia Stockler, Tânia afirma que se sente “muito bem” com isso. “Dá uma sensação boa e curiosidade de ver como vão me colocar”. Ela ainda não havia visto a produção até o fechamento da matéria, por não ter estreado na data.
O ídolo e ícone cultural

A reportagem também conversou com um dos seus grandes amigos, o fundador do Raul Rock Club, em 1981, Sylvio Passos. Considerado um dos guardiões do acervo do cantor, ao lado da família, o também roqueiro detalhou a sua relação com o cantor e como se deu o início dessa amizade, de jovem fã à relação pessoal.
“Ele entrou na minha vida ainda ali na década de 70. Ele era um artista muito popular, tocava em todas as rádios, festas, em todo lugar. Sempre meio que me ‘perseguia’ nos lugares que eu ia. Mas confesso que eu não dava muita bola. Eu era um adolescentezinho. Lembro do meu pai cantando ‘Mosca na Sopa’, lá em 73. Mas ele entrou definitivamente na minha vida ali no começo da década de 80, quando eu parei realmente para ouvir. Foi com Krig-Há, Bandolo! e, principalmente, com Metamorfose Ambulante, que me pegou logo na primeira ouvida, quando prestei atenção de verdade”, explica Sylvio.
Não é possível definir um marco temporal que explique como a relação dos dois começou de fato. “Meio que magicamente, acabei me tornando amigo dele. Fundei um fã-clube para homenageá-lo ainda em vida, e essa coisa de ser fã acabou transcendendo. Fui além de simplesmente ser essa figura. Acabei me tornando muito próximo dele, acompanhando-o nos altos e baixos da vida”, pontua.
Junto com os 80 anos de Raul, também se completam 44 anos do começo do fã-clube, já que foi fundado na mesma data. A dedicação rendeu a Sylvio uma confiança íntima por parte do ídolo, que lhe confiou diversos materiais pessoais desde o começo dessa história. “Roupas, manuscritos, fotos, gravações. Desde o primeiro momento em que estive na casa dele, lá em 81, já rolou essa sintonia, essa confiança. Eu saí da casa dele com um pacote de fitas inéditas e um monte de coisa”, celebra o fundador do RRC.
Considerado um dos guardiões deste vasto acervo, o também músico destaca a importância da manutenção desses itens para preservar parte da história e da cultura brasileira. “Eu tinha, e tenho, esse compromisso. É meu com o Raul, com a cultura, a música brasileira, a família dele e com os fãs. E carrego isso com muita alegria, com muito prazer.”
Com a nova série chegando ao streaming da Globoplay (da qual foi consultor de Paulo Morelli), exposição em museu e o aniversário de 80 anos, ressurge um grande interesse em torno da figura do Maluco Beleza. Para Sylvio, isso se deve ao fato de suas músicas sempre terem dialogado com um público jovial.
“Os jovens se renovam, se reinventam a cada nova geração. A temática das músicas do Raul traz questões filosóficas, metafísicas, existenciais, coisas que eles estão buscando. Ele também trabalhava com o lado místico, esotérico, misturava tudo. Era um verdadeiro caldeirão de temas na obra dele. E isso captura muito esse público. E agora, tem também toda essa movimentação recente: a série, shows no Brasil inteiro, uma megaexposição no Museu da Imagem e do Som, aqui em São Paulo”, explica o amigo e confidente do seu acervo.
Também está sendo pensado um memorial, uma “Casa do Raul”. “Talvez seja em Salvador ou aqui em São Paulo. Isso está sendo pleiteado por mim e por toda a família”, revela. “Desde garoto, quando ele ainda era vivo, eu já falava sobre essa ideia de criar um museu. Eu já tinha um acervo considerável que o próprio me entregou — além da mãe dele. Então, finalmente, tudo isso está se concretizando aos poucos. E ele merece. O público merece. E a cultura brasileira agradece.”
Sobre a nova série, da qual já havia visto três episódios de forma antecipada, Sylvio afirma ter gostado muito da representação do cantor. “Assim como há a licença poética, existe também a licença cinematográfica. Tem um ‘colorido’ a mais, claro. Mas o mais importante é que o Raul está ali. Os episódios que vi me emocionaram muito, inclusive um em que aparece um ator que me representa, ainda jovenzinho, na época em que o conheci”.
O artista inquieto

