Publicado em 22/09/2025 às 18h55.

Wagner Moura critica abandono do teatro baiano: ‘Foi positivo no governo ACM’

Ator reforça importância do fomento público à cultura e destaca papel do Nordeste na defesa da democracia

João Lucas Dantas
Foto: João Lucas Dantas/ Bahia.ba

 

O ator baiano Wagner Moura, durante a divulgação da estreia do espetáculo teatral O Julgamento – Depois do Inimigo do Povo, em Salvador, no dia 03 de outubro, no Trapiche Barnabé, fez paralelos com a situação política que o Brasil vive atualmente, criticou a situação em que se encontra o teatro baiano, com falta de fomento público, e a importância de artistas ainda tomarem à frente para protestar politicamente, como ocorrido no último domingo (21).

Protagonista e roteirista da peça, Wagner afirma que não haverá paralelos diretos com o Brasil na adaptação do texto do norueguês Henrik Ibsen (1828–1906), um dos fundadores do teatro realista moderno, na sua versão.

“É mais uma coisa do que a gente estava sentindo, do que estava nos inquietando e que se refletia naquela obra. E é claro que o Brasil nos inquieta, que as coisas que acontecem aqui e no mundo nos inquietam. Então, foi mais um reflexo do que um paralelo direto. Você não vai ver, talvez, uma citação direta a um fato objetivo que aconteceu, é mais uma sensação”, pontua o ator, durante coletiva de imprensa, nesta segunda-feira (22).

Jornalista por formação, Wagner aproveita para pontuar como o jornalismo tem sido descreditado no atual cenário político mundial e afirma que esse é o tipo de tema que será abordado no espetáculo.

“O jornalismo vem sendo colocado propositalmente, desacreditado. A forma como as pessoas se informam. Isso está tudo discutido na peça, mas não de uma forma ligada a um evento específico. É claro que, como somos brasileiros, a gente vive todas essas questões”, acrescenta.

Situação do teatro baiano

Questionado pela situação que o teatro na Bahia se encontra, e como a vinda dessa peça pode impactar positivamente no fomento à arte no estado, Wagner diz que espera poder “movimentar a cena cultural”. “O teatro, em qualquer lugar, depende de incentivos públicos. E eu acho que isso não está acontecendo, e lamento que não esteja acontecendo nos últimos governos do PT na Bahia”, aponta.

Para o ator, fruto do cenário do teatro da Bahia dos anos 90, época do mandato governamental de Antônio Carlos Magalhães, diz que essa foi “uma época muito positiva para o teatro profissional do estado”.

“Essa época aconteceu durante o governo de ACM. E isso me dá uma angústia muito grande dizer isso, mas é verdade. Não quero criar polêmica com a Secretaria de Cultura da Bahia, nem com a quantidade de dinheiro destinado à cultura, mas acho mesmo que governos de esquerda deveriam, por natureza, incentivar muito mais a cultura e, sobretudo, neste caso específico, o teatro profissional da Bahia”, criticou o ator, em referência às gestões governamentais do PT no estado, desde Jaques Wagner, em 2007 até Jerônimo Rodrigues, atualmente.

“Eu me formei e existo como artista porque, justamente, na minha época de formação, vivi uma ebulição do Teatro da Bahia, em que pude ver Carmen Paternostro, Deolindo Quecucci, Márcio Meirelles, Fernando Guerreiro — essas pessoas trabalhando no seu potencial mais alto. Pude ver os atores da Bahia, como Jackson Costa, e o que a Bofetada fez ao trazer público para o Teatro da Bahia: Fafá Menezes, Carlos Betão, Rita Semani, Yamir Rebouças, uma quantidade de atores que me formaram ao vê-los”, relembrou Wagner Moura.

Para o mesmo, uma geração de atores locais terem referências profissionais somente do eixo Rio-São Paulo é “ruim” para a autoestima do teatro baiano e, sobretudo, para a sobrevivência profissional dos que vivem de teatro. “É foda ver um ator incrível e perceber que ele não consegue viver de teatro e precisa ter um emprego em outra área. Isso me dói. Tem atores como Lúcio Tranquese, Marcelo Praddo, atores que fizeram minha cabeça, e eu quero ver esses atores ocupando o lugar que merecem”, reinvidica.

“E isso, não só na Bahia, mas no Brasil, precisa de atenção do governo. A sequência de governos do PT, eu acho, não tem feito o que deveria estar sendo feito. Sei que o cobertor é curto, sei que a verba também é limitada, porque, tradicionalmente, a cultura no Brasil é subfinanciada. Então, que bom que o governo também apoia manifestações culturais do interior da Bahia, que eu acho incríveis, e que devem acontecer. Mas o teatro profissional da Bahia, eu sinto, está abandonado e precisa de mais atenção”, aponta o ator.

Manifestações pela democracia

O artista, que subiu ao lado da cantora Daniela Mercury no trio elétrico, no último domingo (21), para manifestar contra a PEC da Blindagem e contra a anistia dos envolvidos na tentativa de golpe de Estado, reforça a importância da região Nordeste na luta pela democracia no Brasil.

“Aqui a extrema-direita não se cria. Fiquei pensando nos caras que a polícia rodoviária parou naqueles ônibus para impedir que eles votassem, e os caras desceram, foram andando e foram votar, andando no sertão da Bahia”, diz.

“Essa, para mim, é uma compreensão do que seja democracia muito mais profunda e bela do que quando eu vejo esses caras lá do Congresso. O equilíbrio entre poderes, ele é a base da democracia. Impressionante como essas pessoas perderam a cara, a vergonha de falar essas coisas. É como se nós, o que nós pensamos, não importasse mais”, acrescenta Wagner. Para o mesmo, as manifestações ontem foram uma “clara” resposta ao movimento feito na política atualmente.

Questionado a respeito da ausência de mais artistas baianos no protesto, afirma que ninguém é “obrigado” a se pronunciar. “Quem tem que se falar é quem quer falar. E, quando você diz, você tem que segurar o rojão depois. Então, não é para todo mundo mesmo. Tem gente que se preserva, tem gente que não quer. E eu entendo completamente. E eu não acho que as pessoas devam ser pressionadas a se colocar se elas não estiverem prontas para isso”, esclarece.

Diálogos com a direita

Ao produzir a peça, Wagner Moura afirma seu desejo de se “dialogar com a direita”, mas lamenta não poder fazer isso no Brasil. “A gente quer bem-estar social, a gente quer cultura, a gente quer que as pessoas tenham um monte de coisa, que o Estado entre e faça um monte de coisa. E a direita com a qual eu queria dialogar pergunta assim: “Ok, e quem vai pagar por tudo isso que você está querendo?”. Essa é uma pergunta válida, é uma discussão importante”, provoca.

“Isso vai aumentar a carga tributária? De onde sai esse dinheiro? Eu queria ter esse tipo de conversa, mas não tem. Aqui é negócio de “toma o visto dele”. E a gente levanta essa discussão na peça. Será muito equilibrada. Os dois pontos de vista estão ali”, conclui Wagner.

 

João Lucas Dantas

Jornalista com experiência na área cultural, com passagem pelo Caderno 2+ do jornal A Tarde. Atuou como assessor de imprensa na Viva Comunicação Interativa, produzindo conteúdo para Luiz Caldas e Ilê Aiyê, e também na Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Salvador. Foi repórter no portal Bahia Econômica e, atualmente, cobre Cultura e Cidade no portal bahia.ba. DRT: 7543/BA

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