Para um dos biógrafos que escreveram sobre o cantor, o jornalista Tiago Bittencourt, além do livro em parceria com Tânia, também lançou O Raul que me Contaram – A História do Maluco Beleza, com uma série de entrevistas e um relato pessoal sobre encontros com personagens que resgatam a jornada do cantor pela vida. Ao bahia.ba, o escritor diz que a ideia do livro nasceu depois de fazer em um programa chamado Caminhos da Reportagem, um documentário com duração de uma hora, justamente no ano em que o Raul completaria 70 anos.
“Ele já era um artista muito presente na minha vida, que eu ouvia desde sempre. E, a partir dessa trajetória, surgiu a chance de fazer o documentário — que acabou virando livro. A ideia ali era trazer pessoas que conviveram com o Raul no programa, que também pesquisaram sobre ele, e mostrar como teve impacto na vida dessas pessoas. Parecia que algumas delas falavam como se ele tivesse morrido ontem. Vi pessoas se emocionando de verdade, chorando mesmo”, lembra Tiago.
“Um exemplo disso é o Cláudio Roberto, parceiro em músicas como Maluco Beleza, Rock das Aranhas, Cowboy Fora da Lei, entre várias outras. Um dos maiores parceiros e também um grande amigo dele. Foi muito interessante perceber esse sentimento que ficou nas pessoas que conviveram com ele. Ninguém ficou indiferente. O Raul, de alguma forma, deixava uma marca”, acrescenta.
Entre tantos depoimentos, alguns difíceis, outros positivos, Tiago relembra a conhecida generosidade de Raul com outras pessoas, lembrada por muitos que conviveram pessoalmente com ele. “O próprio Sylvio conta que, se você dissesse algo como ‘Raul, gostei do seu óculos’, ele tirava e te dava. E o Marcelo Nova (vocalista do Camisa de Vênus e parceiro de Raul no disco Panela do Diabo) também citou um caso, sobre a biografia do Jerry Lee Lewis: ele pediu para ler o livro depois que o Raul terminasse. Mas ele não esperou — pegou o livro, escreveu uma dedicatória e entregou ao Marcelo. Ele tem o livro até hoje.”
“Esses gestos refletem muito quem o Raul era — e aparecem em músicas como Carpinteiro do Universo, em que ele canta: ‘Não sei por que nasci pra querer ajudar, querer consertar o que não pode ser‘”, acrescenta.
Mesmo após 36 anos da sua morte, o cantor mantém uma relevância ímpar na cultura popular brasileira. Tiago atribui a busca forte pelo cantor nos dias de hoje ao alcance que transcende gerações. “Se você olhar do ponto de vista musical, até hoje Raul é colocado em novelas, suas músicas ainda são regravadas. Artistas de diferentes estilos e de diversas origens continuam interpretando suas canções. Isso significa que ele se perpetuou. Ele é ouvido por várias faixas etárias e classes sociais”, explica o autor.
“Obviamente, houve um crescimento do interesse após a morte. A sensação é que, naquela época, as pessoas ainda podiam assistir ao show quando queriam. Hoje, com o YouTube, você pode acessar o artista de diversas formas, rever entrevistas, shows, participações. Mas eu acho que ele construiu uma carreira digna de ser lembrada por muito tempo — independente desse status religioso que se criou em torno dele”, pontua.
Com um fim trágico, Raul Seixas teve um desfecho melancólico e faleceu em São Paulo, no dia 21 de agosto de 1989. A causa oficial da morte foi uma pancreatite aguda, agravada por complicações decorrentes do alcoolismo e da diabetes, que ele negligenciava tratar corretamente. Ele vinha enfrentando problemas de saúde nos anos finais da vida, relacionados ao consumo excessivo de álcool e à falta de cuidados médicos. Faleceu em seu apartamento, no bairro da Vila Mariana, e foi encontrado por sua então companheira, Kika Seixas.

Mesmo com todas as dificuldades pouco antes de morrer, Marcelo Nova resgatou o interesse em Raul ainda em vida, ao gravar o disco Panela do Diabo, em 1989. “O uso abusivo das drogas e do álcool prejudicou muito, e ele talvez não conseguisse mais expressar nem levar adiante esse discurso. Conceitualmente, com certeza ele manteve, mas talvez, já no final da vida, ele não conseguiu ser aquele farol, aquele reverberar como gostaria. Mas foi um cara que, volto a dizer, fez 50 shows antes de morrer. De um cara esquecido pela mídia, pelas gravadoras, a todas essas apresentações no fim da vida. Então, é um cara que vai ser lembrado para sempre, tanto pela música quanto pelo discurso”, conclui Tiago.
Raul Seixas partiu cedo, mas continua a ecoar como um trovão filosófico, místico e anárquico. Um verdadeiro Carpinteiro do Universo da música brasileira.
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